PEOPLE – HISTÓRIAS DE NOVA YORK
Danny Leiner, The Great New Wonderful,
Reino Unido, 2005

People – Histórias de Nova York, como o próprio título em português sugere, é um filme painel. Escolhe cinco tramas narrativas, compostas de um ou mais personagens, para traçar um panorama da sociedade americana do pós 11 de setembro. E atenção, pós 11 de setembro mesmo, e não apenas a sugestão dos desdobramentos do ataque feito aos EUA. O filme começa com uma cartela nos localizando temporalmente, "setembro de 2002", e com imagens que nos localizam espacialmente: Nova York. As referências aos atentados também estão presentes. Enfim, toda a construção do filme é feita a partir do ocorrido, finalmente assumindo os ataques como elemento propulsor da história narrada, com forte ponto de interferência no cotidiano americano.

O filme parte de algumas escolhas previsíveis, a começar pela escolha dos personagens-tipos: um segurança indiano, um casal em crise com um filho problemático, uma decoradora de bolos freqüentadora da alta sociedade, um esquisito nerd e uma velhinha simpática já desgastada pela repetição da rotina. Não exatamente óbvios, mas emblemáticos de uma sociedade que parece estar compreendida nessas cinco pequenas narrativas.

People é um filme fraco, com argumentações frágeis e elementos mal trabalhados. Mas, no entanto, ganha quando se diferencia um mínimo dos filmes-painéis e totalizantes que têm povoado o cinema ultimamente (Crash, de Paul Haggis é o exemplo máximo). O diretor Danny Leiner abre uma nova perspectiva no cinema para a compreensão dos desdobramentos na sociedade americana assolada pelos atentados. O filme ainda que trabalhe com uma situação sintomática – e é ciente disso – não fica tentando estabelecer relações de causa e conseqüência das mais arbitrárias possíveis. As atitudes nunca são justificadas na diegese do filme, nem no imaginário do personagem (ou do espectador). Leiner trata seus personagens como conseqüências sim de uma situação que se instala, mas não se sente obrigado em localizar as causas. Pelo contrário, trabalha essa questão da causa, do elemento justificador de mazelas, de maneira bastante interessante. Em determinado momento do filme um personagem pergunta a outro: Qual o seu problema? E a resposta: Não sei. E o diretor Danny Leiner assume que em People os personagens também desconhecem o elemento causador de um estado de latência, que os mantém aflitos, assumindo que este mais do que ser justificado, não existe enquanto fato descolado. Toma como partido que a indigestão instalada na sociedade é ocasionada por uma problemática ampla e complexa.

No entanto, os méritos de People acabam por aqui. Os conflitos dos personagens são mal desenvolvidos, assumindo que não interessam enquanto indivíduos, mas apenas como fantoches de um partido a ser explanado. O casal em crise não consegue transar, pois nunca está tranqüilo devido ao seu filho criança que bate nos colegas de escola e tem comportamento dificílimo. Nada demais até então, mas a história se limita aí. O filme abre mão de investigar e explorar esse conflito de maneira mais aprofundada. O mesmo se dá com a decoradora de bolos. Personagem que está inserida na alta sociedade, mas que não consegue se localizar exatamente. Mais pela estranheza do funcionamento de um sistema, do que pela dificuldade de entrada nas maiores mansões.

E poderíamos discorrer situações semelhantes para os demais personagens: todos estão apenas em função dessa espécie de defesa, ou simplesmente do painel que quer ser pintado por Leiner. Tudo bem, se a opção é esta, o diretor tem todo o direito. No entanto, há elementos comprometedores. E neste sentido o final do filme é catastrófico. Se em um primeiro momento o diretor opta por apenas olhar para seus personagens, sem se envolver em demasiado em sua interioridade, preservando apenas os fatos acontecidos, no momento posterior usa das artimanhas mais baratas de sedução do espectador. Uma musiquinha tocante, tomadas especiais, como as da velhinha vendo a mudança na rotina do marido, ou do segurança indiano revelando para o amigo, com lágrimas nos olhos, seu arrependimento em trair sua esposa. Uma construção formal claramente dirigida para a comoção.

Ainda há no filme o emblema do aniversário de 1 ano. No dia 11 de setembro de 2002 os personagens parecem encontrar a solução de seus problemas, ou ao menos a forma de contorná-los. O porquê disso acontecer exatamente nesta data permanece em aberto, para não dizer que é extremente injustificado e sem pé, nem cabeça.

People, em última instância, é mais um daqueles filmes repletos de boa vontade e de uma ansiedade em compreender a fase conseguinte do pós-11/09 no cotidiano americano. Vale lembrar que na primeira parte do filme, os personagens reiteram a rotina presente e remetem a uma mudança que não aconteceu. Se o 11 de setembro foi por um lado um fenômeno sociológico e político, tomado como marco histórico, na esfera do particular parece mais uma data comemorativa de uma nova fase que pareceu instalada, mas que na prática continua com as mesmas sentenças.

Em People, se as sentenças são outras em relação as abordagens convencionais, quebrando com o fetiche do 11/09 e deixando de lado as relações causais, dando vida aos personagens que agora podem conturbar-se com anseios individuais sem saber o porquê, a construção formal e a levada do filme apontam para uma tradição já desgastada e sem força no panorama cinematográfico contemporâneo.


Raphael Mesquita