HELP ME EROS
Lee Kang-sheng, Bang Bang Wo Ai Shen, Taiwan, 2007
 

Lee Kang-sheng entrou no mundo do cinema como ator, descoberto por Tsai Ming-liang. “Apadrinhado” e incentivado pelo cineasta, tornou-se também realizador. Seu primeiro filme, O Desaparecido, compartilhava claramente de alguns preceitos do cinema de Tsai. Em Help Me Eros, não é diferente. A preocupação com o contato sexual como problemática físico-existencial, que atravessa a carreira de Tsai desde o início e tornou-se mais explícita desde O Sabor da Melancia, faz-se presente como motor primeiro da narrativa, a partir do qual desdobram-se todas as outras injunções do filme.

Mas, passada a impressão primeira deste parentesco temático – e de um certo decalque estético – podemos ver melhor o que Lee Kang-sheng apresenta como elaboração própria. Antes de mais nada, é interessante perceber que, no caso deste Help Me Eros, no qual Lee também atua, a temporalidade da narrativa e das imagens parece aproximar-se daquelas de Tsai pela necessidade de adequar-se ao tempo do corpo do ator. Embora mais falante e ativo do que nos filmes de seu “patrono cinematográfico”, Lee continua apresentando uma movimentação muito particular, em contraste com a aceleração urbana em seu entorno. Ora, talvez seja essa sua grande contribuição para o cinema: o tempo de um corpo que obriga a imagem a se dobrar a ele.

E em Help Me Eros, o corpo é justamente o elemento que determina os personagens e suas relações. Das meninas seminuas com físico de modelo expostas àqueles que passam, à mulher engordada pelo marido, privada de interesse estético e do toque, o corpo é a interface privilegiada da interação com o mundo. E as dificuldades que os personagens enfrentam são derivadas justamente da lida com o próprio físico – o sexo operando como um avatar da sociabilidade. Entre os desejos (e toda sorte de motivações internas e abstratas) e a materialidade do estar em cena, é preciso encontrar a forma possível de agir e funcionar em comunidade.

Alienado
”, o personagem de Lee Kang-sheng, Ah Jie, dedica-se ao plantio de maconha e a seus baseados quase em tempo integral. A erva é para ele sinônimo de uma alteração positiva, de uma perspectiva diferente sobre o que está à sua volta: desligada, aérea, lânguida, ignorante de exigências quaisquer. Nesta sua “flutuação” entre um universo mental desconhecido (porque não há psicologismos ou interioridade aqui) e suas interações com o ambiente, Ah Jie ocupa-se prioritariamente da satisfação dos seus desejos. Como trata-se da criação de uma diegese em que a solidão impera, os personagens parecem sempre desconectados uns dos outros, por mais que seus corpos estejam unidos. O corpo, aliás, é freqüentemente filmado como uma massa meio disforme e não como uma instância inteiriça e “independente”, distinta de todas as outras “formas”, vivas ou não, que o circundam.

Curioso reparar também na construção plástica dos planos, que volta e meia apresentam-se divididos em dois: frente e fundo, em cima e embaixo, esquerda e direita. Este jogo estético solicita que nosso olhar percorra a imagem e escolha um foco de atenção e que ele se desdobre para perceber simultaneamente dois acontecimentos que, embora estejam no mesmo plano, parecem fraturados. Algo semelhante ocorre com a dinâmica entre a lojinha repleta de néons e a avenida cinzenta em frente a ela. Não apenas o contraste luminoso e cromático os opõe como a própria ambiência evocada por cada um dos lugares os distancia completamente. E, no entanto, eles estão lá, justapostos, compartilhando, inclusive, o mesmo plano.

Help Me Eros é um filme um tanto elaborado e pensado, que apresenta diversas rimas de composição visual e paralelismos de sentido, assim como sofisticados jogos de reflexos. No entanto, Lee Kang-sheng parece ainda não ter conquistado uma sensibilidade cinematográfica própria e o filme nunca chega a suscitar afeto com o que ele apresenta. Resta-nos, portanto, aguardar por seu eventual crescimento como cineasta. Porque, como ator, não há dúvidas de que ele é excelente.

Tatiana Monassa