Muitos cavaleiros solitários
vaguearam pelas planícies quentes desde a época de
Shane, purificando os vícios e culpas de um grupo inquieto
de habitantes e desaparecendo novamente no deserto,
deixando uma pilha de corpos para os sobreviventes
se desembaraçarem. A permanência do poder do faroeste
passou a depender desta metáfora de olhos vazios, como
um inquestionável moralista cuja força argumentativa
reside não na retórica, mas na inteiramente dúbia superioridade
moral da bala bem-mirada. Ele ganha muitas batalhas
para que a audiência arrisque não ficar do seu lado,
e, embora ele tenha se tornado um pouco mais vulnerável
na última década, sua potência como um guerreiro da
liberdade não diminuiu. Billy the Kid continua vivo.
Então, quando vemos Alexandro Jodorowsky cavalgando
determinadamente pelas dunas, vestido em couro negro,
não temos dúvidas sobre a história que El Topo irá nos
contar: covardia, corrupção, capitalismo e complacência,
girando como asas de moinho, estão a postos para outro
ataque violento.
A figura esquelética de Jodorowsky não carrega uma lança, mas um guarda-chuva,
enquanto o diminuto Sancho Pança atrás dele é um pequeno de sete anos agarrado
a um ursinho de pelúcia e a uma fotografia emoldurada de sua mãe. É chegada a
hora, dizem ao menino, de coisas como brinquedos e mães serem colocadas de lado – de
forma um quê inepta na areia, como acaba acontecendo – e dele tornar-se um homem.
O pai toca uma flauta para o enterro e eles cavalgam embora para encontrar o
mundo, o guarda-chuva ainda planando como um morcego acima deles. A fascinação
peculiar de El Topo é definida pelos deslocamentos desta cena de abertura:
a fotografia brilhante e a simplicidade da ação são contrabalançadas pelo senso
de ritual, no qual cada movimento e cada objeto carrega uma história de significados.
Ao mesmo tempo, a performance tem um subcorrente de absurdidade, como se cada
significado, uma vez analisado, provasse conter sua própria contradição. Nenhuma
criança pode descartar completamente um de seus pais em favor do outro, nenhuma
educação racional negligencia o valor dos brinquedos, nenhum cavaleiro viaja
nu se há uma longa jornada pela frente. O filme nos diz que a toupeira é uma
criatura que escava na terra em busca do sol, apenas para se cegar quando chega à superfície,
mas esta também é uma alegação baseada mais na confusão do que na acuidade. Soa
trágica, e sua relevância para uma filosofia da vida, inquestionável, mas ocorre
simplesmente dela não ser verdade.
Sem problemas; El Topo avança formidavelmente em seu caminho. A primeira
lição da criança é uma visão do inferno, uma rua mexicana miserável, após um
massacre, corpos por toda a parte, animais destripados, vastas piscinas de sangue
a partir das quais estranhas cores de pôr-do-sol são refletidas, homens pendurados
como pedaços de carne, e uma cacofonia eletrônica de carniceiros na trilha sonora
(embora mal haja uma mosca à vista). A criança aprenderá ou pena ou pragmatismo, à sua
escolha, quando lhe é dada uma pistola para liquidar o homem moribundo, e será então
carregada para aprender a lição da vingança, na medida em que seu pai caça os
bandidos responsáveis e os extermina. Um bando alegre, palhacento, estes criminosos,
ocupados com o estupro de sapatos, lagartos, monges, e a garota de seu líder,
dada a oportunidade. El Topo remove a peruca de seu líder, as roupas e sua hombridade,
resgata a garota e abandona seu filho para o clero com o inestimável conselho
que não se pode confiar em ninguém. Ao assistir seu pai partir nas garras de
uma simples mulher, o menino pode ser visto como tendo completado sua educação. “Quem é você pra
me julgar?”, o líder dos bandidos pergunta, confrontando seu Nêmesis. É uma pergunta útil,
mas, de forma característica, a resposta só complica as coisas. El Topo, parece,
se considera Deus, embora, em retrospecto, ele pode querer dizer que ele é um
deus, ou ele pode querer dizer que ele é o Filho de Deus, ou ele pode ter cometido
um erro. Para a inveja de sua garota, ele acha água no deserto atirando no topo
de uma pedra e encontra comida desencavando ovos de tartaruga; ele confere a
ela um orgasmo, a partir do qual ela também se torna capaz destes milagres caseiros.
Como ela aponta, no entanto, ele não é muito um Deus, pois há pelo menos quatro
outros homens no deserto mais rápidos com a pistola do que ele. Estes quatro
Mestres, um quarteto esplêndido de vagos excêntricos Taoístas, devem ser derrotados
por uma sucessão de truques tão sujos que El Topo, supremo, corre pelas areias
numa agonia de remorso e determina que é o Filho de Deus quando stigmatas são
disparadas em suas mãos e pés por uma lésbica que se manda com a garota dele.
Os encontros são incríveis, repletos de leões, cordeiros e coelhos brancos; já que
a Crucificação foi recontada de todas as formas, de um musical a uma corrida
de bicicleta, parece não haver razão pela qual ela não deveria ser mostrada como
um faroeste. Mas Jodorowsky obviamente gosta de trabalhar com vários tipos de
mito simultaneamente, e seus duelos com os quatro Mestres são um desconcertante
rodeio de crenças e conceitos. Simplificando, a primeira metade de El Topo mostra
um homem testando os limites de sua força moral e física – e descobrindo que
ele falhou consigo mesmo.
A segunda metade, de forma bastante previsível, começa com a ressurreição. Agora
um amedrontador albino reminiscente do explosivo Siegfried de Fritz Lang, El
Topo recupera a consciência no subterrâneo, onde, por anos, uma comunidade de
aleijados cuidou dele. Trazido à consciência completa ao mascar um escaravelho
cerimonial, ele jura liberar as patéticas criaturas em volta dele cavando um
túnel de saída para eles através da pedra sólida; mas quando eles finalmente
saem na luz, os resultados são, claro, fatais para eles. El Topo tem uma orgia
final de matança na cidade local e imola a si mesmo no gesto budista de culpa,
protesto e desespero compartilhados. No meio tempo, seu filho reaparece, agora
completamente crescido e vestido nas cores sepulcrais padrão da família, e cavalga
com a mulher e o outro filho de El Topo para recomeçar tudo novamente. Trata-se
menos de um círculo fechado do que de uma espiral, fielmente ao gosto de Jodorowsky
pelas teorias de Gurdiieff, e sua mensagem parece ser que a sociedade pode se
destruir, mas o espírito tem apenas uma chance de sobreviver.
Seria tentador ignorar a ecoante galeria de cifras e símbolos, não fossem eles
tanto parte da diversão. Jodorowsky é tão cheio de significados quanto Buñuel,
tão sem sentido quanto Fellini, e leva seus extremos mais longe nas regiões surrealistas
do burlesco do que qualquer um dos dois; mas, num instante, ele está de volta
novamente, se fazendo de Beckett, Jarry e Peckimpah. Sua personificação da teoria
do autor seria intolerável se ele não fosse tão energético, um diretor tão inventivo
tanto em sua vontade de parodiar (o plano em contra-plongée de El Topo
irrompendo por uma porta) quanto na de imitar (um bandido chupando a ponta de
um elegante sapato de salto alto). Sua própria performance é hipnótica, indo
desde o atirador desgrenhado até o guru de cabeça raspada e ele é auxiliado por
um notável elenco de agonizantes altruístas.
Phillip Strick
(Publicado originalmente em Sight and Sound,
nº 1 1973/74, p.51. Traduzido do inglês por Tatiana
Monassa)
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