INDIANA JONES E O REINO DA CAVEIRA DE CRISTAL
Steven Spielberg, Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, EUA, 2008




O depósito secreto de Os Caçadores da Arca Perdida, espaço mítico, é invadido sem reverência pela “ação” em Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal.

A cena inicial de Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal é mais do que uma abertura. E é também mais ainda que um retorno. A seqüência é sobretudo um encerramento. Nela, vemos o herói legendário (Harrison Ford), o arqueólogo que se transformou em sinônimo cinematográfico de aventura na era dos blockbusters, reencontrar-se com um cenário absolutamente emblemático para sua mitologia. Com um plano simples, a apresentação do espaço, invadido pelos raios produtores de contornos luminosos que marcarão a fotografia do filme, conta-nos (e a ele) que o galpão a que o herói chegou sem saber é o mesmo que vimos no final de Caçadores da Arca Perdida (1981), filme que inaugura a série, em que o poderoso exército americano transformava em banal segredo militar o artefato de valor místico e religioso inestimável que guarda as tábuas dos dez mandamentos – o que é aqui inclusive confirmado por um plano “explicativo” que é totalmente desnecessário, porque serve como gag, em um filme com excesso delas, deve-se dizer.

Sinal dos tempos. Do tempo. A cena é uma demonstração clara de que o irmanamento deste filme é com aquele. O filme atual é, como Caçadores, um começo. É um filme para se tornar gênese.

Ou êxodo. A cena não é apenas uma homenagem. É claramente um ato de i-reverência, de... profanação. Reino da Caveira de Cristal invade o “templo” que aquele galpão se tornara desde o plano final do primeiro filme de Jones e, mais que isso, leva a ação para dentro dele. Não (apenas) a ação dramática – talvez nada dela, a se julgar pela introdução esquemática de Mac (Ray Winstone), o comparsa de Jones, e a mais esquemática ainda de Irina Spalko (Cate Blanchett), a militar paranormal soviética que será a oponente do aventureiro. É a “ação” propriamente dita que penetra o lugar sagrado da série, “ação” no sentido em que já explorei aqui em Contracampo, ou seja, como uma “competição olímpica pelos espaços por meio de movimentos estritos de desvio em relação às ameaças”, elemento do qual Jones tornou-se um dos ícones maiores em sua inegável competência para as movimentações espetaculares.

Assim, ao se ver aquele espaço tornar-se plano das ações, fica claro que se quer deixar de lado o peso daquela mitologia original. O que era o lugar ao qual os segredos eram relegados virou campo aberto, permitido: não existem mais limites de mistério na saga de Indiana Jones. A ambigüidade deixou de ser um de seus parâmetros. A própria trama deste filme, aliás, é uma resposta à de Caçadores da Arca Perdida. Quando conhecemos o personagem, ele está no Peru, em busca de relíquias pré-colombianas. Sua seqüência cartão de visita é a da rocha esférica que o persegue por um túnel, enquanto ele escapa com um pequeno ídolo inca. Mas se naquele momento a história se movia dessa busca “tradicionalista” de arqueólogo na direção de uma cruzada mais grandiosa, por um objeto tão inacreditável quanto válido mitologicamente no imaginário universal, aqui se migra de uma reputação de caçador de objetos dessa monta para uma reconstituição da história pré-colombiana em moldes new age, claramente inspirada no “Eram os Deuses Astronautas” do suíço Erich von Däniken. Não, Indiana não sai em busca da Arca de Noé, de uma relíquia muçulmana (o que, convenhamos, nunca aconteceria em um filme de Spielberg e Lucas) ou de qualquer outro objeto caro a um dos grandes monoteísmos. Ela vai é atrás de algo que o ligue a um mundo mais avançado e menos arcaico, mais cósmico do que cosmogônico.

Sinal do tempo, disse também. Claro, o ponto de partida deste filme é o envelhecimento de Henry Jones Jr. Vemo-lo na casa dos sessenta, depois da morte do pai (Henry Jones Sr.) e do melhor amigo (Marcus Brody, que também é alvo da falta de cerimônia do filme com a memória da série), e diante da descoberta de um filho (Henry Jones III, interpretado por Shia LaBeouf) e da redescoberta de um amor da juventude (Marion, a mocinha de Caçadores, agora também ali pelo final dos 50, vivida pela mesma Karen Allen do filme original). E igualmente o vemos depois de uma mudança de escopo – que é curiosamente insinuada, sem que a ela seja dado sentido biográfico: de arqueólogo que prestava serviços para o governo americano, mas motivado mais claramente pelo amor à descoberta das entranhas da história (além de por certo grau de mercenarismo), Jones é pego convertido em agente secreto, patriota, ganhador de medalhas e combatente contra “os russos”. Essa historicização é importante, aliás, uma vez que os inimigos de Jones eram, até aqui, mitológicos. A disputa do aventureiro sempre foi moral, agora é política – claro, nos Estados Unidos, a política é moral e o outro lado é sempre o “errado”, “o mal” até, embora o personagem tenha sobrevivido a isso até hoje. Os nazistas eram os vilões ideais de Lucas por serem unanimidade. Nada até hoje representou o mal na história como o nazismo (como nos mostrou Hannah Arendt). É o mal encarnado e ponto. Voltarei a esse tema.

Antes, porém, a “sobrevida” de Jones. Aqui Lucas se posiciona claramente em relação a um mundo que o cinema de ação americano contemporâneo vem criando. Explorei, na edição 86 de Contracampo, como o cinema dramático de Clint Eastwood vem trabalhando com uma idéia de retorno do personagem envelhecido a uma vida que ele já viveu quando era jovem, produzindo uma manutenção do vigor biográfico a partir dos usos e da exibição de um corpo experiente. Se olharmos para o cinema americano atual, veremos um aproveitamento do cinema de ação disso que vem sendo explorado por Eastwood: renasceram o Exterminador de Arnold Schwarzenegger (com O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas, de 2003, 12 anos depois do filme anterior da série); o Rocky de Silvester Stallone (com Rocky Balboa, de 2006, 16 anos depois do filme anterior); o Rambo do mesmo ator (John Rambo, de 2008, dez anos depois de Rambo III); o John McLane de Bruce Willis (Duro de Matar 4.0, de 2007, 12 anos depois de sua última aparição). Todos eles revistos em uma certa perda de energia física própria da velhice, mas rearticulados como donos de uma sobrevida vigorosa, produzida pelo espelhamento de seus próprios mitos do passado. Todos eles com momentos de “passagem de cetro” para um personagem mais jovem apresentado no filme. Indiana Jones vem diferentemente. Ele é por nós reencontrado com rugas no rosto e chamado de “vovô” pelo filho. Mas nada disso interrompeu seu percurso como aventureiro. Pelo contrário, em sua primeira aparição ele é jogado em uma aventura vindo diretamente de outra e vai sempre desmentindo os efeitos do tempo sobre ele – salvo quando este puder operar um alívio cômico, a exemplo da primeira seqüência, em que ele não alcança o caminhão ao saltar dependurado no cabo da lâmpada, isso pouco depois de dizer que se livrar daquilo não seria “tão fácil quanto costumava ser”. A cada seqüência de ação, vê-se que o mesmo cinismo, a mesma reação aos desafios do movimento e o mesmo chapéu estão sempre lá. A cena final, aliás, a do casamento, não poderia ser mais clara: ele é agora um homem de família, mas, no momento em que seu cetro de aventureiro poderia ser passado, na forma da apreensão do chapéu de Indiana Jones pelo jovem Mutt, ou melhor, Henry Jones III, ele próprio se encarrega de demarcar posições, tomando o objeto das mãos do rapaz: este ainda é meu tempo, ainda não é hora da nova geração assumir. E, igualmente, ao longo de toda metragem, Jones estará sempre um passo à frente de Mutt, sempre demarcando uma posição de maior competência, posição igualmente demarcada pela decupagem, que sempre trará o pai à frente do filho.


Plano a plano, a precedência de Indiana Jones sobre Mutt será demarcada, provando que ainda não é a vez do “jovem Indiana Jones”.

Até por conta disso e também da citação explícita a Caçadores, é inevitável pensar o filme como parte da série, antes mesmo de como peça individual. Isso por conta do personagem de Jones. No que era até agora uma trilogia, víamos Jones em um mesmo jogo, o de conflito entre seu ceticismo profundo (o que lhe conferiu um cinismo impertinente) e o constante testemunho da transcendência como ocorrência viva. Ele é o arqueólogo que se aproxima das relíquias como objetos e que as vê se transformarem em sujeitos, poderosos. Ele é o cientista que testemunha o impossível se dar diante dele. Jones nunca saiu ileso desse testemunho. E esse afetamento passa por uma recomposição do personagem, que sempre terá revista a noção de origem. Não das relíquias. De si. É isso que o move. Jones se transforma ao se deparar com a grandiosidade de suas descobertas. As transformações operadas em sua biografia sempre vieram da vivência obtida em sua arqueologia.

Reino da Caveira de Cristal é diferente. Nele, estabelece-se uma clara separação entre a transformação biográfica sofrida pelo personagem e sua busca como cientista. O passado que vem atrás dele não é tanto o da “grande história”, mas sim o de sua micro-história pessoal mesmo (na forma, ora, do filho). A trama parece mesmo ser um acessório de seu retorno ao quadro desviado pouco depois do final de Caçadores da Arca Perdida: ele, que recuperou o pai graças às descobertas humanísticas feitas em A Última Cruzada (1989), é recuperado como pai... para que as coisas, afinal, fiquem “certas”. E é essa noção de “certo” é o principal senão do filme. Embora ele seja muito bem resolvido conceitualmente, como mostrarei adiante, sobretudo em sua guinada conceitual em relação à série, acaba por ser muito simplista quando se coloca como drama, como sistema de composição entre protagonista, antagonista e objetivo. Nesse sentido, este é o único filme da série prejudicado pela duração: falta tempo ao roteiro para que a proposta do argumento de que a empatia entre Jones e Mutt é provocada pelo reconhecimento mútuo da competência do outro como aventureiro – traço que era muito bem explorado no conflito pai e filho entre Indiana e seu pai no filme anterior; falta tempo para que a frase: “Nenhuma delas era você”, dita a Marion por Indiana sobre sua vida amorosa depois dela, não seja mais do que uma frase feita ou, como é, uma muleta dramática, uma elipse: o roteiro aposta que a sentença e a convivência na aventura dará conta dos anos de afastamento; falta tempo para que o núcleo familiar criado com Oxley (John Hurt) faça sentido para além da falta que o pai de Marion faz; falta tempo, sobretudo, para que os russos não sejam mais do que um clichê clássico de cinema de aventura (efeito que seria necessário para o plus de complexidade que as tramas da série impõem). O tempo que poderia ser usado para fazer isso é dedicado justamente à busca aventureira, à “ação”, no bom sentido do termo, o que constrói de fato seqüências marcantes. E é claramente uma questão de distribuição do tempo e não exatamente de duração, já que o filme é o segundo mais longo da série (apenas mais curto que A Última Cruzada). Mais do que de distribuição, então, é de intensificação que se trata: o conflito, quando é estabelecido, é feito de maneira simplista, superficial, esquemática. É um simplismo mais ou menos típico no cinema de Spielberg, e que em geral não é o elemento mais determinante. Aqui, entretanto, ele acaba por fazer com que os personagens se transformem por vezes nas puras formas que no fundo são. Falta vida a vários momentos deste filme.


Indiana e Marion: reencontro pouco explorado, faltando inclusive, planos de interação efetiva entre os dois.

Mas mais forte que o roteiro, aqui, está a visualidade. Dentre os filmes da série, este é aquele em que as imagens são mais determinantes, para o bem e para o mal. A luz (e a escuridão) tem tido um papel importantíssimo no cinema de Spielberg. Um dos elementos mais habituais em seus filmes é a luminosidade forte no entorno dos personagens, uma espécie de contraluz, mas que não subexpõe as pessoas. Em Contatos Imediatos (1977), esse é um dos elementos centrais do mistério. Em E.T. – O Extra-Terrestre (1982), esse contorno é quase um outro personagem. Em A Lista de Schindler (1993), a luz dura é quase como uma moldura para os personagens em preto-e-branco. Spielberg chegou mesmo a fazer um filme justamente sobre a luz, a luminosidade e o enxergar, Minority Report: A Nova Lei (2002), em que essa iluminação “de aura” estabelece os personagens e o ver e ser visto ocupam uma verdadeira função na história.

Curiosamente, em Indiana Jones ela não vinha sendo um elemento chave. Agora é. A visualidade de O Reino da Caveira de Cristal é toda ditada por essa “aura”, esse contorno luminoso. Os personagens são contornados por luz, criando uma relação entre pessoas e fundos muito curiosa: o mundo parece sempre uma abstração (salvo nas imagens das corredeiras, fortemente naturalistas). A visualmente impressionante da seqüência final de “ação”, na qual a transformação da região da pirâmide pré-colombiana é filmada com decupagem espelhada na da explosão atômica do começo, é muito marcante nesse sentido. Jones não vive no mundo, ele vive no planeta-aventura, no planeta tecno-lógico pós-1945, no planeta pós-nuclear. Seu espaço deixou de ser a história no modo clássico e passou a ser um espaço abstrato recortado com luz, “irradiado”. Marca técnica dos efeitos especiais digitais, sem dúvida, mas igualmente marcação simbólica inelutável. Não mudou apenas Jones e não mudou apenas o cinema. Mudou o mundo de que ambos tratam.




A iluminação cria uma “aura” no contorno dos personagens, conferindo um tom fantasioso (e tecno-lógico) ao ambiente.

Mas por mais que contenha esse conceito, o resultado das imagens, entretanto, é uma fotografia um tanto mais informativa do que a discussão do filme exige. A falta de profundidade dos personagens, no diálogo com essa exuberância imagética, reduz tudo ao plano (ao raso, não ao decupado). Há um certo excesso de signos fechados, de imagens mais de comunicação do que de expressão. Como disse, não há mais ambigüidades em Jones. E nem nas imagens de Spielberg e do fotografo Janusz Kaminski.

De volta à série, ela pode ser claramente dividida em dois planos: de um lado, os dois filmes que envolvem a mitologia judaico-cristã, Caçadores e A Última Cruzada; de outro, os dois que envolvem as mitologias de outras sociedades antigas, não-ocidentais (lembremo-nos, as sociedades pré-colombianas não são de orientação do conceito de Ocidente, ou seja, aquele mundo cunhado a partir da cisão entre mundo pré-helênico e mundo grego), Templo da Perdição (1984) e este Reino da Caveira de Cristal. E a separação não é apenas entre dois tipos de visão de mundo. É também entre o investimento de Lucas em uma mitologia reconhecida como “histórica” e uma mitologia mais “fantasiosa”, mais “original”. Se a arca da aliança e o cálice de cristo são objetos efetivados como componentes de uma arqueologia possível, nem as pedras saṅkhāra nem a caveira de cristal o são – por mais que palácios antigos da Índia e o El Dorado de certa forma o sejam. E essa separação é também entre os diferentes personagens que é Jones, o que reforça justamente sua a biografia. Na seqüência temporal, Templo da Perdição se passa em 1935; Caçadores em 1936; Última Cruzada em 1939; e Reino da Caveira de Cristal, em 1957. O percurso inscrito nessa cronologia é o de um personagem que migra de uma compreensão particularista da história rumo a uma compreensão universal. Do conflito no oriente ele se redefine como descobridor das origens do mundo do ocidente. E agora deixa de lado o universal rumo a uma universalidade outra, composta por algumas oposições: uma transcendência que é negação do científico cede lugar a uma transcendência que é, em vez disso, uma cientificidade outra (alienígena); uma oposição entre o bem do homem que respeita a vida e os homens que a exterminam na diferença (os nazistas) cede lugar à oposição entre imperialismo interno americano (corporificado pelo macarthismo) e o imperialismo soviético. Este último caso, aliás, é quase uma bandeira do filme: se a ameaça anterior era física (a destruição do corpo judaico, a destruição do mundo livre, a queima de livros como objetos, o extermínio das crianças hindus) a atual é intelectual (o obscurantismo macarthista que persegue os acadêmicos, o ocultamento do conhecimento em uma cidade perdida na selva, o acesso a segredos guardados pelos governos). Aliás, esta é a grande operação da transformação em Jones no filme: é o conhecimento o grande artefato arqueológico que ele conquista. E, nesse sentido, é a conquista do conhecimento e não um poder mágico a ser usado como arma de destruição o bem disputado com os russos.

Os russos. Ei-los de volta. Não parece ser sem motivo que o filme se passe em 1957. É justamente o ano do lançamento do Sputnik I, o primeiro satélite artificial a ser lançado. Justamente pelos soviéticos. Um mês depois do satélite, ainda em 1957, seria a vez da cadela moscovita Laika se tornar o primeiro ser vivo no espaço, apenas quatro anos antes de Iuri Gagarin, russo, tornar-se o primeiro homem a sair da Terra, colocando o império soviético vários passos à frente na corrida espacial. Era um momento emblemático de supremacia tecnológica bolchevique. O ano de 1957, aliás, também é marcado pela publicação de um texto brilhante de Roland Barthes, em seu livro Mitologias: em “Marcianos”, ele afirma que naquele momento os habitantes de Marte do mito então contemporâneo eram... os soviéticos. O “planeta vermelho” de “homenzinhos verdes” não era senão o mistério por trás da “cortina de ferro”, o medo de uma sociedade mais avançada tecnologicamente. O horror global nesta época é o pavor da civilização mais civilizada. Estão colocadas as pedras no tabuleiro para Lucas, ou melhor, Jones: a nova escavação a ser feita é na mente humana, é na intelectualidade, é no pensamento. Se para ser um bom arqueólogo é preciso sair da biblioteca – como ele proclama a um jovem justamente na guarda de livros da universidade – ao fazer isso ele mesmo encontra justamente um bem não material, abstrato em sua busca. Sua saída da biblioteca o remete para... uma biblioteca. Biblioteca outra, mas biblioteca ainda assim, estruturada no conhecimento acumulado por um povo em seu diálogo com outro, visitante. E seu reencontro com o filho que não estudou o fará querer que o rapaz... estude.

A seqüência na biblioteca, aliás, é a coroação da segunda “profanação” do filme. Jones e seu filho levam a ação também para dentro da universidade, com uma perseguição de moto que invade seus corredores. Se o personagem apartara em toda sua vida suas duas vidas, a de Professor Jones e a de Indiana Jones, aqui elas são sobrepostas. Mas sem que nenhuma das duas seja ameaçada. Justamente porque empiria e pensamento estão finalmente na iminência de ser resolvidos na mente do herói. O personagem de ação de George Lucas é primordialmente cerebral. Não espanta, então, que mais do que um crânio, afinal, seja em busca de uma cabeça que está Jones. Mais do que cabeça, aliás, uma cabeça de cristal, uma cabeça cristalina.

E este é um filme também inserido em algo que parece uma certa fase intelectual da parte de George Lucas. O produtor tem se preenchido de uma curiosa regressão à metalinguagem cinematográfica, aqui com a cumplicidade de Spielberg. Se seu último longa, Guerra nas Estrelas, episódio 3: A Vingança dos Sith (2005), era uma galeria de citações ao cinema de terror mais clássico – de Nosferatu (o de 1922 e o de 2000) ao cinema de mortos-vivos de George A. Romero, passando por Frankenstein –, este aqui traz, por exemplo, na mais explícita das citações, O Selvagem (1953), com Shia LaBeouf emulando Marlon Brando. E essa regressão à metalinguagem é elemento de uma das marcas mais fortes do filme: Spielberg, Lucas e o roteirista David Koepp operam essa enciclopédia de citações como gags. Elas não são tanto inspirações simbólicas quanto são piadas, anedotas visuais de época, em geral. Piadas apenas, sem nada dentro. Como filme sobre o cerebral, o filme, entretanto, não mergulha muito no cérebro.




Citação a O Selvagem: gags visuais povoam o filme.

Um bom exemplo é a citação a Star Wars no momento crucial do culto alienígena no filme, quando Harrison Ford, o Han Solo da série galáctica do mesmo George Lucas, dispara: “I have a bad feeling about this”, fala clássica de Obi-Wan Kenobi, o mestre Jedi. Não quer dizer nada senão o fato de que Jones é Solo, ambos são o herói de ação cínico e humano, demasiadamente humano, rodeado de seres privilegiados, que Harrison Ford reinaugurou no cinema no começo dos anos 1980. Mas a mais radical das reduções à gag é a do personagem do Professor Oxley, que ocupa um papel padrão dos filmes de Jones, o do arqueólogo mais velho que havia descoberto antes o que Jones irá descobrir (o que não ocorre apenas em Templo da Perdição). Oxley, transformado em antena das mensagens alienígenas ou em velho caduco, funciona como mais um alívio cômico em um filme que já tem alívios cômicos nas tiradas de Jones, nas idiossincrasias de Mutt, e nas próprias situações do roteiro (como a do abrigo dentro da geladeira para se livrar da explosão atômica). Se a aparente insanidade ajuda a convertê-lo em enigma ambulante, o roteiro também não se aproveita dessa sua característica.

Alexandre Werneck