CRISTÓVÃO COLOMBO - O ENIGMA
Manoel de Oliveira, Cristóvão Colombo – O Enigma, França/Portugal, 2007

Cristóvão Colombo é o primeiro filme de Manoel de Oliveira rodado em digital. Não que isso altere algo de sua mise-en-scène precisa, ou modifique sua relação particular com o narrar, mas é sem dúvida um dado notável para este cineasta que principiou no métier na época do cinema mudo. No embalo, poderíamos dizer que Cristóvão Colombo é um filme leve. Não apenas por sua doçura e seu humor suave, elementos presentes em outros filmes do cineasta, mas principalmente por sua relação mais livre com a História, que cede muitas vezes lugar a histórias íntimas e pessoais.

Ora, não há dúvidas de que o grande atrativo de Cristóvão Colombo é a presença do próprio Manoel de Oliveira contracenando com sua esposa. Seu personagem, Manoel Luciano, é uma espécie de alter-ego conceitual, cujas características e biografia evocam – e satirizam em alguma medida – as preocupações de Oliveira como cineasta. Desta forma, o interesse pela História como matéria-prima da ficção torna-se uma obsessão e uma paixão que rivaliza com o amor pela sua mulher. O desejo de investigação passa a ser maior que tudo e o filme revela ser mais sobre isso do que sobre Cristóvão Colombo em si.

Se o título pode nos fazer imaginar um filme à la O Quinto Império, no qual o cinema retoma um fato histórico para interrogá-lo ao mesmo tempo em que põe em obra uma arquitetura artística, suas imagens nos trazem o “enigma” como dado diegético, elemento associado à vivência do personagem. Neste sentido, Cristóvão Colombo cede lugar a Manoel Luciano, o real biografado. No entanto, tudo o que vemos de Manoel é assombrado pelo fantasma de Colombo e todas as incertezas sobre ele. Manoel inclusive refaz a viagem de Colombo do velho continente até a América, mesmo antes de sua obsessão por este personagem histórico tomar conta dele.

Este percurso, assim como as visitas a sítios históricos acompanhadas de longas explicações, nos remetem a Um Filme Falado. Mas, diferentemente deste, no qual o passado parecia visitar os personagens, Cristóvão Colombo está sempre ancorado no presente de Manoel Luciano, pois deste passado que se busca não há propriamente narrativas. Ele está envolto em mistério e, através de nosso investigador (menos o filme e mais o personagem), temos acesso a meras pistas: marcos em tais e tais localizações, reproduções, monumentos. Pelo “apreço pela verdade” da historiografia de Manoel Luciano, médico que aplica seus conhecimentos científicos à história, corremos o risco de pesquisar infinitamente atrás de certezas plenamente justificáveis.

O que há de mais caro ao filme é a idéia de que não importa em que momento estamos, nunca podemos deixar de nos relacionar com tudo o que nos precedeu, porque tudo isto vive em marcas materiais no nosso entorno. Nos belíssimos planos da Nova Iorque contemporânea, pós-11 de setembro, temos nos arranha-céus espelhados monumentos da mesma monta das estátuas com que convivem lado-a-lado e de outras construções antigas que sobreviveram. Todos testemunhando do mesmo presente, embora evocando inexoravelmente seu tempo de existência e o sua trajetória na História. Da mesma forma, a imagem dos personagens ao fim do filme, já velhos, evoca tudo aquilo que os vimos viverem antes. Uma homenagem à boa memória, tanto coletiva quanto individual.

Tatiana Monassa


 







Manoel Luciano e Silvia jovens...


... e velhos: suas viagens por marcos históricos em
busca de esclarecimentos sobre Cristóvão Colombo
mantêm viva a história de sua relação amorosa.