CHEGA DE SAUDADE
Laís Bodanzky, Brasil, 2008

No cinema brasileiro da escola da preparação de elenco, os diretores volta e meia se limitam a constatar uma verdade do ator/personagem. O trabalho de câmera dificilmente ousa ultrapassar essa linha, rechaçando qualquer camada extra de estilo ou de sentido e renunciando a problematizar a forma para apenas acompanhar a respiração do ator, ou registrar passivamente a força do momento, ou deixar-se levar pelo estado de espírito do personagem. Isso dá a virtude e a fragilidade de alguns filmes (no próprio Tropa de Elite, a câmera urgente/irracional funciona bem nas cenas de adrenalina, mas quando o filme precisa mostrar uma briga de casal ou uma discussão em sala de aula, a coisa fica meio caricata).

No cinema brasileiro que faz grande sucesso de bilheteria, o tema (Cidade de Deus, Carandiru), o personagem (Dois Filhos de Francisco, Cazuza) ou o star-system “global” (Se Eu Fosse Você) predispõem o espírito do espectador. E – não apenas por essas razões, mas partindo delas – os filmes fazem sucesso, são populares.

Propagandeado em Brasília como um fenômeno de público em potencial, Chega de Saudade entrou em cartaz se afastando das duas tendências acima descritas. Não é um filme de preparação de elenco, não investe na entrega individual de cada ator nem numa arte do presente bruto captado à flor da pele. Também não é um filme que atraia o grande público pelo tema (baile de terceira idade), pelo personagem (há uma constelação de personagens, nenhum deles particularmente sedutor) ou pelo star-system “global” (o elenco é basicamente composto por atores veteranos fora de moda e dois atores jovens que não chegaram a emplacar um estrelato na TV). Ao que parece, então, para ter um perfil de filme popular – e aí entra uma discussão sem fim sobre o que é ou não popular – Chega de Saudade precisa de algo que não está dado de antemão. Mas o que o filme oferece, de fato?

Das dezenas de personagens, o único que contém alguma densidade é o DJ (Paulo Vilhena). Isso diz bastante sobre Chega de Saudade, pois o DJ é o personagem tomado pelo desconforto, pelo ciúme, pela vontade de ver aquele baile acabar logo. Foi só essa parcela que o filme conseguiu passar de forma convincente. O resto ficou encoberto por um roteiro cheio de subterfúgios (a cena em que falta luz no salão nos põe a imaginar a equipe pensando: “o que fazer com este filme agora?”). O filme é uma espécie de remake de O Baile (Ettore Scola) onde a sucessão de épocas se troca pela sucessão de personagens que, em si, encarnam as mudanças provocadas pelo tempo. Não é um ponto de partida ruim, mas os resultados decepcionam. Ainda mais porque Laís Bodanzky tinha um filme admirável no currículo, Bicho de sete cabeças. 

É claro que Chega de Saudade se cerca de uma série de atrativos: trilha sonora, participações especiais, Walter Carvalho. Mas nada supre o vazio plantado no coração do filme. Alguns desses elementos até atrapalham, a exemplo da fotografia de Carvalho, confundida com “garantia de bom filme” e, aqui, entregue a jogos de foco/fora-de-foco (que substituem o campo/contracampo tradicional) e contrastes que menos singularizam do que empobrecem a dramaturgia. Ele importa de trabalhos anteriores uma liberdade de composição e uma possibilidade de resolver os impasses sentimentais através de planos soltos, “não decupados”, às vezes alongados, que parece em defasagem total com o que se espera das situações dramáticas de Chega de Saudade. A câmera desliza pelo salão registrando fragmentos que não chegam a compor uma ambiência, uma cena, quiçá um personagem. Fica uma carne desfiada do real sem muita consistência. Há uma cesura entre os personagens e suas histórias, suas emoções. A transmissão entre eles e a dramaturgia está falha, arquejante. Nos flash-backs, uma imagem cinza, grisalha, lavada, interdita de vez a vida naquele baile.       

Luiz Carlos Oliveira Jr.