hana
Hirokazu Kore-eda, Hana yori mo naho, Japão, 2006

Em Hana, o cinema humanista de Hirokazu Kore-eda, com suas vertentes “educativas” e espiritualistas, torna-se um pastiche de cinema de gênero didático. Ao trabalhar com o universo dos samurais e “pervertê-lo”, retirando-lhe a violência (o desrespeito à vida que o diretor toma como objeto primeiro de combate), ele procura contemplar o arrazoado da lógica de preservação da honra pela vingança, que regia o código de ética dos guerreiros. No entanto, sua proposta de desdramatização narrativa não está a serviço de reflexões existencialistas, como em suas obras anteriores, mas apenas dedica-se a criar um emaranhado de situações inexpressivas para o conjunto de personagens que ele põe em cena.

Hana apresenta-se como uma espécie de sub-dramaturgia televisiva, em que uma comunidade se vê às voltas com ela mesma em seu cotidiano banal, enquanto um ou outro impasse traz à tona questões morais relevantes. A elaboração rasa da comicidade, do romance e do suspense ao longo do filme demonstra a inaptidão do diretor para trabalhar com gêneros e seus “gráficos” de intensidade. Tudo em Kore-eda deve ser tratado de forma minimalista, mesmo quando se trata de um material em que a intensidade se faz necessária. Neste sentido, é no mínimo estranho que neste trabalho ele parta de um mundo de cenário, em que as caracterizações dos personagens são exageradas, em termos de maquiagem, figurino e interpretação, e a narrativa justifique-se apenas nas dobras que realiza sobre si mesma (as metas-narrativas que se tecem no interior do filme) e nunca numa real sensação de acontecimento.

No mundo farsesco em que vive Sozaemon, sua determinação de vingar o pai soa já de início inverossímil, pois todos não cansam de afirmar, por meios diversos, que os samurais não compartilham mais a realidade da sociedade. “Espécie em extinção”, sua existência só é possível no teatro popular. Ora, se a própria razão de ser do personagem já é esvaziada de antemão e sua lógica negada, como poderia ele, em seu espírito pacato, contrariar tudo isto para afirmar seu desejo de vingança? Sem esta suposta “transformação” de Sozaemon rumo a uma conquista de humanidade, Hana avança sem força narrativa alguma. As cenas se sucedem sem propulsão e é difícil compreender a razão de seu alastramento.

Pelo tom de comédia barata, o filme retira do seu próprio ensejo de trama qualquer validade que ele se proponha a ter. Não há real pulsão de morte – ou mesmo de vida – partindo de nenhum dos personagens. Todas as ações parecem de corpos desanimados, de seres sem razões que atestem sua existência diante da câmera. Desta forma, não apenas a rebelião final, vista entre brechas de portas e no escuro, parece despropositada, como absolutamente incompreensível. Que golpe é este que estes samurais da “resistência” inventam para legitimarem a si mesmos, mas que o filme prefere deixar de lado, ignorar espertamente com o intuito de invalidá-lo? E como pode o protagonista agir o tempo todo como se estivesse performando gestos mecanicamente, à revelia de sua vontade?

Se Kore-eda intencionava operar uma desconstrução do gênero “filme de samurai”, fazendo da trama e dos estereótipos puros simulacros sem sentido para buscar a existência ou não de uma essência por atrás destas imagens repetidas à exaustão, ele provavelmente esqueceu-se de transformar a proposta em filme. Visto que, por maior que seja a engenhosidade de um pensamento desconstrutivista, ele necessita ser criativo e construtivo em alguma medida. Vislumbrada com algum esforço, esta vontade conceitual do cineasta de dinamitar um gênero retirando-lhe a operacionalidade, como forma de “anular” os valores negativos que lhe seriam intrínsecos, revela-se pífia. Pois Hana não estabelece pacto algum com o espectador: nem aquele tradicional do gênero, nem um outro qualquer. A título de conclusão, lembremos que sobre a relação entre este gênero e a morte há um grande e belíssimo filme: Os Imperdoáveis, de Clint Eastwood.

Tatiana Monassa