KIMERA - ESTRANHA SEDUÇÃO
Paul Auster, The Inner Life of Martin Frost, França/Espanha/Portugal, 2007

Paul Auster, como roteirista, traz uma bela lembrança: Cortina de Fumaça, dirigido por Wayne Wang, um filme com um fino equilíbrio entre o prosaico, o sobrenatural e a cadeia de coincidências que costura a narrativa. Em sua tentativa como diretor, a coisa já muda um pouco de figura. Fazia quase dez anos que Auster não dirigia um filme, desde o fraco O Mistério de Lulu, de 1998. Mesmo não sendo um entusiasta do filme, eu estava curioso em relação ao que teria feito Auster voltar a filmar. Curiosidade não recompensada: Kimera - Estranha Sedução (também conhecido como The Inner Life of Martin Frost), para encurtar a conversa, é basicamente um filme em que o escritor-diretor se dedica a um exercício de nulidade. O ponto de partida do enredo fornece subsídios para um melodrama surrealista, que Auster poderia trabalhar a seu modo particular. E a primeira metade chega a sugerir que o filme consistiria justamente nisso. Martin Frost (David Thewlis) é um escritor em retiro numa casa de campo. Ele terminou de escrever um romance e está lá para, a um só tempo, recarregar as baterias e se inspirar para uma nova obra. Numa bela manhã ele acorda e Claire (Irène Jacob) está a seu lado na cama. Ela supostamente seria sobrinha da amiga de Martin que lhe emprestou a casa. Após uma insossa fase de disputa de espaço, eles iniciam um romance. Passam alguns dias e Martin descobre que ela não é sobrinha da dona de casa, e só está lá por causa dele. Claire é fã número um dos livros de Martin. Ela vive, na verdade, num limbo: em parte mulher de carne e osso, em parte produto da imaginação do escritor. Por mais chichê que seja esse enredo, no fundo existiriam formas de levá-lo adiante com originalidade – Auster tem uma certa habilidade com situações e diálogos que não sabemos para onde vão mas que de alguma maneira nos prendem. 

O mistério que deveria existir em Kimera, contudo, é nulo; a mise en scène desse mistério é igualmente – ou mais – nula. Nenhum plano instaura uma atmosfera envolvente, ou instiga a sondar os personagens, sondar o que estaria ao redor deles. As (por vezes constrangedoras) cenas românticas são encenadas sem grandes cuidados. O ápice é quando, na falta de lenha, Martin joga na lareira as páginas que levara horas para escrever, no intuito de aquecer Claire antes que ela morra de frio. Uma obra sendo sacrificada em nome de sua inspiração: a vida, o amor. Tinha tudo para ser uma cena muito bonita. Quanto mais aumenta o fogo na lareira, entretanto, mais a cena esfria. Auster, num momento anterior, já havia chegado ao cúmulo de nos fazer torcer para que a cena de Irène Jacob sorrindo descontroladamente terminasse logo. Para o sorriso de uma mulher bonita se tornar desagradável, é preciso muito descompasso entre um diretor e sua atriz. Por essas e outras é difícil se manter interessado em Kimera. Tudo no filme se resume a um jogo de aparição e desaparição de personagens peculiares, às vezes pitorescos (a exemplo do encanador que escreve contos bizarros de subliteratura nas horas vagas), quase sempre enfadonhos. Nos créditos finais, Auster agradece, entre outros, a Hal Hartley e Wim Wenders: auto-inclusão em um cinema que há no mínimo uma década deixou de provocar interesse.

Luiz Carlos Oliveira Jr.