Existe
em certos filmes um anacronismo tão grande que,
pela própria distância temporal evocada,
o filme já ganha um incidental interesse. Era
o caso, por exemplo, de Aleijadinho, de Geraldo
Santos Pereira, que no começo dessa década
lembrava o modelo de "filme sério"
dali de meados dos anos 70. Olho de Boi, por
sua vez, remete aos péssimos filmes do final
dos anos 90 em sua desesperada falta de timing,
no trabalho canhestro de direção de atores,
na completa ausência de sutilezas que faz com
que tudo que aparece no filme atinja o espectador com
a leveza de uma bigorna em matéria de obviedade.
Todos esses dados, no final dos anos 90, evocavam um
pouco a idéia de um cinema emperrado, enferrujado
pelos anos de descontinuidade ocasionado pelo fim da
Embrafilme (que, em todo caso, foi mais um marco do
que uma determinação histórica,
uma vez que seu término não foi nada abrupto
se formos ver os números). Olho de Boi é
como esses péssimos filmes dos anos 90 que mal
chegaram ao circuito de exibição, empostado,
pseudo-filosófico, mal pensado em termos de encenação,
luz, tempo, tudo. Dá até mesmo a angustiante
sensação de que estamos vendo atores interpretando
páginas de um livro e que o cenário só
muda por comodidade. E, bom, para que o anacronismo
garanta um charme, é preciso que o tempo passado
já seja algo considerável. Mas checando
no calendário a gente percebe que não
faz nem dez anos.
O filme conta a história de uma família,
ou melhor, dois homens, dois peões de fazenda,
um mais velho e um mais jovem, passam a noite à
espreita de um outro homem, irmão do mais velho,
para lhe fazer uma emboscada. Mas a situação
é apenas um pretexto para deixar os dois a sós,
discutindo sobre a vida, a religião, a credulidade
dos homens, volta e meia fazendo surgir uma frase ou
outa de sabedoria camponesa. A pena é que precisa
mais do que isso para se chegar a Guimarães Rosa
a quem inevitavelmente qualquer obra que queira
lidar com a filosofia roceira acaba se fazendo comparar
queira ou não. Só que aqui não
encontramos nem inventividade nem real instalação
nesse mundo. Aliás, mal sentimos que estamos
no mato, ao fogo, à noite, tamanho o distanciamento
provocado pelo trabalho meramente registrador da câmera.
Enquanto o filme passa e, apesar de seus parcos
72 minutos, Olho de Boi parece durar horas ,
percebemos que a narrativa é uma situação
alongada às custas de muita forçação
de barra para que o pas de deux possa durar o
tempo de um longa-metragem (quanto a isso, o filme até
tece relações com o recente Entrevista
de Steve Buscemi). Ao final, claro, somos brincados
com as já esperadas grandes revelações
impactantes que a situação provoca: traições
passadas, vergonha, segredos nunca revelados, toda a
espécie de reviravoltas que esperamos de novela
mexicana. A tragédia inevitável acontece
e o filme ganha ares de teatro grego, citando inclusive
Édipo Rei. Quando os créditos passam
na tela, surge a estranha sensação de
ter visto o curta-metragem mais longo do mundo, a situação
sumária que, sem qualquer graça do passar
do tempo, prolonga-se infinitamente às expensas
da paciência do espectador.
Ruy Gardnier
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