Lee Kang-sheng
entrou no mundo do cinema como ator, descoberto por
Tsai Ming-liang. “Apadrinhado” e incentivado pelo cineasta,
tornou-se também realizador. Seu primeiro filme, O
Desaparecido, compartilhava claramente de alguns
preceitos do cinema de Tsai. Em Help Me Eros,
não é diferente. A preocupação com o contato sexual
como problemática físico-existencial, que atravessa
a carreira de Tsai desde o início e tornou-se mais explícita
desde O Sabor da Melancia, faz-se presente como
motor primeiro da narrativa, a partir do qual desdobram-se
todas as outras injunções do filme.
Mas, passada a impressão primeira deste parentesco temático
– e de um certo decalque estético – podemos ver melhor
o que Lee Kang-sheng apresenta como elaboração própria.
Antes de mais nada, é interessante
perceber que, no caso deste Help Me Eros, no
qual Lee também atua, a temporalidade da narrativa e
das imagens parece aproximar-se daquelas de Tsai pela
necessidade de adequar-se ao tempo do corpo do ator.
Embora mais falante e ativo do que nos filmes de seu
“patrono cinematográfico”, Lee continua apresentando
uma movimentação muito particular, em contraste com
a aceleração urbana em seu entorno. Ora, talvez seja
essa sua grande contribuição para o cinema: o tempo
de um corpo que obriga a imagem a se dobrar a ele.
E em
Help Me Eros, o corpo é justamente
o elemento que determina os personagens e suas relações.
Das meninas seminuas com físico de modelo expostas àqueles
que passam, à mulher engordada pelo marido, privada
de interesse estético e do toque, o corpo é a interface
privilegiada da interação com o mundo. E as dificuldades
que os personagens enfrentam são derivadas justamente
da lida com o próprio físico – o sexo operando como
um avatar da sociabilidade. Entre os desejos (e toda
sorte de motivações internas e abstratas) e a materialidade
do estar em cena, é preciso encontrar a forma possível
de agir e funcionar em comunidade.
“Alienado”,
o personagem de Lee Kang-sheng, Ah Jie, dedica-se ao
plantio de maconha e a seus baseados quase em tempo
integral. A erva é para ele
sinônimo de uma alteração positiva, de uma perspectiva
diferente sobre o que está à sua volta: desligada, aérea,
lânguida, ignorante de exigências quaisquer. Nesta sua
“flutuação” entre um universo mental desconhecido (porque
não há psicologismos ou interioridade aqui) e suas interações
com o ambiente, Ah Jie ocupa-se prioritariamente da
satisfação dos seus desejos. Como trata-se
da criação de uma diegese em que a solidão impera, os
personagens parecem sempre desconectados uns dos outros,
por mais que seus corpos estejam unidos. O corpo, aliás,
é freqüentemente filmado como uma massa meio disforme
e não como uma instância inteiriça e “independente”,
distinta de todas as outras “formas”, vivas ou não,
que o circundam.
Curioso reparar também na construção plástica dos planos,
que volta e meia apresentam-se divididos em dois: frente
e fundo, em cima e embaixo, esquerda
e direita. Este jogo estético solicita que nosso
olhar percorra a imagem e escolha um foco de atenção
e que ele se desdobre para perceber simultaneamente
dois acontecimentos que, embora estejam no mesmo plano,
parecem fraturados. Algo semelhante ocorre com a dinâmica
entre a lojinha repleta de néons e a avenida cinzenta
em frente a ela. Não apenas o contraste luminoso e cromático
os opõe como a própria ambiência evocada por cada um
dos lugares os distancia completamente. E, no entanto,
eles estão lá, justapostos, compartilhando, inclusive,
o mesmo plano.
Help Me Eros é um filme um tanto elaborado e
pensado, que apresenta diversas rimas de composição
visual e paralelismos de sentido, assim como sofisticados
jogos de reflexos. No entanto, Lee Kang-sheng parece
ainda não ter conquistado uma sensibilidade cinematográfica
própria e o filme nunca chega a suscitar afeto com o
que ele apresenta. Resta-nos, portanto, aguardar por
seu eventual crescimento como cineasta. Porque, como
ator, não há dúvidas de que ele é excelente.
Tatiana Monassa
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