CONTROL
Anton Corbijn, Control, Reino Unido, 2007

Anton Corbijn foi definitivamente impelido a fazer da fotografia sua profissão por conta de sua paixão por Joy Division. Fotografar era para ele uma forma de viver perto daquilo que amava, mas não tinha talento para perseguir: a música. A clássica foto ao lado é uma das mais emblemáticas do início da carreira do fotógrafo e uma das imagens mais famosas de Ian Curtis. A admirável capacidade de condensar sentimentos nos corpos e de fazer com que os ambientes que os circundam reverberem estes sentimentos sempre foi sua marca maior, para além dos enquadramentos expressivos e da textura inconfundível.

Control, seu primeiro longa-metragem, parece ser um grande desdobramento desta fotografia e uma espécie de acerto de contas com sua memória afetiva do músico. Um retrato de Ian Curtis como um homem vivendo um enorme tormento interno, mas, ao mesmo tempo, um ser indevassável, envolto em penumbra. O cinemascope encontrando o gosto do fotógrafo pelo enquadramento descentralizado, que relega o objeto a um aparente desinteresse da imagem, dividindo a atenção com o ambiente. A composição sendo mais importante que a captura, tanto em relação à recriação do personagem, quanto à tessitura da imagem.

Corbijn recusa-se, no decorrer do filme, de desenvolver psicologicamente seu personagem, ou mesmo de se aproximar demais dele e de suas razões pessoais. Control nutre uma espécie de não-interesse por Curtis, ao menos no sentido mais fetichista, atirando-o numa mesmice de ações sem vigor – exceções feitas aos momentos de música, nos quais o filme respira junto com ele. Este distanciamento, muitas vezes manifestado por uma frieza de encenação, parece traduzir o respeito extremo do diretor por esta figura. Um respeito mais próximo de uma reverência a alguém com quem ele conviveu do que de um medo de aproximação do mito.

Pois em Control não há mitologia. Não há imagem pública e nem mesmo há banda para além da presença dos integrantes em cena. Apenas acompanhamos Ian Curtis em sua opacidade, do final de seus dias de colégio até o suicídio. Seu casamento, seu emprego público, seu empreendimento pessoal junto ao Joy Division, seu caso com a jornalista belga, o nascimento de sua filha, seus dilemas insolúveis. Neste percurso, podemos perceber aos poucos o interesse principal de Corbijn: o controle de si frente ao mundo. Se, no palco, Curtis transborda uma energia que parece não se conter em seu corpo – à semelhança de seus ataques epilépticos –, configurando um verdadeiro extrapolar da contenção das posturas (tanto as socialmente aceitáveis, quanto as classificadas de “rebeldes”), toda sua vida pessoal é marcada por uma organização diretiva do que deveria ou não acontecer e de que forma. Desde sua declaração de amor a Debbie até seu veredicto sobre sua vida, passando pela aceitação de Tony Wilson do potencial de seu grupo.

E é na seqüência de “She’s Lost Control” – talvez a passagem mais forte do filme – que Control amarra de fato seu sentido. A partir da canção, o testemunho alarmado de Curtis do ataque epiléptico de uma menina é “costurado” à percepção de que sua vida já foge dos seus desígnios. Seu comportamento físico no palco passa a evocar então, quase secretamente, esta condição diante do mundo e a subseqüente manifestação da assustadora doença nele mesmo. Não mais a explosão de uma energia contida nos parâmetros físicos e sociais do corpo (“vocês não sabem o que significa para mim subir no palco e como isso me consome”), mas uma pane do organismo por um desejo de controle mental de tudo que está à volta – como se, ironicamente, a fuga de uma posição “marginal” na sociedade pudesse se dar pela completa organização (como que uma “justificativa”) da existência.

Corbijn associa a música e a biografia de Ian Curtis de forma bastante tradicional, mas há na placidez da sua narrativa algo de realmente peculiar dentro do “gênero”. Em seu olhar também ele controlado, o diretor procura fixar momentos capazes de sintetizar o que deve ser “narrado”, que seria desdobrável a partir deles. A “superficialidade” propriamente fotográfica da mise-en-scène confere ao drama uma dose de rarefação que o aproxima do relato. A emoção e a dor do filme ficam, desta forma, relegadas a uma abstração lacônica que paira sobre as imagens. Tudo se passa como se Control fosse uma grande superfície fotográfica buscando entender através da observação o processo invisível de degradação da imagem que Ian Curtis fazia de si para si mesmo e que culminou na aniquilação do “suporte material” desta imagem, o próprio corpo.

O real sucesso da banda e sua repercussão na mídia da época estão fora do campo do filme e só lhe interessam na medida em que interferem no cotidiano de Curtis em termos de ações. Há um profundo afeto desafetado no filme de Corbijn, um carinho recatado, quase receoso de contemplar a razão do desaparecimento do objeto amado: o controle absoluto sobre a vida que o suicídio representa. Control termina, assim, como um réquiem e um aceno de adeus, com as cinzas do músico subindo ao céu e se espalhando em todas as direções; os traços de sua existência palpável e concreta sumindo do mundo.

Tatiana Monassa

 

 





Ian Curtis pela lente de Anton Corbijn: um ser transtornado
de opacidade indevassável.