Cristóvão Colombo é o
primeiro filme de Manoel de Oliveira rodado em digital.
Não que isso altere algo de sua mise-en-scène
precisa, ou modifique sua relação particular com
o narrar, mas é sem dúvida um dado notável para este
cineasta que principiou no métier
na época do cinema mudo. No embalo, poderíamos dizer
que Cristóvão Colombo é um filme leve. Não apenas
por sua doçura e seu humor suave, elementos presentes
em outros filmes do cineasta, mas principalmente por
sua relação mais livre com a História, que cede muitas
vezes lugar a histórias íntimas e pessoais.
Ora, não há dúvidas de que o grande atrativo de Cristóvão
Colombo é a presença do próprio Manoel de Oliveira
contracenando com sua esposa. Seu personagem, Manoel
Luciano, é uma espécie de alter-ego
conceitual, cujas características e biografia evocam
– e satirizam em alguma medida – as preocupações de
Oliveira como cineasta. Desta forma, o interesse pela
História como matéria-prima da ficção torna-se uma obsessão
e uma paixão que rivaliza com o amor pela sua mulher.
O desejo de investigação passa a ser maior que tudo
e o filme revela ser mais sobre isso do que sobre Cristóvão
Colombo em si.
Se o título pode nos fazer imaginar um filme à la
O Quinto Império, no qual o cinema retoma um fato
histórico para interrogá-lo ao mesmo tempo em que põe
em obra uma arquitetura artística, suas imagens nos
trazem o “enigma” como dado diegético,
elemento associado à vivência do personagem. Neste sentido,
Cristóvão Colombo cede lugar a Manoel Luciano, o real
biografado. No entanto, tudo o que vemos de Manoel é
assombrado pelo fantasma de Colombo e todas as incertezas
sobre ele. Manoel inclusive refaz a viagem de Colombo
do velho continente até a América, mesmo antes de sua
obsessão por este personagem histórico tomar conta dele.
Este percurso, assim como as visitas a sítios históricos
acompanhadas de longas explicações, nos remetem
a Um Filme Falado. Mas, diferentemente deste,
no qual o passado parecia visitar os personagens, Cristóvão
Colombo está sempre ancorado no presente de Manoel
Luciano, pois deste passado que se busca não há propriamente
narrativas. Ele está envolto em mistério e, através
de nosso investigador (menos o filme e mais o personagem),
temos acesso a meras pistas: marcos em tais e tais localizações,
reproduções, monumentos. Pelo “apreço pela verdade”
da historiografia de Manoel Luciano, médico que aplica
seus conhecimentos científicos à história, corremos
o risco de pesquisar infinitamente atrás de certezas
plenamente justificáveis.
O que há de mais caro ao filme é a idéia de que não
importa em que momento estamos, nunca podemos deixar de nos relacionar com
tudo o que nos precedeu, porque tudo isto vive em marcas
materiais no nosso entorno. Nos belíssimos planos da
Nova Iorque contemporânea, pós-11 de setembro, temos
nos arranha-céus espelhados monumentos da mesma monta
das estátuas com que convivem lado-a-lado
e de outras construções antigas que sobreviveram. Todos
testemunhando do mesmo presente, embora evocando inexoravelmente
seu tempo de existência e o sua trajetória
na História. Da mesma forma, a imagem dos personagens
ao fim do filme, já velhos, evoca tudo aquilo que os
vimos viverem antes. Uma homenagem à boa memória, tanto
coletiva quanto individual.
Tatiana Monassa
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