UM VERÃO PARA TODA VIDA
Rod Hardy, December Boys, EUA/Austrália/ Reino Unido, 2007

Como primeira anotação sobre Um Verão Para Toda Vida é preciso dizer que o diretor Rod Hardy não sabe enquadrar. E, caro espectador, não espere que estejamos falando de composições, linhas ou equilíbrio, estamos simplesmente falando de cabeças em quadro. Sim, ao optar pela maior janela do cinema (scope ou 2:35) Rod Hardy se esqueceu que ao ganhar dos lados, obtendo uma imagem mais retangular, ele deve reposicionar os elementos em quadro de modo diferente das janelas mais quadradas (1:66 ou 1:85) permitindo que seus personagens sejam vistos. A escadinha feita pelos quatro protagonistas, presente em mais da metade do filme, deixa Daniel Radcliffe com uma franjinha japonesa, aquela cortada quase nos olhos.

Observação feita, prossigamos com o filme. E então vale entrarmos em seu enredo, que certamente é o grande objeto do desejo do diretor. Quatro garotos órfãos, moradores de um orfanato administrado por freiras, vão passar férias na casa de um casal de velhinhos amigos da instituição, numa cidade de praia, no verão. Chegando lá, descobrem um novo mundo, cercado de pessoas, diversões, liberdade. Ora, como filmar isso? Suba com a câmera em seu helicóptero, comece com um plano fechado nos quatro garotos escalando uma montanha, e então vá se distanciando, abrindo para a bela paisagem que se apresenta. Suba bem e atravesse a montanha até chegar no mar. Bem do alto, mostre a dimensão do espaço. Que belo mundo, que lugar! Agora corte para os quatro garotos correndo, parando em alguma gruta escondida e acendendo e dividindo um cigarro.

Maps, Split, Misty e Sparks são os simpáticos garotos que vivem os conflitos da transição da infância para a adolescência ou da adolescência para a fase adulta (caso de Maps). Em meio a isso, aparecem as novas experiências, o contato, então inexistente, com mulheres (que variam de namoradas a mães), e a procura do lar, base da família.

Rod Hardy trabalha o catolicismo de maneira, digamos, interessante. Não poderíamos dizer que o filme é moralista, ou mesmo tendencioso. A crença religiosa é tomada como fato e é mostrada até com alguma graça. Misty constantemente tem visões de Santas (confundidas com as freiras), chegando inclusive a ser salvo no mar por uma dessas aparições. Mas não pensem que Um Verão Para Toda Vida irá tentar convencê-los de que o catolicismo é a salvação. O filme apenas mostra como aquelas pessoas se envolvem com isso e contornam a rigidez da Igreja, reconfigurando uma ideologia aos seus modos de vida.

Mas o foco do filme se volta para a amizade dos quatro amigos. Na praia, conhecem um casal vizinho dos velhinhos amigos da Igreja e se envolvem com eles, os projetando como pais. Misty, ao ouvir um comentário do casal sondando a possibilidade de adoção de um dos quatro, fica fascinado com a idéia, mudando seu comportamento e se posicionando de maneira diferente perante os outros três. Mas ainda que a problemática exista e o assunto possa entrar num campo que exija cuidado, Rod Hardy lida isso com superficialidade, e as atitudes de Misty não são questionadas nem pelo espectador, nem pelo filme. O olhar que se dirige é o do olhar para a criança, com suas inocências e crueldades.

Para apimentar a trama, Rod Hardy cria elementos ou figuras que passarão pelo filme tentando arrastá-lo até o fim, completando a longa jornada de um longa-metragem. Aparece o primeiro amor de Maps, uma garota bonita, que o seduz. Encantada com a pureza vista nele, se envolve jogando seu charme e fazendo-o descobrir as artimanhas e frustrações do amor. É com ela que Maps irá consolidar sua maturidade, passando a ver os amigos já não só como irmãos, mas também um pouco como filhos.

Aparece também a figura do pescador isolado. Numa batalha que dura a vida inteira, o pescador, em seu pequeno barco, tenta incessantemente capturar um peixe que se torna mítico. O garoto Split é quem se envolve com o pescador, afinal também possui o dom da pesca e irá tentar, a contragosto do velho, capturar o objeto do desejo. Bastam cinco minutos, entretanto, para percebemos que para o velho mais vale a mítica jornada do que a captura de fato. E Split? Acabará com seu sonho, trazendo-o para a realidade, capturando o dito cujo?

Temos ainda o passado glorioso do promissor pai, grande motoqueiro de circo, hoje vivendo apenas da fama. Temos o câncer que assola a vida da velhinha que forma o casal acolhedor. E, claro, temos o conflito interno dos personagens, que se dividem entre o coração dos amigos e o coração dos (quem sabe) pais. Por fim, soma-se uma voz off, do já velho Misty, pontuando os buracos narrativos (ou seja, a todo o momento) e atribuindo o tom nostálgico que permeia toda obra.

No final das contas, Um Verão Para Toda Vida é um filme sobre a amizade, sobre os prazeres da vida, sobre a firmeza familiar. Tudo visto sob a ótica religiosa moderna, que se aproxima da religião, com suas crenças e milagres, mas contorna sua tradição careta, mantendo somente a ideologia de que o que importa são os verdadeiros e consagrados laços afetivos.

Raphael Mesquita


 







A família unida