OLHO DE BOI
Hermano Penna, Brasil, 2007

Existe em certos filmes um anacronismo tão grande que, pela própria distância temporal evocada, o filme já ganha um incidental interesse. Era o caso, por exemplo, de Aleijadinho, de Geraldo Santos Pereira, que no começo dessa década lembrava o modelo de "filme sério" dali de meados dos anos 70. Olho de Boi, por sua vez, remete aos péssimos filmes do final dos anos 90 em sua desesperada falta de timing, no trabalho canhestro de direção de atores, na completa ausência de sutilezas que faz com que tudo que aparece no filme atinja o espectador com a leveza de uma bigorna em matéria de obviedade. Todos esses dados, no final dos anos 90, evocavam um pouco a idéia de um cinema emperrado, enferrujado pelos anos de descontinuidade ocasionado pelo fim da Embrafilme (que, em todo caso, foi mais um marco do que uma determinação histórica, uma vez que seu término não foi nada abrupto se formos ver os números). Olho de Boi é como esses péssimos filmes dos anos 90 que mal chegaram ao circuito de exibição, empostado, pseudo-filosófico, mal pensado em termos de encenação, luz, tempo, tudo. Dá até mesmo a angustiante sensação de que estamos vendo atores interpretando páginas de um livro e que o cenário só muda por comodidade. E, bom, para que o anacronismo garanta um charme, é preciso que o tempo passado já seja algo considerável. Mas checando no calendário a gente percebe que não faz nem dez anos.

O filme conta a história de uma família, ou melhor, dois homens, dois peões de fazenda, um mais velho e um mais jovem, passam a noite à espreita de um outro homem, irmão do mais velho, para lhe fazer uma emboscada. Mas a situação é apenas um pretexto para deixar os dois a sós, discutindo sobre a vida, a religião, a credulidade dos homens, volta e meia fazendo surgir uma frase ou outa de sabedoria camponesa. A pena é que precisa mais do que isso para se chegar a Guimarães Rosa – a quem inevitavelmente qualquer obra que queira lidar com a filosofia roceira acaba se fazendo comparar queira ou não. Só que aqui não encontramos nem inventividade nem real instalação nesse mundo. Aliás, mal sentimos que estamos no mato, ao fogo, à noite, tamanho o distanciamento provocado pelo trabalho meramente registrador da câmera.

Enquanto o filme passa – e, apesar de seus parcos 72 minutos, Olho de Boi parece durar horas –, percebemos que a narrativa é uma situação alongada às custas de muita forçação de barra para que o pas de deux possa durar o tempo de um longa-metragem (quanto a isso, o filme até tece relações com o recente Entrevista de Steve Buscemi). Ao final, claro, somos brincados com as já esperadas grandes revelações impactantes que a situação provoca: traições passadas, vergonha, segredos nunca revelados, toda a espécie de reviravoltas que esperamos de novela mexicana. A tragédia inevitável acontece e o filme ganha ares de teatro grego, citando inclusive Édipo Rei. Quando os créditos passam na tela, surge a estranha sensação de ter visto o curta-metragem mais longo do mundo, a situação sumária que, sem qualquer graça do passar do tempo, prolonga-se infinitamente às expensas da paciência do espectador.

Ruy Gardnier