ARARAT – 14 VISÓES,
de Don Askarian
Ararat – 14 Views, Armênia, 2007
Don Askarian é uma dessas figuras muito interessantes
cujos filmes volta e meia passam na Mostra, sem chamar
a atenção, mas confundindo todos aqueles que por acidente
tenham comparecido às suas sessões. Vejamos este Ararat
– 14 Visões: como o título sugere, o filme é todo
dominado pela presença do monte Ararat, local histórico
vital para a população armena e também símbolo maior
do genocídio de que esta fora vítima pelas mãos dos
turcos. Askarian é um cineasta esperto, nunca vai direto
à questão. Ao contrário, à maneira de um Samuel Fuller,
chega até ela pelas portas dos fundos. O que Askarian
tenta traduzir aqui é justamente toda a força de uma
presença histórica. As tais visões que o cineasta se
refere são uma busca por um corpo histórico, por um
valor concreto para um estado das coisas que se repete
em eco na história da Armênia. Sejam nos seus momentos
aparentemente mais doces ou pesados, Ararat – 14
Visões é um filme assombrado pelo espectro da violência,
onde cada corte e/ou movimento dos atores no quadro
não escondem uma brutalidade que parece estar sempre
a brotar. É uma pena que a Mostra tenham exibido o filme
numa cópia digital que não faz justiça ao trabalho de
um esteta cuidadoso como Askarian, já que se trata de
um trabalho de uma entrega, radicalidade e perspicácia
histórica que merecia ser avaliado em condições ideais.
(Filipe Furtado)
CONTOS DE TERRAMAR, de Goro Miyazaki
Gedo senki, Japão, 2006
Grande sucesso de bilheteria no Japão, Contos de Terramar vem ao Ocidente
um pouco respaldado pela imagem de um Senhor dos Anéis nipônico e feito em animação.
A comparação é um pouco simplista mas não improcedente. Afinal, o filme renova
com todo imaginário de espadas mágicas, castelos do mal, histórias de aprendizagem
heróica. O tom, naturalmente, é de grandiloqüência com espaço para vez ou outra
criar momentos de alívio pelo humor. Mas Miyazaki filho não iguala em talento
o poder visual do pai: o traço nada tem de especial além de um leve toque old
school, os ângulos e as cenas transcorrem de forma previsível e óbvia, utilizando
um imaginário já bastante esgotado e gasto. O relativo anacronismo do projeto
em momentos consegue até ser um pouco cativante, mas a falta de um vigor mais
singular na realização acaba com qualquer chance de um interesse maior pela trama
ou por sua encenação. Final aberto, oportunidade de redenção e, como não poderia
deixar de ser, espaço dado a um possível Contos de Terramar 2. Que, esperamos,
injete um pouco mais de energia e seja mais do que a fruição morna, entre simpático
e fastidioso, que Contos de Terramar apresenta. (Ruy Gardnier)
IMPORT EXPORT, de Ulrich Seidl
Import Export, Austria 2007
Basta alguns instantes para que Import Export no seu
tom grosseiro inconfundível deixar claro que estamos
diante de um filme que trata das relações de poder na
ordem atual da comunidade européia. Seidl chega ao tema
lançando mão de um catálogo de situações limite de humilhação
e exploração: longas seqüências numa central de sexcam,
um vigia sendo capturado e ridicularizado pelos agressores,
o mesmo vigia trocando a namorada por um cachorro, uma
patroa que humilha a empregada a cada troca entre elas,
e, sobretudo, uma cena interminável onde um sujeito
faz com que uma prostituta caminhe e lata como uma cadela.
Seidl – já sabíamos desde seu filme anterior – faz com
que Michael Haneke pareça um Jean Renoir em comparação.
Mas, ao contrário de seu compatriota, Seidl não tem
nenhum domínio do meio, e sua estética de choque só
funciona no sentido mais literal possível (Seidl jamais
será capaz de desenvolver uma câmara de tortura estética
como a de um Código Desconhecido, o desconforto
aqui é exclusivamente o asco moral diante das situações
apresentadas). Na altura que a heroína passa a trabalhar
como faxineira numa espécie de asilo-hospital em que
a câmera trabalha de forma a extrair o máximo de asco
do corpo dos velhinhos, não resta mais dúvidas: independente
das suas intenções iniciais, Import Export é
só um filme exploitation dos mais vagabundos,
e Seidl, consciente ou não, é ele próprio o grande explorador
das agruras que preenchem a tela. (Filipe Furtado)
NA MIRA DO INIMIGO, de Florent Emilio-Siri
L’Ennemi intime, França, 2007
Florent Emilio-Siri nos chamara alguma atenção pela
imagem artificial no limite entre cinema e videogame
que aplicara no interessante Refém, veículo para
Bruce Willis que realizara em Hollywood. Retornando
àFrança nesta grande produção sobre a Guerra da Argélia,
o diretor decepciona com um filme muito frágil. Na
Mira do Inimigo destaca as limitações do seu cineasta
com uma dramaturgia desengonçada e uma direção de atores
mão pesada. Estamos no típico filme francês sobre o
tema, conduzido sem grandes surpresas, em que as situações
óbvias se repetem sem muito esforço de dar a elas um
frescor, e tampouco com a competência para que tenham
uma força que transcenda o clichê. O filme como um todo
é um tanto morto e inerte, só ganhando força quando
Florent-Siri pode brincar de videogame e os efeitos
passem ao primeiro plano; neste terreno de artifício
existe sem dúvidas um prazer estético na imagem sintética
que tanto interessa ao cineasta. Que Florent-Siri arranje
produtores que lhe dêem condições de desenvolver seu
gosto pelo artifício, já que como artesão de narrativas
clássicas seu talento é quase nulo. (Filipe Furtado)
EL OTRO, de Ariel Rotter
El otro, Argentina, 2007
El otro é um típico filme que aposta num
conceito de dispositivo e o leva até o limite do tolerável.
Ariel Rotter cria um filme lento, pesado, como a jornada
que seu protagonista vive. É um filme que se aplica
ao comum estado do embarcar ou cair fora. Quem não comprar
o personagem (numa atuação brilhante de Julio Chavez)
certamente cairá no tédio. E não é fácil comprá-lo,
mesmo para quem admire o trabalho do ator. Rotter complica
e alonga ao máximo seus tiques, soando verdadeiramente
nulo em diversos momentos. A trajetória rocambolesca
do personagem pode soar boboca no começo, mas seu percurso
é controlado com algum talento pela direção. O filme
nunca se torna um trabalho centrado no roteiro, muito
pelo contrário, as experiências do protagonista são
sempre essencialmente mostradas através da imagem. E
Rotter lida muito bem com a idéia da necessidade seu
personagem, a de se tornar outras pessoas, como algo
natural. Não existe um psicologismo fácil – é um instinto.
Irregular, El otro é um filme muito mais
interessante na teoria do que na prática. (Guilherme
Martins)
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