FAY GRIM
Hal Hartley, Fay Grim, EUA/Alemanha, 2006

Triste destino o de Hal Hartley. De queridinho do circuito alternativo na primeira metade dos anos 90, passou com certa rapidez, como toda moda (vide Jean-Jacques Beineix), à categoria de curiosidade irrelevante e anacrônica. A esse cenário Fay Grim não adiciona muito. Ou pior: corrobora, uma vez que o filme trata de voltar a um momento anterior de sua carreira, o de Henry Fool (1997), para retomar os personagens e metê-los numa intriga rocambolesca de espionagem internacional, terrorismo e códigos cifrados. Mas se no filme de base o repertório de Hal Hartley já estava inteiramente decodificado e facilmente compreendido, levado pelo pastiche às raias do risinho blasé, em Fay Grim nada resta a fazer além da dissecação de um cadáver que nunca foi exatamente ilustre.

Planos indefectivelmente tortos, imagem digital lavada, auto-ironia onipresente e aquela forma de trabalhar os atores toda chupada dos filmes de Godard dos anos 80 mais aproximados à comédia (Carmen, Detetive, Grandeur et décadence d'un petit commerce de cinéma). Juntando na panela, fica claro o propósito: pedir a adesão do espectador no sentido de fazer crer que, no fundo, aquela história sendo contada com todos aqueles clichês revelam, pela autoconsciência do processo, uma superioridade em relação aos lugares-comuns que o cinema de gênero realiza de forma corriqueira. Daí a forte impressão de que tudo não passa de uma reles brincadeira metalingüística, muito modernosa, em que os clichês só aparecem para serem digeridos como exercícios de bom aluno bem educado de nariz em pé. Afinal, esse olhar de superioridade e essa displicência em relação à construção daquele universo só revelam uma necessidade de risinho de pequeno perverso, aquilo que em jargão lacaniano define os "não bobos/non dupe": o manejo de um saber a mais.

Mas até aí, mal ou bem, azar de quem se sente atraído. O que, no entanto, torna tudo em Fay Grim explicitamente nulo é essa mistura de evasão (da ficção, da crença) e de comentário sabichão sobre os caminhos do mundo, sobre a paranóia do terrorismo e dos planos de conspiração (oh! a enésima crítica feita à paranóia americana), a profunda estupidez das coisas "grandes". Juntas, essas características só revelam um uso claudicante dos procedimentos de distanciamento, operando pelo cinismo e pelo acabamento porco um esvaziamento total da expressividade. A metalinguagem e a auto-referência serviram de base para um momento do cinema que buscava uma renovação em relação ao que vinha antes. Mas isso já está velho de uns vinte anos. Hoje, essa eterna referencialidade e a piscadela de olho dada ao espectador nada revelam além de um deplorável exercício de autofagocitose e niilismo blasé. Triste destino o de Hal Hartley.

Ruy Gardnier