A RETIRADA
Amos Gitai, Disengagement, Israel/França/Itália/Alemanha, 2007

Amos Gitai é um cineasta que, após alguns acertos (Kadosh, Kippour) foi gradualmente perdendo a força em seu cinema. Pretensões tanto temáticas como estéticas parecem impulsioná-lo a um mergulho num vazio completo, como foi o caso do anterior Free Zone. Agora com A Retirada, Gitai volta a se propor como uma espécie de historiador ou repórter de eventos marcantes da Israel contemporânea, demorando a achar o fio da meada para, quando a encontra, perdê-la de vez.

Para um filme que se propõe a documentar o momento no qual Israel ordenou a retirada de seus colonos de territórios a serem devolvidos aos palestinos na Faixa de Gaza, pode-se dizer que A Retirada demora bastante a encontrar seu tema central. Após um prólogo passado em um trem e que serve apenas a propósitos discursivos sobre a possibilidade de união entre judeus e palestinos, vemos Liron Levo – o ator fetiche de Gitai – chegar a um sombrio casarão na França para o funeral de seu pai adotivo. Sem abrir mão de seus intermináveis planos-seqüência, Gitai vai estabelecendo o universo familiar da relação tangencialmente incestuosa entre Levo e sua irmã adotiva, interpretada por Juliette Binoche.

O diretor vai desenvolvendo seus personagens de forma absolutamente vazia e distanciada. Tudo se dá num enlace completamente vago. Apesar dos excessos – que incluem a presença de uma cantora a pontuar momentos dramáticos – o que Gitai transmite em toda essa primeira parte é uma total frieza, frieza essa que não se resume a um recurso de estilo, mas a uma quase total incapacidade de gerar sentimentos ou maiores envolvimentos no espectador. Binoche e Levo desfilam pela tela como espectros transparentes cujo propósito em cena fica como um enigma insolúvel até o momento em que a advogada Jeanne Morreau revela o testamento do pai e o desejo do reencontro entre Binoche e a filha desconhecida, que habita em um kibbutz a ser desocupado.

É somente então, com mais de metade de seus 115 minutos decorridos, que o filme se desloca para Israel e começa a inserir aquele que deveria ser seu tema central. E mesmo assim, passam-se infinitas viagens de automóvel – o espectro de Free Zone ainda presente – até que cheguemos à retirada propriamente dita. Até aí, nova frustração. Gitai encena tudo de forma excessivamente marcada e ritualística, como fizera anteriormente em Kedma. A formação das tropas, o confronto com os colonos, tudo sugere o embarque do cineasta em uma demonstração de virtuosismo teatralizado, que vem marcando a gradativa perda de interesse em suas criações mais recente.

Eis que, já decorridos mais de uma hora e meia, surgem duas belas seqüências que nos levam a despertar do marasmo. A primeira o reencontro entre Binoche e a filha, guiado por silêncios e uma atraente combinação de gestos, cores e movimentos delicados de câmera. A segunda delas a desocupação forçada de uma sinagoga, onde fiéis oram e se negam a abandonar seu terreno e a Torá sagrada. E a breve demonstração de que Gitai ainda pode ser um diretor capaz de criar e suscitar emoções, como fica patente na lembrança do que concretizara em Kadosh. Mas logo tudo volta à vaca fria e A Retirada se conclui com uma seqüência de incômodos excessos, que parecem sugerir um distanciamento cada vez maior entre Amos Gitai e os melhores momentos de seus longos anos de trabalho como realizador.


Gilberto Silva Jr.