Como primeira anotação sobre
Um Verão Para Toda Vida é preciso dizer que
o diretor Rod Hardy
não sabe enquadrar. E, caro espectador, não espere
que estejamos falando de composições, linhas
ou equilíbrio, estamos simplesmente falando
de cabeças em quadro. Sim, ao optar pela maior janela
do cinema (scope ou 2:35) Rod Hardy se esqueceu que ao ganhar dos lados, obtendo uma imagem
mais retangular, ele deve reposicionar
os elementos em quadro de modo diferente das janelas
mais quadradas (1:66 ou 1:85) permitindo que seus
personagens
sejam vistos. A escadinha feita pelos quatro protagonistas,
presente em mais da metade do filme, deixa Daniel Radcliffe com uma franjinha japonesa, aquela cortada quase
nos olhos.
Observação feita, prossigamos
com o filme. E então vale entrarmos em seu enredo, que
certamente é o grande objeto do desejo do diretor. Quatro
garotos órfãos, moradores de um orfanato administrado
por freiras, vão passar férias na casa de um casal de
velhinhos amigos da instituição, numa cidade de praia,
no verão. Chegando lá, descobrem um novo mundo, cercado
de pessoas, diversões, liberdade. Ora, como filmar isso?
Suba com a câmera em seu helicóptero, comece com um
plano fechado nos quatro garotos escalando uma montanha,
e então vá se distanciando, abrindo para a bela paisagem
que se apresenta. Suba bem e atravesse a montanha até
chegar no mar. Bem do alto, mostre a dimensão do espaço.
Que belo mundo, que lugar! Agora corte para os quatro
garotos correndo, parando em alguma gruta escondida
e acendendo e dividindo um cigarro.
Maps, Split,
Misty e Sparks são os simpáticos
garotos que vivem os conflitos da transição da infância
para a adolescência ou da adolescência para a fase adulta
(caso de Maps). Em meio a
isso, aparecem as novas experiências, o contato, então
inexistente, com mulheres (que variam de namoradas a
mães), e a procura do lar, base da família.
Rod Hardy
trabalha o catolicismo de maneira, digamos,
interessante. Não poderíamos dizer que o filme
é moralista, ou mesmo tendencioso. A crença religiosa
é tomada como fato e é mostrada até com alguma graça.
Misty constantemente tem visões de Santas (confundidas com
as freiras), chegando inclusive a ser salvo no mar por
uma dessas aparições. Mas não pensem que Um Verão
Para Toda Vida irá tentar convencê-los de que
o catolicismo é a salvação. O filme apenas mostra como
aquelas pessoas se envolvem com isso e contornam a rigidez
da Igreja, reconfigurando
uma ideologia aos seus modos de vida.
Mas o foco do filme se volta para a amizade dos quatro
amigos. Na praia, conhecem um casal vizinho dos velhinhos
amigos da Igreja e se envolvem com eles, os projetando
como pais. Misty, ao ouvir
um comentário do casal sondando a possibilidade de adoção
de um dos quatro, fica fascinado com a idéia, mudando
seu comportamento e se posicionando de maneira diferente
perante os outros três. Mas ainda que a problemática
exista e o assunto possa entrar num campo que exija
cuidado, Rod Hardy
lida isso com superficialidade, e as atitudes de Misty
não são questionadas nem pelo espectador, nem pelo filme.
O olhar que se dirige é o do olhar para a criança, com
suas inocências e crueldades.
Para apimentar a trama, Rod
Hardy cria elementos ou figuras
que passarão pelo filme tentando arrastá-lo até o fim,
completando a longa jornada de um longa-metragem. Aparece
o primeiro amor de Maps, uma
garota bonita, que o seduz. Encantada com a pureza vista
nele, se envolve jogando seu charme e fazendo-o descobrir
as artimanhas e frustrações do amor. É com ela que Maps
irá consolidar sua maturidade, passando a ver os amigos
já não só como irmãos, mas também um pouco como filhos.
Aparece também a figura do pescador isolado. Numa batalha
que dura a vida inteira, o pescador, em seu pequeno barco, tenta incessantemente
capturar um peixe que se torna mítico. O garoto Split é quem se envolve com o pescador, afinal também possui
o dom da pesca e irá tentar, a contragosto do velho,
capturar o objeto do desejo. Bastam cinco minutos, entretanto,
para percebemos que para o velho mais vale a mítica
jornada do que a captura de fato. E Split?
Acabará com seu sonho, trazendo-o para a realidade,
capturando o dito cujo?
Temos ainda o passado glorioso do promissor pai, grande
motoqueiro de circo, hoje vivendo apenas da fama. Temos
o câncer que assola a vida da velhinha que forma o casal
acolhedor. E, claro, temos o conflito
interno dos personagens, que se dividem entre o coração
dos amigos e o coração dos (quem sabe) pais.
Por fim, soma-se uma voz off,
do já velho Misty, pontuando
os buracos narrativos (ou seja, a todo o momento) e
atribuindo o tom nostálgico que permeia toda obra.
No final das contas, Um Verão Para Toda Vida
é um filme sobre a amizade, sobre os prazeres da vida,
sobre a firmeza familiar. Tudo visto sob a ótica religiosa moderna, que se aproxima da
religião, com suas crenças e milagres, mas contorna
sua tradição careta, mantendo somente a ideologia de
que o que importa são os verdadeiros e consagrados laços
afetivos.
Raphael Mesquita
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