Os dois últimos filmes exibidos
no Brasil do diretor Zhang
Yimou (Herói e o Clã
das Adagas Voadoras) tratam da mesma forma a China
feudal, pré-unificação, que esse novo A Maldição
da Flor Dourada, ou seja, como um desfile de escola
de samba de orçamento gigante. Passa por esses filmes
uma clara vontade de encher os olhos do espectador com
o excesso de tudo (cores, cenários espetaculares, figurinos
complexos e um batalhão de figurantes), que os une em
um projeto de criar um cinema clássico de proporções
épicas na China. Clássico pela sua forma hollywoodiana e pela sua abrangência, um tipo de filme de
mercado destinado ao consumo no próprio país e no resto
mundo. Há de interessante nesse projeto a
consciência de que a própria China é um mercado a se
investir e de que usar as fórmulas prontas do cinema
americano é a melhor maneira de popularizar um novo
“gênero” – embora nenhum dos dois raciocínios sejam
novos, a conjugação de ambos em um mesmo projeto de
cinema comercial gerou uma novidade grande o suficiente
para tornar os filmes de Zhang Yimou representativo da China
nas esferas de influência do Oscar e do mercado financeiro
no cinema.
O resultado desse estilo, que já se tornou um gênero,
é uma estranha mistura de elementos da cultura tradicional
chinesa (a vida de todos é regida através de estritas
regras de conduta, a honra é o sentimento principal
responsável pelas decisões dos personagens e diversos
rituais são encenados minuciosamente, com direito a
explicação do que eles significam pelos personagens)
com uma decupagem e uma estruturação de roteiro saídas diretamente
de manuais de cinema clássico-blockbuster
americano. Encaixar um filme nesse modo de
produção não inclui necessariamente uma crítica
negativa, porque, a partir dele, diversos filmes bons
poderiam ser feitos. Mas Zhang
Yimou exagera, e muito. Nesse
filme, em especial, ele conseguiu adicionar à trama
uma enorme referência ao melodrama, que ele deve ter
tirado da sua cartilha “como fazer um filme clássico
americano”, pois, como sabemos, o gênero já foi apropriado
por Hollywood de diversas formas. Agora, se a principal
característica do melodrama é o trabalho com os excessos,
é fácil imaginar que Zhang Yimou transborda um pouco
além da conta e se torna, em falta de palavras mais
apropriadas, risível.
Em A Maldição da Flor Dourada, a mesma família real tem um caso de amor
proibido entre a imperatriz e o enteado, um outro caso
de amor proibido entre o mesmo príncipe herdeiro com
uma “plebéia” filha do médico real, que na verdade é
sua irmã, um imperador inescrupuloso que envenena vagarosamente
sua imperatriz após ter banido e dado como morta a
mãe de seu primeiro filho e um outro príncipe que apóia
a mãe em uma tentativa de golpe vingativo contra o pai.
Não é necessário dizer que, no final, o número de mortes
é quase igual ao número de personagens. Como dito antes,
só resta ao espectador rir de tanto sofrimento sendo
criado para entreter, pois nunca conseguiríamos nos
identificar com personagens tão distantes e tão pouco
explorados pelo filme.
Já no que diz respeito a parte
formal da cartilha que segue, pode-se dizer que a forma
de filmar o exército imperial, o palácio e os eventos
da família real busca a todo o tempo os enquadramentos
simétricos ao extremo, de forma tão rígida que, caso
não se mostrasse um simples vício de linguagem que não
difere o teor de uma seqüência para outra, poderia até
lembrar os enquadramentos de Leni
Riefenstahl, que buscavam
a exaltação da organização e da rigidez dos desfiles
militares nazistas. Já Yimou
busca ressaltar constantemente com sua decupagem
a suntuosidade e a beleza do cenário e do figurino que,
no final das contas, não são nada mais que coloridos.
Essa tentativa de arrebatar os espectadores por um deleite
visual fotográfico (aqui não existe nem tentativa de
beleza na movimentação dos corpos, como se a parte bela
de um plano para o diretor fosse apenas o enquadramento
estático), criando imagens que arriscam ser menos do
que superficiais, parece ter virado a verdadeira marca
registrada do estilo de Zhang
Yimou, o cineasta chinês que ostenta o vazio tentando ser
belo.
Bernardo Barcellos
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