Em Hana,
o cinema humanista de Hirokazu Kore-eda, com suas vertentes
“educativas” e espiritualistas, torna-se um pastiche
de cinema de gênero didático. Ao trabalhar com o universo
dos samurais e “pervertê-lo”, retirando-lhe a violência
(o desrespeito à vida que o diretor toma como objeto
primeiro de combate), ele procura contemplar o arrazoado
da lógica de preservação da honra pela vingança, que
regia o código de ética dos guerreiros. No entanto,
sua proposta de desdramatização narrativa não está a
serviço de reflexões existencialistas, como em suas
obras anteriores, mas apenas dedica-se a criar um emaranhado
de situações inexpressivas para o conjunto de personagens
que ele põe em cena.
Hana apresenta-se como uma espécie de sub-dramaturgia
televisiva, em que uma comunidade se vê às voltas com
ela mesma em seu cotidiano banal, enquanto um ou outro
impasse traz à tona questões morais relevantes. A elaboração
rasa da comicidade, do romance e do suspense ao longo
do filme demonstra a inaptidão do diretor para trabalhar
com gêneros e seus “gráficos” de intensidade. Tudo em
Kore-eda deve ser tratado de forma minimalista, mesmo
quando se trata de um material em que a intensidade
se faz necessária. Neste sentido, é no mínimo estranho
que neste trabalho ele parta de um mundo de cenário,
em que as caracterizações dos personagens são exageradas,
em termos de maquiagem, figurino e interpretação, e
a narrativa justifique-se apenas nas dobras que realiza
sobre si mesma (as metas-narrativas que se tecem no
interior do filme) e nunca numa real sensação de acontecimento.
No mundo farsesco em que vive Sozaemon, sua determinação
de vingar o pai soa já de início inverossímil, pois
todos não cansam de afirmar, por meios diversos, que
os samurais não compartilham mais a realidade da sociedade.
“Espécie em extinção”, sua existência só é possível
no teatro popular. Ora, se a própria razão de ser do
personagem já é esvaziada de antemão e sua lógica negada,
como poderia ele, em seu espírito pacato, contrariar
tudo isto para afirmar seu desejo de vingança? Sem esta
suposta “transformação” de Sozaemon rumo a uma conquista
de humanidade, Hana avança sem força narrativa
alguma. As cenas se sucedem sem propulsão e é difícil
compreender a razão de seu alastramento.
Pelo tom de comédia barata, o filme retira do seu próprio
ensejo de trama qualquer validade que ele se proponha
a ter. Não há real pulsão de morte – ou mesmo de vida
– partindo de nenhum dos personagens. Todas as ações
parecem de corpos desanimados, de seres sem razões que
atestem sua existência diante da câmera. Desta forma,
não apenas a rebelião final, vista entre brechas de
portas e no escuro, parece despropositada, como absolutamente
incompreensível. Que golpe é este que estes samurais
da “resistência” inventam para legitimarem a si mesmos,
mas que o filme prefere deixar de lado, ignorar espertamente
com o intuito de invalidá-lo? E como pode o protagonista
agir o tempo todo como se estivesse performando gestos
mecanicamente, à revelia de sua vontade?
Se Kore-eda intencionava operar uma desconstrução do
gênero “filme de samurai”, fazendo da trama e dos estereótipos
puros simulacros sem sentido para buscar a existência
ou não de uma essência por atrás destas imagens repetidas
à exaustão, ele provavelmente esqueceu-se de transformar
a proposta em filme. Visto que, por maior que seja a
engenhosidade de um pensamento desconstrutivista, ele
necessita ser criativo e construtivo em alguma medida.
Vislumbrada com algum esforço, esta vontade conceitual
do cineasta de dinamitar um gênero retirando-lhe a operacionalidade,
como forma de “anular” os valores negativos que lhe
seriam intrínsecos, revela-se pífia. Pois Hana
não estabelece pacto algum com o espectador: nem aquele
tradicional do gênero, nem um outro qualquer. A título
de conclusão, lembremos que sobre a relação entre este
gênero e a morte há um grande e belíssimo filme: Os
Imperdoáveis, de Clint Eastwood.
Tatiana Monassa
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