APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO 90

Na última Mostra de São Paulo tivemos a chance de assistir ao díptico One Plus One / Sympathy for the Devil na tela grande, o primeiro em péssima cópia digital e o segundo em película estalando de nova, e já no mês seguinte ambos os filmes nos chegam em DVD (em boas e iguais condições, diga-se). Um Godard bastante "legível", mesmo que a um passo do Grupo Dziga Vertov, e certamente um de seus melhores. As proximidades com O Desprezo, seu outro "filme de encomenda", não são poucas, sobretudo no que ambos tem de filmes sobre o ato de encenar - e nesse mesmo tocante, fica muito difícil imaginar I'm Not There hoje sem pensar que há algo ali em sua livre criação visual ecoada de um fortíssimo imaginário sugerido pela arte de um músico pop que Godard já estava anunciando quarenta anos atrás (procurem pela pequena reportagem feita com Anne Wiazemsky andando por um bosque em One Plus One / Sympathy for the Devil e tentem não se lembrar do passeio pelas árvores de Dylan/Cate Blanchett e Coco Rivington).

A seguir, duas retomadas a projetos anteriores da seção: primeiro, a segunda parte da cobertura da Coleção Herbert Richers, complemento do especial que fizemos aqui no DVD/VHS dez edições atrás, quando ainda apenas se iniciavam os lançamentos do acervo da extinta produtora. Com mais de vinte títulos disponíveis a essa altura do campeonato, é uma coleção imprescindível para qualquer estudo (e degustação, sobretudo) do cinema brasileiro de gênero dos anos 50 - e deles, destacamos aqui filmes dos três diretores mais atuantes na produtora de Richers: J.B. Tanko, Victor Lima e Aurélio Teixeira. Do outro lado da cadeia temos Vidas em Fuga, filme esquecido de um diretor bastante lançado no país, mas que só agora é disponibilizado em home vídeo. Um texto para ser lido com nosso dossiê Sidney Lumet na cabeceira, e com a ansiedade da espera por seu último trabalho, Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto, com estréia marcada para o começo desse ano.

O evento de lançamento de um filme de Kiyoshi Kurosawa no Brasil foi uma das boas surpresas dos últimos meses, mas nenhuma surpresa houve no fato de que a coisa se deu quase confidencialmente (será preciso bastante garimpo nas prateleiras de sua locadora para encontrá-lo, mas, acredite, valerá a pena). E se Vítima de uma Alucinação confirma o grande talento que já se anunciara antes na carreira do cineasta japonês, O Caminho dos Ingleses, filme encantadoramente equivocado de Antonio Banderas, nos aponta inquietações que até então não suspeitávamos existir no Zorro (ou no Puss'n'Boots), e que nos fazem bastante interessados em seus futuros passos na direção.

Por fim, a recuperação de um grande filme que passou batido pela Contracampo quando de seu lançamento nos cinemas brasileiros, mas que agora recebe a atenção que merece: Caminho Sem Volta, segundo longa-metragem de James Gray, que acaba de nos embasbacar com Os Donos da Noite. Os sinais do grande cineasta que se revelou com o filme de 2007 já estavam todos espalhados no filme de 2000. Vejam/revejam o filme, e redescubram-no junto conosco.

Boa leitura, e divirtam-se.

Rodrigo de Oliveira