fando y lis, o happening da libertação

Chocante, imoral, sublime, apocalíptico, caótico, enervante, provocador. Tudo isso é Fando y Lis, o filme-parábola do jovem Alexandre Jodorowsy.

Seu filme causou verdadeiro escândalo no México, onde chegou a ser proibido. O filme –
um happening da procura pela liberdade, do amor, da verdade – poderá ser exibido, em breve, no Brasil.


Em uma de suas fábulas publicadas em El Heraldo Cultural, do México, Alexandro dizia a Alexandro:

– Que complicado é o mundo. Não alcanço nada. Não encontro. Quero ser!

E contestava:

– És o que és e não o que queres ser. Tudo o que buscas já o trazes dentro de ti.

Fando y Lis, de Alexandro Jodorowsky é, em última análise, a ressonância dessa fábula. Fando e Lis são dois jovens à procura de uma cidade misteriosa chamada Taar, símbolo da felicidade, da vida,da liberdade, do amor. Fando guia um carrinho de rodas levando sobre ele uma jovem paralítica. Os dois caminham incansavelmente através de uma paisagem de pedras e ruínas. Ansiosos procuram por toda parte Taar. Mas, sempre, se descobrirão no mesmo ponto de partida. Nessa caminhada angustiante vão tropeçando em todo o tipo de aberrações e monstros. As imagens-símbolo se sucedem em um verdadeiro ritual happening, revelando todo um mundo de intolerância, de frustrações, de impotências, de solidão.

Uma jovem se alimenta de rosas. Homens e mulheres se abraçam desesperadamente mergulhados num lago de lodo como personagens do Inferno de Dante. A imagem da mãe castradora é entrecortada pelas recordações-fantasmas da infância. Corações são transformados em pássaros. Homossexuais cruzam o caminho num cortejo de loucura e de aberrações. Fando termina matando sua própria mãe depois de arrancar-lhe a maquilagem que lhe cobria o rosto como uma máscara.

– Obrigado, meu filho, repetirá sua mãe, em lágrimas.

Entre as rochas de um deserto ,encontram-se com um sacerdote fetichista. Eles procuram se informar sobre Taar:

– É este o caminho de Taar?

– Se crês que seja este, é este, responde o sacerdote a Fando.

Mas, tudo inútil. Taar não existe.

– Para meus personagens essa viagem a Taar é apenas um jogo – explica Jodorowsky, uma experiência vivida que não sabem a que os levará, nem sequer sabem qual seja o caminho.

Fando y Lis é o seu primeiro encontro com o cinema. Com larga experiência teatral, Alexandro Jodorowsky, chileno de nascimento, chegou ao México em 1960 como ajudante do mímico francês Marcel Marceau. Na França fundara com Fernando Arrabal – autor de Fando y Lis, Cemitério de Automóveis, etc. – espanhol radicado em Paris, um grupo experimental de teatro. Jodorowsky chegou a encenar por duas vezes a peça Fando y Lis, sendo que na segunda vez teve como intérpretes aqueles que escolheria para a versão cinematográfica.

Tendo passado um ano a estudar o cinema mexicano, segundo afirma Manuel Jiménez, do Instituto de Cinematografia da Universidade Nacional, em Santa Fé, Jodorowsky se lançou  “nessa tardia tentativa vanguardista, conseguindo criar, apesar de tudo, um clima petiço de ternura e solidão”.

No último Festival de Acapulco, o filme de estréia de Alexandro Jodorowsky causou profunda polêmica junto à opinião pública mexicana, chegando alguns mais extremados a pedir a expulsão do diretor que “ousara” apresentar uma obra “tão obscena e imoral”. O filme acabou sendo interditado no México. Atualmente, ele está nas prateleiras do INC à espera de um comprador para a sua distribuição no Brasil.

Escatologia e Libertação

– O meu filme é escatológico – declara Jodorowsky. – Ele se volta para o fim do mundo;  supõe que uma guerra mundial tenha acabado com o ser humano. Daqui partem meus personagens (Fando e Lis) em busca de Taar, que pode simbolizar a redenção, a luz, o amor. Mas o mundo a destruiu. Só restam sinais decadentes de uma sociedade que falsificou todos os valores e conceitos. Há muita gente, que busca a si mesmo para renascer.

– Creio que seja uma simbologia aberta. A arte não deve ser teoria, deve dar ao espectador a oportunidade de escolher a sua própria imagem do mundo. Fando y Lis é um espelho onde cada espectador verá refletido seus problemas interiores.

Fando seria a alma de Lis. Ela o arrasta para o sofrimento, para a paixão. Com a morte, ele se libertará de tudo isso. E Lis seria a alma de Fando, que procura destruí-la durante toda a caminhada. Mas ao final, ele descobrirá que não pode viver sem ela.

– O primeiro passo a dar, é eliminar a falsa imagem que se tem de si mesmo para se aceitar como é, para se encontrar em sua totalidade: é livrar-se da máscara.

Lis poderia ser simplesmente a alma ou o outro ego de Fando. Fando se vê obrigado a arrastar esse ego, encarnado em uma paralítica, como uma cruz. Para encontrar-se consigo mesmo deve destruir a imagem de Lis integrando-a em sua totalidade. Eis Taar, a terra prometida.

Taar, segundo Jodorowsky, existe no fundo de cada um de nós.

Seus personagens vivem obcecados pela presença da morte. Ao som do tambor e do órgão, Lis caminha para a morte:

– Que lindo é um funeral! Mas, quando eu morrer, ninguém se recordará de mim.

– Sim Lis, eu virei te visitar com uma flor e um cachorro.

– Uma flor e um cachorro!

Em meio ao deserto é enterrada a jovem Lis. Sobre sua tumba estão uma flor e um cachorro. A solidão.

– É Impossível chegar a Taar. Ninguém jamais chegou lá.

E então, o absurdo?

Não. Taar está dentro de cada um de nós.

Ao final, a libertação. A morte.

Com ela, renascemos.

Na tela, ao som de uma música medieval, a legenda:

– E quando sua imagem se apagou do espelho, apareceu no vidro a palavra liberdade...

Ninguém jamais chegou lá. Ninguém.


José Wolf

Do Departamento de Pesquisa do “Jornal do Brasil”. Membro do Conselho do Estado da Guanabara.

(publicado originalmente em Separata da Revista Vozes, ano 63, nº 6, junho de 1969)