Seria de se esperar que a estréia
dessa versão cinematográfica do Agente
86 viesse a marcar alguma espécie de encontro de
dois momentos diferentes de humor. Criado na década
de 1960 por Mel Brooks e Buck Henry, o agente do Controle
Maxwell Smart teria sua releitura cinematográfica no
âmbito da nova comédia americana, comandado pelo diretor
Segal, habitual colaborador de Adam Sandler e vivido
pelo brilhante ator Steve Carell. Por sinal, haja visto
o filme recém-lançado, é mesmo releitura o melhor termo
que podemos usar para defini-lo. Se certamente não existe
uma fidelidade literal ao original, ao menos se nota
na concepção do projeto idéias relativas à feitura de
uma revisão do cinema de ação, como o seriado da década
de 60 havia feito com os filmes de James Bond.
Mas, como foi dito, em se tratando de uma releitura,
diversidades propositais acabam imperando ainda mais
que as próprias semelhanças. A começar pelo desenho
do protagonista. O Maxwell Smart vivido por Don Adams
no programa de TV era um atrapalhado clássico, dentro
do perfil do idiota que extraía inadvertidamente sorte
de sua própria insegurança. O Max de Steve Carell é
naturalmente também um trapalhão, mas acima de tudo
um cara que se atrapalha a partir de uma suposta esperteza,
ou mesmo inteligência, que até certo ponto existem,
mas que certamente se encontram aquém das necessidades
de seu ofício. Carell compõe seu agente com o pé nas
costas, guardando ainda muitos pontos de contato com
dois personagens que o consagraram. O Maxwell Smart
versão século XXI traz dele a inocência de Andy Stitzer,
O Virgem de 40
Anos, somada ao estilo “sem-noção” do Michael de
The Office, o que pode não deixar de ser visto de certa forma como
a adaptação de um personagem já existente à persona
do astro que o interpreta.
Essa alteração de perfis também pode ser sentida nos
demais personagens. A 99 rejuvenescida e sexy – ainda
que às custas de cirurgia – de Anne Hathaway ou o novo
Chefe, mais estressado e confrontador de Alan Arkin.
Se as mudanças impostas no novo filme se iniciam por
destacar o cômico transportado para os novos tempos,
em especial durante a primeira meia-hora, na ambientação
da sede do Controle – e a modernização do “cone do silêncio”
guarda talvez o momento ao mesmo tempo mais engraçado
e mais representativo desse espírito – à medida que
o filme segue e com isso vai se desenvolvendo a trama
de espionagem, perde-se um pouco da graça que Segal
conseguiu instalar na abertura.
Segal é um diretor que não é adepto da comédia pura,
como podemos confirmar por seus mais recentes trabalhos.
O memorável Como
se Fosse a Primeira Vez une comédia romântica a
uma melancolia agridoce. E em The
Longest Yard recria elementos do original, mantendo
a ação imposta por Robert Aldrich. Dessa forma, à medida
que se aproxima do final, seu Agente
86 vai perdendo em comicidade e sucumbindo aos códigos
do cinema de ação ao qual se esperaria que fizesse uma
corrosiva paródia, como fizera há quatro décadas o seriado
de Brooks & Henry. Bom exemplo disso é o chefe da
Caos, Sigfried (Terence Stamp), vilão-clichê, malvadamente
sério e desprovido de qualquer senso de deboche e comicidade.
Não há como negar que Peter Segal domine de modo seguro
as regras do artesanato cinematográfico. Apesar de,
como já foi dito, a ação ocupar gradativamente o espaço
do humor à medida que Agente
86 avança em sua narrativa, o filme nunca deixa
de ser eficiente e interessante, de capturar a atenção,
como era de se esperar num exemplar de cinema blockbuster.
Só que essa competência infelizmente não o permite pairar
acima da idéia do “divertido e esquecível”. O que, convenhamos,
é muito pouco quando o ponto de partida é um original
que ocupa ao lado de Seinfeld,
Arrested Development, Cheers, All in the Family ou
Mary Tyler Moore o terreno supremo das grandes séries cômicas da história
da TV.
Gilberto Silva Jr.
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