A MALDIÇÃO DA FLOR DOURADA
Zhang Yimou, Man cheng jin dai huang jin jia,
Hong Kong/China, 2006

Os dois últimos filmes exibidos no Brasil do diretor Zhang Yimou (Herói e o Clã das Adagas Voadoras) tratam da mesma forma a China feudal, pré-unificação, que esse novo A Maldição da Flor Dourada, ou seja, como um desfile de escola de samba de orçamento gigante. Passa por esses filmes uma clara vontade de encher os olhos do espectador com o excesso de tudo (cores, cenários espetaculares, figurinos complexos e um batalhão de figurantes), que os une em um projeto de criar um cinema clássico de proporções épicas na China. Clássico pela sua forma hollywoodiana e pela sua abrangência, um tipo de filme de mercado destinado ao consumo no próprio país e no resto mundo. Há de interessante nesse projeto a consciência de que a própria China é um mercado a se investir e de que usar as fórmulas prontas do cinema americano é a melhor maneira de popularizar um novo “gênero” – embora nenhum dos dois raciocínios sejam novos, a conjugação de ambos em um mesmo projeto de cinema comercial gerou uma novidade grande o suficiente para tornar os filmes de Zhang Yimou representativo da China nas esferas de influência do Oscar e do mercado financeiro no cinema.

O resultado desse estilo, que já se tornou um gênero, é uma estranha mistura de elementos da cultura tradicional chinesa (a vida de todos é regida através de estritas regras de conduta, a honra é o sentimento principal responsável pelas decisões dos personagens e diversos rituais são encenados minuciosamente, com direito a explicação do que eles significam pelos personagens) com uma decupagem e uma estruturação de roteiro saídas diretamente de manuais de cinema clássico-blockbuster americano. Encaixar um filme nesse modo de produção não inclui necessariamente uma crítica negativa, porque, a partir dele, diversos filmes bons poderiam ser feitos. Mas Zhang Yimou exagera, e muito. Nesse filme, em especial, ele conseguiu adicionar à trama uma enorme referência ao melodrama, que ele deve ter tirado da sua cartilha “como fazer um filme clássico americano”, pois, como sabemos, o gênero já foi apropriado por Hollywood de diversas formas. Agora, se a principal característica do melodrama é o trabalho com os excessos, é fácil imaginar que Zhang Yimou transborda um pouco além da conta e se torna, em falta de palavras mais apropriadas, risível.     

Em A Maldição da Flor Dourada, a mesma família real tem um caso de amor proibido entre a imperatriz e o enteado, um outro caso de amor proibido entre o mesmo príncipe herdeiro com uma “plebéia” filha do médico real, que na verdade é sua irmã, um imperador inescrupuloso que envenena vagarosamente sua imperatriz após ter banido e dado como morta a mãe de seu primeiro filho e um outro príncipe que apóia a mãe em uma tentativa de golpe vingativo contra o pai. Não é necessário dizer que, no final, o número de mortes é quase igual ao número de personagens. Como dito antes, só resta ao espectador rir de tanto sofrimento sendo criado para entreter, pois nunca conseguiríamos nos identificar com personagens tão distantes e tão pouco explorados pelo filme.

Já no que diz respeito a parte formal da cartilha que segue, pode-se dizer que a forma de filmar o exército imperial, o palácio e os eventos da família real busca a todo o tempo os enquadramentos simétricos ao extremo, de forma tão rígida que, caso não se mostrasse um simples vício de linguagem que não difere o teor de uma seqüência para outra, poderia até lembrar os enquadramentos de Leni Riefenstahl, que buscavam a exaltação da organização e da rigidez dos desfiles militares nazistas. Já Yimou busca ressaltar constantemente com sua decupagem a suntuosidade e a beleza do cenário e do figurino que, no final das contas, não são nada mais que coloridos. Essa tentativa de arrebatar os espectadores por um deleite visual fotográfico (aqui não existe nem tentativa de beleza na movimentação dos corpos, como se a parte bela de um plano para o diretor fosse apenas o enquadramento estático), criando imagens que arriscam ser menos do que superficiais, parece ter virado a verdadeira marca registrada do estilo de Zhang Yimou, o cineasta chinês que ostenta o vazio tentando ser belo.

Bernardo Barcellos