JOVEM YAKUZA
Jean-Pierre Limosin, Young Yakuza, França, 2007

Yakuza, terreno conhecido: tatuagens, código estrito de respeito e conduta, sacrifícios, hierarquia, achaques, e acima de tudo muito tiroteio. Os filmes de yakuza já são há tempos terreno consolidado, um pouco como os filmes de máfia. Mas o que acontece quando um realizador tenta travar contato com a yakuza não em seu aspecto mais espetacular, mas no registro da observação cotidiana, no trabalho do dia a dia, o tempo que passa, esses momentos que ficam retidos nas elipses entre seqüências de filmes de ação porque não são interessantes o suficiente? Jean-Pierre Limosin se faz essa pergunta e se depara com uma solução instigante: narrar o ritual de iniciação de um jovem desocupado e, através desse processo de aprendizagem, penetrar na atmosfera, no ritmo e na lógica interpessoal cheia de relações de poder inerentes à organização. Sem qualquer glamour, vemos a mãe receber o conselho de inscrever seu filho na yakuza, pelas características redentoras, como se fosse apenas um serviço semelhante ao exército. Entrevistas, lições de comportamento, roupas, doutrinas: como toda iniciação, nasce um mundo instigante, transbordando estranhos códigos de conduta, leis não-escritas mantidas unicamente pelo hábito e pela reiteração, toda uma vida paralela que cativa a atenção pelo exotismo.

Mas Limosin não se contentou com isso. Autor de belos e instigantes filmes como Olhares de Tóquio e Novo, ele está mais que tudo interessado por uma certa vivacidade do real e uma sensação de agora-agora. Assim, o registro ficcional poderia tomar certas liberdades em relação ao desejo de registro; por outro lado, a pura apreensão documental não daria ao diretor o frescor que ele gostaria de transmitir nas seqüências de seu filme. Daí uma saída tão inventiva quanto sedutora: fazer o filme funcionar em registro ficcional por um bom tempo, operando segundo uma lógica de decupagem e relação com os personagens já bastante estabelecida e codificada no cinema ficcional, para a partir de um dado momento, numa conversa da câmera com o chefe da organização yakuza apresentada, o entrevistado atentar para o fato de que havia sido previamente combinado (com o diretor, com a equipe) que ele contaria apenas uma parte da yakuza, e não a outra, para o filme. De uma hora para outra, rompe-se o laço de adesão que mantinha o espectador com o filme, e é preciso construir um outro, que leve em consideração - como documentário, ou ao menos como encenação de procedimentos que ocorreram mais ou mens daquela forma - tudo que aconteceu até então.

Lembranças de Nanook, de Jaguar, de Close Up, desses filmes que se apropriam de elementos ficcionais para fazer seus documentários irem a limites aos quais o simples registro não poderia ir. Confiança na ficção não como oposto do real, mas como elemento propulsor dos acontecimentos, com um inerente poder revelador dado pela síntese, pela concreção, pela transformação em forma (ali onde todo grande documentário tem um quê de ficcionador, no que concordam Coutinho e Wiseman) de uma certa experiência vivida, recorrente, verificável. Jovem Yakuza não chega aos pés desses três marcos citados, mas, em seu trajeto armado de fazer um jovem meio gordo, meio desajeitado, meio sem ter o que fazer, ingressar, ficar um tempo e depois largar a organização, consegue encontrar um meio apropriado de lidar com um universo glamuroso e hiperficcionalizado e, a partir dele, de um desejo investigativo dos procedimentos mais prosaicos dos yakuza, criar uma forma cinematográfica que não só nos insere no lado do cotidiano regrado e algo tedioso da profissão, mas também acha um meio de dar conta da própria ritualística de espetáculo que permeia esse mundo e seus valores.


Ruy Gardnier