Anton Corbijn foi definitivamente
impelido a fazer da fotografia sua profissão por conta
de sua paixão por Joy Division. Fotografar era para
ele uma forma de viver perto daquilo que amava, mas
não tinha talento para perseguir: a música. A clássica
foto ao lado é uma das mais emblemáticas do início
da carreira do fotógrafo e uma das imagens mais famosas
de Ian Curtis. A admirável capacidade de condensar
sentimentos nos corpos e de fazer com que os ambientes
que os circundam reverberem estes sentimentos sempre
foi sua marca maior, para além dos enquadramentos expressivos
e da textura inconfundível.
Control, seu primeiro longa-metragem, parece ser um grande desdobramento
desta fotografia e uma espécie de acerto de contas com sua memória afetiva
do músico. Um retrato de Ian Curtis como um homem vivendo um enorme tormento
interno, mas, ao mesmo tempo, um ser indevassável, envolto em penumbra. O cinemascope encontrando
o gosto do fotógrafo pelo enquadramento descentralizado, que relega o objeto
a um aparente desinteresse da imagem, dividindo a atenção com o ambiente.
A composição sendo mais importante que a captura, tanto em relação à recriação
do personagem, quanto à tessitura da imagem.
Corbijn recusa-se, no decorrer do filme, de desenvolver psicologicamente seu
personagem, ou mesmo de se aproximar demais dele e de suas razões pessoais. Control nutre
uma espécie de não-interesse por Curtis, ao menos no sentido mais fetichista,
atirando-o numa mesmice de ações sem vigor – exceções feitas aos momentos de
música, nos quais o filme respira junto com ele. Este distanciamento, muitas
vezes manifestado por uma frieza de encenação, parece traduzir o respeito extremo
do diretor por esta figura. Um respeito mais próximo de uma reverência a alguém
com quem ele conviveu do que de um medo de aproximação do mito.
Pois em Control não há mitologia. Não há imagem pública e nem mesmo há banda
para além da presença dos integrantes em cena. Apenas acompanhamos Ian Curtis
em sua opacidade, do final de seus dias de colégio até o suicídio. Seu casamento,
seu emprego público, seu empreendimento pessoal junto ao Joy Division, seu caso
com a jornalista belga, o nascimento de sua filha, seus dilemas insolúveis. Neste
percurso, podemos perceber aos poucos o interesse principal de Corbijn: o controle
de si frente ao mundo. Se, no palco, Curtis transborda uma energia que parece
não se conter em seu corpo – à semelhança de seus ataques epilépticos –, configurando
um verdadeiro extrapolar da contenção das posturas (tanto as socialmente aceitáveis,
quanto as classificadas de “rebeldes”), toda sua vida pessoal é marcada por uma
organização diretiva do que deveria ou não acontecer e de que forma. Desde sua
declaração de amor a Debbie até seu veredicto sobre sua vida, passando pela aceitação
de Tony Wilson do potencial de seu grupo.
E é na seqüência de “She’s Lost Control” – talvez a passagem mais forte do filme – que
Control amarra de fato seu sentido. A partir da canção, o testemunho alarmado
de Curtis do ataque epiléptico de uma menina é “costurado” à percepção de que
sua vida já foge dos seus desígnios. Seu comportamento físico no palco passa
a evocar então, quase secretamente, esta condição diante do mundo e a subseqüente
manifestação da assustadora doença nele mesmo. Não mais a explosão de uma energia
contida nos parâmetros físicos e sociais do corpo (“vocês não sabem o que significa
para mim subir no palco e como isso me consome”), mas uma pane do organismo por
um desejo de controle mental de tudo que está à volta – como se, ironicamente,
a fuga de uma posição “marginal” na sociedade pudesse se dar pela completa organização
(como que uma “justificativa”) da existência.
Corbijn associa a música e a biografia de Ian Curtis de forma bastante tradicional,
mas há na placidez da sua narrativa algo de realmente peculiar dentro do “gênero”.
Em seu olhar também ele controlado, o diretor procura fixar momentos capazes
de sintetizar o que deve ser “narrado”, que seria desdobrável a partir deles.
A “superficialidade” propriamente fotográfica da mise-en-scène confere
ao drama uma dose de rarefação que o aproxima do relato. A emoção e a dor do
filme ficam, desta forma, relegadas a uma abstração lacônica que paira sobre
as imagens. Tudo se passa como se Control fosse uma grande superfície
fotográfica buscando entender através da observação o processo invisível de degradação
da imagem que Ian Curtis fazia de si para si mesmo e que culminou na aniquilação
do “suporte material” desta imagem, o próprio corpo.
O real sucesso da banda e sua repercussão na mídia da época estão fora do campo
do filme e só lhe interessam na medida em que interferem no cotidiano de Curtis
em termos de ações. Há um profundo afeto desafetado no filme de Corbijn, um carinho
recatado, quase receoso de contemplar a razão do desaparecimento do objeto amado:
o controle absoluto sobre a vida que o suicídio representa. Control termina,
assim, como um réquiem e um aceno de adeus, com as cinzas do músico subindo ao
céu e se espalhando em todas as direções; os traços de sua existência palpável
e concreta sumindo do mundo.
Tatiana Monassa
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