Yakuza,
terreno conhecido: tatuagens, código estrito de respeito
e conduta, sacrifícios, hierarquia, achaques, e acima
de tudo muito tiroteio. Os filmes de yakuza já são há
tempos terreno consolidado, um pouco como os filmes
de máfia. Mas o que acontece quando um realizador tenta
travar contato com a yakuza não em seu aspecto mais
espetacular, mas no registro da observação cotidiana,
no trabalho do dia a dia, o tempo que passa, esses momentos
que ficam retidos nas elipses entre seqüências de filmes
de ação porque não são interessantes o suficiente? Jean-Pierre
Limosin se faz essa pergunta e se depara com uma solução
instigante: narrar o ritual de iniciação de um jovem
desocupado e, através desse processo de aprendizagem,
penetrar na atmosfera, no ritmo e na lógica interpessoal
cheia de relações de poder inerentes à organização.
Sem qualquer glamour, vemos a mãe receber o conselho
de inscrever seu filho na yakuza, pelas características
redentoras, como se fosse apenas um serviço semelhante
ao exército. Entrevistas, lições de comportamento, roupas,
doutrinas: como toda iniciação, nasce um mundo instigante,
transbordando estranhos códigos de conduta, leis não-escritas
mantidas unicamente pelo hábito e pela reiteração, toda
uma vida paralela que cativa a atenção pelo exotismo.
Mas Limosin não se contentou com isso. Autor de belos
e instigantes filmes como Olhares de Tóquio e
Novo, ele está mais que tudo interessado por
uma certa vivacidade do real e uma sensação de agora-agora.
Assim, o registro ficcional poderia tomar certas liberdades
em relação ao desejo de registro; por outro lado, a
pura apreensão documental não daria ao diretor o frescor
que ele gostaria de transmitir nas seqüências de seu
filme. Daí uma saída tão inventiva quanto sedutora:
fazer o filme funcionar em registro ficcional por um
bom tempo, operando segundo uma lógica de decupagem
e relação com os personagens já bastante estabelecida
e codificada no cinema ficcional, para a partir de um
dado momento, numa conversa da câmera com o chefe da
organização yakuza apresentada, o entrevistado atentar
para o fato de que havia sido previamente combinado
(com o diretor, com a equipe) que ele contaria apenas
uma parte da yakuza, e não a outra, para o filme. De
uma hora para outra, rompe-se o laço de adesão que mantinha
o espectador com o filme, e é preciso construir um outro,
que leve em consideração - como documentário, ou ao
menos como encenação de procedimentos que ocorreram
mais ou mens daquela forma - tudo que aconteceu até
então.
Lembranças de Nanook, de Jaguar, de Close
Up, desses filmes que se apropriam de elementos
ficcionais para fazer seus documentários irem a limites
aos quais o simples registro não poderia ir. Confiança
na ficção não como oposto do real, mas como elemento
propulsor dos acontecimentos, com um inerente poder
revelador dado pela síntese, pela concreção, pela transformação
em forma (ali onde todo grande documentário tem um quê
de ficcionador, no que concordam Coutinho e Wiseman)
de uma certa experiência vivida, recorrente, verificável.
Jovem Yakuza não chega aos pés desses três marcos
citados, mas, em seu trajeto armado de fazer um jovem
meio gordo, meio desajeitado, meio sem ter o que fazer,
ingressar, ficar um tempo e depois largar a organização,
consegue encontrar um meio apropriado de lidar com um
universo glamuroso e hiperficcionalizado e, a partir
dele, de um desejo investigativo dos procedimentos mais
prosaicos dos yakuza, criar uma forma cinematográfica
que não só nos insere no lado do cotidiano regrado e
algo tedioso da profissão, mas também acha um meio de
dar conta da própria ritualística de espetáculo que
permeia esse mundo e seus valores.
Ruy Gardnier
|