Luxury car
Wang Chao, China/França, 2006

Um grande navio percorre lentamente o canal de uma grande cidade chinesa. A câmera acompanha com elegância seu movimento, e uma música melodiosa entra, para sublinhar o clima. Desde o primeiro plano de Luxury Car, percebe-se a intenção de Wang Chao de ilustrar sua narrativa através de meios de transporte, filmados das mais diversas formas. Barcos, trens, carros e até macas são elementos recorrentes, e marcam o desenvolvimento de todo o filme, de seu início (o já citado navio) ao fim (um dos personagens centrais sendo levado morto em uma maca), passando pelo clímax (a cena em que esse personagem morre). E, se existem momentos interessantes em Luxury Car, eles existem no modo como o diretor consegue colocar os meios de transporte em relação aos personagens e ao ambiente urbano e rural chinês. Quando desvinculados da narrativa canhestra, os rápidos trens, ônibus e carros, filmados tanto do ponto-de-vista dos personagens quanto do ponto-de-vista da cidade de Wuhan trazem com eles uma carga visual absolutamente ausente no restante do filme.

Mas os meios de transporte, infelizmente, não podem ser desvinculados da narrativa, e, se parece que Chao esmerou-se em filmá-los de formas instigantes (ainda que não realmente criativas), todos os outros planos, ao contrário, não fogem de um be-a-bá amador de linguagem cinematográfica. Talvez porque interesse a Chao ser funcional e didático, e, se filmar um trem passando pode surgir como uma válvula de escape possível, toda vez que um ator aparece este escape deve ser evitado. Então, um diálogo nunca poderá fugir de um plano/contraplano amador, uma cena dramática exige sua cota de close-ups, e cada momento de impacto só poderá assim ser feito com seus planos detalhes. Não seria mentira dizer que Luxury Car pode ser considerado um novelão chinês de segunda categoria, mas cheio de carros na rua.

De segunda categoria, sim, pois todo o drama dos personagens é resolvido com reviravoltas tão absurdas quanto ridículas. E, se a sinopse já não ajuda, é o tratamento dado a ela que realmente irrita. Um homem do interior da China, cuja mulher está à beira da morte, procura na grande cidade de Wuhan o filho sumido. Sua filha, que trabalha como prostituta na cidade, apresenta seu chefe como o legitimo namorado, para não entristecer o pai. Ela, entretanto, descobre que está grávida. Cada elemento tem um tom dramático tão forte que não é surpreendente que o diretor não tenha a menor idéia de como desenvolvê-los.

Talvez por isso, no meio do filme, descobrimos que o chefe da jovem fez parte de uma quadrilha, juntamente com o irmão desaparecido dela. E que este irmão, infelizmente, morreu em um assalto. Neste, que é o único flashback de Luxury Car, podemos entender melhor as intenções hiperbólicas do diretor. Não bastasse o jovem morrer, antes ele tinha de perder no jogo de cartas, e por isso ser o escolhido para parar em frente de um carro em movimento. Não bastasse ele morrer, a câmera tinha de filmar essa seqüência começando do alto de uma ponte, com um trem passando – ah, como eles passam – para, depois de um tilt, chegar ao homem prostrado no meio da rua. Não bastasse o jovem morrer, ele também tinha de olhar nos olhos de seu amigo bandido – naturalmente, o chefe da menina, e naturalmente, com um close-up – e revelar que, pelo menos, morreu em um “carro de luxo”, porque esse, afinal, é o título do filme, ainda que esta fala simplesmente não tenha sentido.

Se este é o maior exemplo de quão primário é Luxury Car na maior parte do tempo – em decupagem, em construção dramática, em efeito de montagem, em, enfim, muita coisa – certamente não é o único. Talvez por isso, a reflexão de Chao sobre a transição entre a China rural e a urbana, sobre a passagem da vida, em seus mais diversos estágios (basicamente, a oposição entre nascimento e morte), e sobre, principalmente, a idéia de que sempre estamos tentando chegar a algum lugar, mesmo que este lugar nunca chegue, não chegam a se tornar reflexões, de fato, e nomeá-las aqui não passa de mera hipótese. De certeza, apenas que o grande mérito do filme, fora os veículos passando e passando, é acabar com simples 88 minutos, ainda que pareçam muito mais.

Leonardo Levis