Apesar de já ter perambulado por várias partes do mundo,
Alejandro Jodorowsky nunca tinha vindo ao Brasil. Em novembro de 2007, o
cineasta veio ao país para acompanhar de perto o Festival Jodorowsky ocorrido
no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio, de São Paulo e de Brasília. Jodo
aqui realizou uma série de palestras sobre as suas principais atividades:
cinema, quadrinhos e tarô. Também deu workshops e participou de noites de
autógrafos. Sua agenda no Brasil estava realmente cheia de compromissos, mas eu
e Fabián Núñez conseguimos agendar um encontro com o grande artista. Fomos ao
hotel onde ele estava hospedado e fizemos esta entrevista, na qual Jodo nos
conta um pouco sobre a sua trajetória e sobre a sua arte. (EG)
Estevão Garcia: Você saiu do Chile com 23 anos e foi
à França com o objetivo de estudar pantomima com Marcel Marceau. Depois desta
experiência você desenvolveu sua carreira de diretor de teatro e cinema no
México. Como se deu essa passagem, o que te levou a viver e trabalhar no
México?
Alejandro Jodorowsky: Primeiro foi o idioma. Teria
mais facilidade em me expressar lá do que na França. Surgiu a oportunidade de
assinar um contrato para dar uma série de aulas de teatro no México, aí eu fui
para realizar essas atividades e acabei ficando. No México encontrei muitas
possibilidades para trabalhar com teatro. Eu fiz muito teatro, que foi o
instrumento para a criação do meu mundo; só depois disso comecei a fazer
cinema. Demorei um certo tempo; dirigi por volta de 100 peças e elas foram a
minha preparação para o cinema.
EG: E como foi a transição entre essas diversas
montagens e a realização de Fando e Lis?
AJ: Foi um escândalo. O teatro mexicano
estava muito primitivo, não havia teatro de vanguarda. Ionesco e Beckett eram
desconhecidos, eu fui o primeiro a montar as peças desses autores no país.
Esse tipo de teatro causava uma polêmica muito grande. Depois vieram as efemérides,
os happenings; tentaram fechar os teatros que faziam esses espetáculos,
foi uma guerra, foi tudo muito difícil. Nessa
época eu conheci um rapaz que era meio mongolóide, um idiota, ele tinha
problemas mentais. Eu o coloquei como meu assistente de direção e motorista. Ele
foi muito feliz, se divertia muito. Mas, certo dia, ele teve uma espécie de
surto, se atirou pela janela e se matou. Aconteceu que o seu pai era muito
rico, um joalheiro judeu. Disse-me que, por eu ter ajudado tanto o seu filho,
queria me retribuir produzindo uma peça de teatro minha. Eu disse que não
precisava fazer uma peça, e sim dirigir um filme. Eu acreditava que era muito
barato fazer cinema. Ele então produziu o meu filme, mas não foi tão barato
assim.
EG: Nos conte um pouco como foi a recepção de Fando
e Lis no México.
AJ: Quando fiz Fando e Lis, eu era jovem.
Naquela época, os diretores jovens tinham que pedir permissão ao sindicato dos
diretores para dirigir. Você era obrigado a entrar no sindicato. Eu não fiz
nada disso. Uma vez entrando no sindicato, eles lhe colocavam cem técnicos para
trabalhar no seu filme. Cem! O diretor sindicalizado então tinha que pagá-los.
Eu como não tinha dinheiro, peguei um fotógrafo, e pronto. Eu fiz o filme sem
nenhuma permissão, totalmente fora da legislação cinematográfica mexicana.
Quando finalizei o filme, o organizador do Festival de cinema de Acapulco o
assistiu, gostou muito e o selecionou. E a sua exibição foi um estrondo!
Quiseram me linchar... Quiseram me matar... Foi um escândalo tão grande que
nunca mais teve outra edição desse festival.
EG: Há a famosa história de que o Emílio “Índio”
Fernández estava na platéia e furioso sacou de sua cintura um revolver para
matá-lo.
AJ: Sim, é verdade. Mais tarde, eu o vi no coquetel e
perguntei ao garçom que uísque ele gostava. Pedi para o garçom lhe servir duas
garrafas por minha conta. Emílio Fernández tomou uma, e na segunda garrafa já
me chamou à mesa, e logo virou meu amigo. E, totalmente embriagado, declarou à
imprensa que queria ser assistente de direção do meu próximo filme (risos). E
acabou sendo! Porque, em Santa Sangre, ele já havia morrido, mas a sua
filha me alugou a sua casa. Filmei na mansão de Emílio Fernández. Então, de uma
certa maneira, ele foi meu assistente de direção, né? Então, para poder escapar
dos sindicatos, dos sindicatos de cinema, havia um sindicato de
curta-metragistas. Me sugeriram dividir o filme em quatro partes e alegar que
eram quatro curtas-metragens. E assim, me salvei, porque o meu filme é dividido
em capítulos. Cada capítulo tem um título diferente. Todos os meus filmes dessa
época são assim. Era um truque para não pagar os sindicatos.
EG: O México é um país que apresenta uma forte
tradição surrealista. Entre os surrealistas que viveram ou passaram pelo México
estão Antonin Artaud, André Breton, Wolfgang Paalen, Alice Rahon, Eva Sulzer,
Benjamin Péret, Leonora Carrigton, Esteban Frances, Gordon Onslow Ford, Edward
James, Luís Buñuel. Breton teria dito aquela célebre frase: “o México é o lugar
surrealista por excelência”. Como foi para você, travar contato com essa
tradição?
AJ: A pintora Leonora Carrighton foi uma grande amiga
minha. Com ela, fiz uma peça de teatro chamada Penélope. Com ela conheci
e pratiquei tarô. Fui muito amigo dela, por isso voltei ao país. Porque eu fui
primeiro ao México e de lá retornei à França, e depois voltei, por causa da
minha amizade com Leonora.
Eu conto isso em um dos meus livros, em Maestro de la magia.
Nele, eu descrevo como a conheci e tudo. Então, havia uma tradição surrealista lá,
e a contatei imediatamente.
EG: E você teve contato com Buñuel?
AJ: Claro, estive em seu aniversário de oitenta anos.
Eu estive lá. Sim, o conheci. Ele gostava dos meus filmes e eu gostava dos
filmes dele (risos). Eu o admirava muito. No começo eu tinha muito ciúme, muita
inveja de Buñuel. Para mim, Buñuel era o maior. Ele estava fazendo um cinema
fantástico e eu ainda nem tinha começado a filmar. Certa vez, em uma de suas
conferências, estavam na platéia todos os jovens diretores. Eles o adoravam, o
seguiam. Nessa ocasião eu me sentei bem do lado dele. Buñuel tinha um bolso em
forma de sexo feminino. Era surdo. Eu fiquei lá e enquanto ele falava, eu
enfiava os dedos no bolso, e comecei a violar o bolso dele... Todos os outros
ficaram verdes; era algo do tipo “como ele pode fazer isso com o nosso ídolo?”.
E, então, eu disse a mim mesmo: eu vou fazer cinema do meu jeito. E fiz Fando
e Lis. Buñuel era um diretor muito consagrado, muito apreciado. Era um
cinema incrível, muito honesto. O surrealismo de Buñuel é honesto. Eu o admirei
de verdade. Mas nunca imitei ninguém em meu cinema. Decidi que se eu não posso
ser o melhor, posso ao menos ser diferente. Fiz um cinema meu, que é diferente,
a partir do cinema dele.
EG: Quais são os outros diretores que você admirava
nessa época?
Tod Browning, de Freaks.
Eric von Stroheim. Eram os dois que mais admirei, Tod
Browning e Eric von Stronheim. Os outros eram Fellini,
Buñuel, Pasolini... De Pasolini, gostei muito
de Teorema. Também gostava muito do cinema
de Hong Kong. O bem do inicio. Os filmes chineses, que
chegavam, que não se entendia nada, pois não
eram traduzidos. Eram como um sonho, era algo só
formado por imagens. Todos os personagens voavam pelo
ar... Eu via muito cinema fantástico chinês
nessa época. É o que eu me lembro. Mas,
não posso dizer que os peguei como mestres. Eu
gostava, e só. Eu gosto muito de me entreter.
Todo dia vejo um filme porque me diverte. Mas eles não
me marcam.
EG: Se poderia dizer
que nessa época os seus mestres estavam mais
no teatro do que no cinema?
AJ: Do teatro, era
Antonin Artaud, sem dúvida. Era o que mais me
marcava. Não como teatro, mas como teoria. Seu
livro O Teatro e Seu Duplo era como uma bíblia
para mim. Eu gostava. Agora, já não acredito
mais nisso. Naquela época, eu acreditei.
EG: No Teatro
da Crueldade.
AJ: Sim, no Teatro
da Crueldade. Agora não acredito mais na
crueldade.
EG: Em El Topo
e A Montanha Sagrada ele é bem presente.
AJ: Sim, é
verdade. O Teatro da Crueldade, tudo isso está
lá... Sim. Já em Fando e Lis comecei
com a alquimia. A influência da alquimia era mais
forte do que a do cinema. A influência da alquimia
era predominante. Já em El Topo me influenciou
o budismo, o budismo zen. E o hinduísmo, o sufismo,
o taoísmo. Cada mestre do deserto era uma influência
de uma filosofia oriental. Isso me influenciou mais
do que o cinema. Já em A Montanha Sagrada
me influenciou uma biblioteca inteira! Mas sempre segui
o meu caminho de maneira independente. Nunca pertenci
a nenhum grupo religioso ou político. Sempre
afirmei que não acreditava na revolução
política, mas sim na re-evolução
poética. Havia dois caminhos, a gente escolhia
o caminho político ou o caminho poético.
Eu constatei que o caminho político se amarra
muito à sua época. Com os anos, as obras
políticas envelhecem, perdem o seu valor artístico,
se convertem em documentos de época. Tornam-se
antigas. Quero fazer filmes que não percam validade.
Não me prendi a nenhuma moda, política
ou época.
Fábian Núñez: Bom,
já que você falou da questão política,
geralmente, sua obra é difícil de ser
situada no cinema latino-americano, uma vez que, geralmente,
se associa o cinema latino-americano a um cinema político.
AJ: Olha, vou lhe
dizer. Eu sou muito contestador. Eu estou muito adiantado
à minha época. Então, eu evolui.
Quando eu cheguei era o realismo mágico de Márquez,
Vargas Llosa. E todo o boom literário
latino-americano. E logo virou folclore! E logo veio
a pátria! Eu não pertenço a nenhum
lugar. Nasci no Chile, mas eu não atuo como chileno.
Nem como judeu. Nem como russo. Nem como mexicano. Nem
como francês. Sou um terrestre. E às vezes
ainda me sinto um extraterrestre, porque isso é
difícil, não? Eu não quero saber
nada de política. Porque me parece que a política
é uma máscara do econômico. A política
é uma máscara. A democracia é a
máscara da ditadura. Porque tudo é dinheiro.
Não me meto nisso. Então, os meus amigos
me diziam “pronuncie-se” em relação
ao comunismo. “Pronuncie-se”. Glauber Rocha
também era político, eu o conheci. “Pronuncie-se”,
porque senão você não triunfa, não
vão te aceitar nunca. Mas, eu digo “não
me pronuncio”, eu não tenho por quê.
Não me importa Fidel Castro. Nem contra, nem
pró. Não me importa Allende. Nem contra,
nem pró. Não me meto! Eu estou na poesia.
Em um mundo estético, mas não superficial.
Em um mundo de alma, que é intemporal e sem definições
políticas, nem de raça, nem de nacionalidade
e nem de folclore. Odeio o folclore! Simplesmente, digo
“não faço folclore”. A tradição
é um veneno. E o folclore é outro veneno.
Se eu quero expandir o meu cérebro, eu não
me meto em folclore. Sei que o carnaval do Rio é
fantástico. É folclore, mas ele é
feito pelo povo, pelas pessoas. Um artista, não...
Eu não me vejo com plumas, com o rabo no ar,
dançando samba... Eu não me vejo assim!
E nem dançando cueca e nem de charro,
com pistolas. Não me vejo! E, bom, eu sempre
digo que se você quer fazer política tem
que ser político. Che Guevara, por exemplo,
ele é político. Mas a arte somente política
vai atrair a quem? Vão te ver os que crêem
na política que você defende. E, para os
que não crêem, não lhes servirá
de nada essa arte. Eu estou convencendo a convencidos.
Para quê? Inútil. Eu adorei Pablo Neruda
quando ele fez Residencias de la tierra, toda
aquela poesia, a poesia surrealista, a poesia verdadeira.
Mas, quando começou com “eu me chamo Juan,
eu sou o povo...” São prédicas comunistas,
é de péssima poesia. Talvez, ele tenha
razão em suas idéias. Claro que ele tinha
razão, que as pessoas têm fome, que as
pessoas sofrem. Em tudo isso, ele tem razão.
Mas a maneira de lutar contra isso não é
através da arte. Se luta de outra forma.
EG: Você falou
de Glauber Rocha. Quando você o conheceu?
AJ: Bom, o que aconteceu
é que Glauber Rocha exibiu Antônio das
Mortes ao mesmo tempo em que exibi El Topo
nos Estados Unidos. Lá El Topo foi recebido
com um êxito muito louco. Não sei por que,
mas se converteu em um cult. Mas como Glauber
Rocha era tão político, o sistema americano
caiu em cima. O apagaram. Não podia. Não
era certo. Não era justo, porque eu tinha visto
Terra em Transe e tinha adorado. Vendo esse filme
percebi que Glauber era um verdadeiro poeta.
EG: Deus e o
Diabo na Terra do Sol,
você viu?
AJ: É que
tinha outro título. Se chamava Antônio
das Mortes.
FN: Não,
o outro título de Antônio das Mortes
é O Dragão da Maldade Contra o Santo
Guerreiro.
AJ: Não,
só vi esses dois. Então, ele me conhecia.
Éramos cineastas e em várias ocasiões
nos falamos. Mas depois não pude falar com ele,
porque estava completamente em outra dimensão.
O seu cérebro já... Não quero dizer
o que era, mas já não era uma pessoa normal,
não estava normal. Parecia que não havia
jeito. Estava em seu mundo, não se podia mais
estabelecer nenhuma conversa com ele. Eu lamentei muito,
porque assim parecia que ele ia morrer. Diga-me uma
coisa. Eu não sei nada da vida do Glauber. Eu
o vi muito drogado. Estou errado ou não? Ele
estava muito drogado. Estava já à beira
do coma, não? Me assustei, de tão drogado
que estava.
EG: E quando foi
isso? Você se lembra?
AJ: Ah, isso eu
não me lembro. A última vez que o encontrei
foi no México. Ele já estava mal. Não
pude, simplesmente não pude, ter uma conversa
como tive antes, e pensei que ele ia morrer. Ele estava
se autodestruindo de alguma forma. Agora, não
sei o que aconteceu. Suponho que tenha morrido disso,
não? Não sei o que foi. Imagino que tenha
sido o desespero de lutar contra um sistema. O desespero.
Mas como você vai aceitar um sistema que você
ataca? É absurdo. Você destrói o
sistema e quer que o sistema te aceite. A única
maneira é ignorar o sistema. Ainda que o sistema
te ignore, ele não te destrói. Porque
se você o ataca, o sistema te arrebenta. Isso
é uma opinião muito superficial. Talvez,
eu esteja errado. Talvez eu erre, não sou crítico
de cinema, não posso estar falando... No entanto,
a mistura de literatura que fazia Rocha, a mistura de
literatura com ficção, fora do estilo
norte-americano, a poesia, as idéias, tudo isso,
era um grande cinema. Para mim, era digno de se admirar.
Verdadeiramente. Mas, não me influencio por ninguém.
Só gostei, nada mais.
EG: No artigo que
eu escrevi para o catálogo da mostra, faço
uma relação entre A Montanha Sagrada
e um filme muito pouco visto de Glauber, Cabeças
Cortadas...
AJ: Sim, eu li o
texto, mas infelizmente ainda não vi esse filme.
EG: Há uma
relação muito forte entre esses dois filmes,
pois, nessa época, a partir de Cabeças
Cortadas, Glauber concebe de uma outra forma a política
e o que seria uma arte política revolucionária.
A sua visão sobre o cinema político, que
ao longo dos anos 60 era afinada à dos cinemas
novos latino-americanos, no inicio dos 70 se transformou.
Essa transformação aparece nitidamente
em Cabeças Cortadas e no manifesto A
Eztetyka do Sonho. Nesse filme
há uma força mística e sagrada.
Um anseio de perceber o cinema como uma escritura sagrada,
que é muito similar à sua obra.
AJ: Claro. Sim,
sim. Eu não vi o filme. Espero que me dêem
o filme em DVD para vê-lo. Não o vi. Tenho
que vê-lo.
EG: Como você,
que fala em uma arte para sanar, em uma arte para curar,
creio que Glauber sempre teve uma visão de cinema
como algo salvacionista. Um cinema para salvar. Creio
que há aí uma outra semelhança.
AJ: Creio que sim.
Gosto muito de Glauber Rocha. Mas não que tenha
me influenciado, porque eu não sou influenciável.
Glauber Rocha era ele. E eu sou eu. Mas creio que pode
ter ocorrido uma coincidência, fruto de um mesmo
anseio, de uma mesma vontade.
EG: Creio que talvez
uma coincidência de contexto.
AJ: É possível,
sim. Mas eu creio que a própria política
o tenha feito sofrer muito, certo? Por ter seguido o
caminho político. E isso é muito decepcionante.
Vê o que aconteceu com os comunistas quando caiu
a Rússia, por exemplo. Uma catástrofe,
não? E logo as pessoas crêem na democracia.
Se converteu em ditadura. É muito decepcionante.
E todos os que apoiaram Fidel Castro, não? E
ele deu volta à força. A revolução...
Creio que as revoluções acabam por decepcionar,
por fracassar. O que temos que defender é a mutação
do ser humano. Não a revolução
política, mas sim a mutação espiritual,
e, por que não, física. Por que não?
Às futuras gerações. Só
a mutação vai salvar a humanidade, nenhuma
política a salvará.
FN: E sobre os outros
cineastas dessa geração, quais você
conheceu?
AJ: Brasileiros?
Não conheci.
FN: Raul Ruiz, Aldo
Francia...
AJ: O último
filme que, realmente... Porque os filmes me entretêm,
muito me diverte o cinema feito pelos negros dos Estados
Unidos, atualmente. Coréia do Sul, claro, eu
gosto muito. Creio que na Coréia do Sul está
o máximo da técnica. Há coisas.
Ou de Takashi Miike, alguns detalhes. Não tudo,
porque é uma merda, mas há cenas geniais.
E isso basta. Ou Taxidermia, esse foi um filme
que me interessou. É o último que me interessou.
Creio que é húngaro. Não sei como
puderam fazer esse filme... Há um cineasta na
Espanha que é bom, eu gosto dele; não
é meu mundo, é meio estranho, ele se chama
Menem. Não sei se vocês viram, mas fez
dois ou três filmes que para mim são muito
interessantes. Mas, para mim, te digo; estou em outro
mundo, ele fez um filme estranho, mas é outro
mundo. Eu gosto muito de Menem.
EG: Conte-nos um
pouco de como foi a realização de A
Montanha Sagrada.
AJ: É uma
história longa…Vou te contar como consegui
o dinheiro. Tive um milhão de dólares.
EG: De Allen Klein,
não?
AJ: Claro, através
de John Lennon. Então, eu podia fazer o que eu
queria. Também com Santa Sangre pude fazer
o que eu queria. Porque é muito difícil
fazer o que se quer, por conta dos produtores e, em
seguida, os atores... É que eu não agüento
os atores! No meu próximo filme, eu vou dizer
“nesse filme não se emprega nem atores
e nem animais”.
Nem atores famosos e nem
animais. Hoje em dia, para se fazer qualquer filme tem
que ter um ator famoso, não? Só assim
você pode fazer. Se você não tem
um ator famoso, fica impossível. O problema do
cinema é os atores famosos. Em La Montaña
Sagrada não tinha atores. Uma puta era uma
puta. Um nazista era um nazista. Um milionário
era um milionário. Assim o fiz. Eles interpretavam
eles mesmos. Não precisava de ator. Então,
nessa época, eu queria fazer uma experiência.
Eu dizia: “por que o cinema não pode ser
tão importante quanto um sutra, um evangelho,
um texto sagrado? Por que não faço o cinema
como um milagre?” Até contratei um guru,
e tudo. Fiz experiências... Peguei gente de um
bar dos Estados Unidos... Cheguei a alugar uma casa.
Dormindo apenas quatro horas por dia, das doze da noite
às quatro da manhã. Na alimentação,
proteína não tinha (risos). E ainda realizei
um curso, estudando como poderia me iluminar e tudo
isso. Com um guru. Então, comecei essa experiência.
E, ao mesmo tempo, foi uma experiência plástica,
de imagens, com símbolos. Realizei um trabalho
para essa gente, para iluminá-los. Mas, compreendi
que eles queriam apenas atuar, me entende? Eles fizeram
uma corrente para trabalharem como atores do filme.
E o drama aconteceu quando estávamos numa ilha
e nos disseram que ia aparecer a polícia. E eu
mandei jogar ao mar toda a droga. Os quilos de droga
que haviam trazido sabe-se lá de onde. E logo
ficaram sem nada na ilha. E, aí, foi terrível!
Já desejavam a minha morte. Foi terrível.
Brigavam porque não tinha um bom café
da manhã, e sei lá... Porque não
se iluminaram (risos). Não se iluminaram... E,
assim, decidi terminar o filme, dizendo “Isso
é Maya. Isso não é verdade.
É tudo ilusão”. Mas, o maior problema
não foi esse. Porque um dos sócios fugiu
com o dinheiro. Ele fugiu para Israel com trezentos
mil dólares. E, por isso, fiquei parado. E eu
tinha um ajudante. Se você vê o filme, você
vê “produtor associado Robert Tascher”.
Era um rapaz americano que chegou a mim e cuidava das
cocas-colas, dos limões, e me disse: “precisa
de um assistente?, eu posso me ocupar de tudo”.
E quando fugiu o sócio, todo mundo ficou lá.
E me perguntaram “o que você vai fazer?”.
Eu creio em milagres. Alguém vai me trazer sessenta
mil dólares, em bolsas, enrolados em papel de
jornal, e vamos terminar o filme. Porque Buda quando
quis ter um discípulo, na China, se pôs
a meditar contra uma muralha. Esperou que o discípulo
chegasse, não o buscou. E o discípulo
chegou, e assim se transmitiu o zen, não? Alguém
vai chegar com os sessenta mil dólares, envolvidos
em papel de jornal. Aí está o milagre!
(risos) E o rapaz disse “eu vou embora”.
E voltou aos Estados Unidos. E estavam todos loucos:
os travestis, as putas e tudo isso. Estavam loucos.
Eu dizia: “Esperem! Esperem!”. E, ao cabo
de três semanas, voltou Tascher, com os sessenta
mil dólares, envolvidos em um papel de jornal.
FN: E como ele conseguiu
o dinheiro?
AJ: Ele era filho
do maior fabricante de sapatos dos Estados Unidos. Hiper-hiper
milionário! Eu não sabia que ele era um
milionário. Ele me deu os sessenta mil e assim
terminei o filme. Foi como um milagre.
FN: - Em A Montanha
Sagrada há uma seqüência em que
você, o Alquimista, ensina tarô ao discípulo,
o Cristo ladrão. Mas as imagens que aparecem
girando não são as do tarô. Que
imagens são essas?
AJ: Eu inventei
essas imagens, eu fiz essas cartas. Naquela época,
eu estava começando a estudar tarô, e acreditei
que cada pessoa tinha que inventar um tarô. Agora
estou convencido que o tarô é perfeito,
não tem nada que acrescentar. Mas, nessa época,
eu quis inventar um tarô. Assim, se você
detém imagem por imagem dessa seqüência
em especial, se alguém fizer isso algum dia,
verá que todas essas cartas dizem alguma coisa.
Um dia, eu gostaria de explicar...
FN: Bem no começo
do filme aparece um anão com uma carta pendurada
nas costas.
AJ: Sim, sim. É
o desenho de uma mão. O anão não
tem mão. Isso é uma gravura religiosa
mexicana, onde cada dedo tem um santo. Cada dedo corresponde
a um santo. O anão leva essa carta nas costas.
Um santo mexicano. E ele não tem dedo. Como é
isso? É para pensar... Então, para mim,
o personagem do anão é como o ego do herói.
Para mim, o Ladrão e o Alquimista são
a mesma pessoa, eu os dublei com a mesma voz. São
a mesma pessoa. O Alquimista e o Ladrão são
um só. Falo de algo que fiz há anos! E
ainda continuo falando disso depois de tantos anos!
(rindo)
FN: Mas, e a sua
arte hoje?
AJ: Eu tive um filho
de vinte e quatro anos que morreu. Eu fiquei em choque
durante dois anos, com depressão. E comecei a
me perguntar: “para que serve a arte?” Tudo
perdeu valor. Até que, ao cabo desses anos, vim
à tona, e passei a pensar que a única
arte que me interessa, a partir de agora, é uma
arte que sirva para curar, para sanar. Já fiz
arte para falar de meus problemas, de tudo isso. Agora,
a humanidade está doente, não? A arte
deve servir para curar o ser humano. O que é
curar o ser humano? É levá-lo à
felicidade. Solucionar os seus problemas psicológicos.
Então, converti em terapia, converti a arte em
terapia, como a psicomagia e coisas assim. Fui procurar
uns curandeiros mexicanos, chilenos. A relação
com as pessoas. Tarô. Abri uma outra via, não?
E continuo fazendo teatro, agora fiz muitas peças
de teatro, fiz HQs, escrevo. Continuo fazendo arte.
Poesia. Mas, ao mesmo tempo, tenho uma grande atividade
terapêutica. O filme que eu quero fazer agora
se chama Psicomagia. Eu vou pagá-lo do
meu bolso. Lentamente, eu fui superando esse dilema
de poder perder dinheiro. Eu quero fazer um filme não
para ganhar dinheiro, mas sim para perder dinheiro.
É a minha nova revolução.
Entrevista realizada
Estevão Garcia e Fabián Núñez no dia 28 de novembro de 2007 no hotel Othon Rio
Palace. (Traduzido do espanhol por Estevão Garcia e Fabián Núñez.)
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