Entre os vários
meninos índios que vemos ao início de Cochochi,
aos poucos se destacam Luiz Antonio e Evaristo, dois
irmãos bastante diferentes entre si. Luiz Antonio, apelidado
de Tony, é inteligente e tem facilidade de aprender,
mas faz o que pode para fugir da escola. Interessa-se
mais por aventurar-se com os amigos entre pedras e cachoeiras,
fazer estripulias ou cumprir tarefas no rancho da família.
Já Evaristo, em sua timidez, segue com afinco as obrigações
escolares e deseja ir além nos estudos. É dos dois que
a câmera vai se aproximando cada vez mais, até o ponto
de utilizá-los como parâmetro absoluto para seu enquadramento
móvel.
A estratégia de proximidade física da câmera com o corpo
dos garotos, acompanhando seus deslocamentos espaciais
e movimentos e registrando suas sutis alterações, cria
aos poucos o clima de suspense e apreensão do filme.
Tony e Evaristo se perdem nas montanhas, ao embarcarem
na missão de levar remédios para um parente numa vila
próxima. E pior: perdem o cavalo do avô, que Tony havia
pegado em segredo. Um grande senso de responsabilidade
parece pairar sobre aqueles meninos – em especial Evaristo,
o filho “consciente”, que desde o início revela-se o
interesse principal dos diretores – e uma espécie de
melodrama às avessas vai paulatinamente tomando conta
da narrativa: como lidar com a culpa de um consentimento
silencioso quando, pela justeza de caráter, se deve
assumir o erro do outro?
Extremamente desdramatizado, Cochochi contrasta
uma espécie de conto moral – uma narrativa “de roteiro”
– com uma frieza observacional que privilegia uma imersão
no instante. Derivação ficcional de um olhar documental,
o filme registra os garotos, que interpretam a si mesmos,
numa “aventura” na qual o processo interno dos personagens
deve ser perceptível em sua exterioridade. No entanto,
dado o minimalismo dramático que Cochochi apresenta,
o arco de sua progressão emotiva parece nunca atingir
seu ápice. Nem mesmo no final, no momento mais intenso
do filme, quando o avô conversa calmamente com Evaristo
diante do cavalo “esperto”, que “sempre volta pra casa”,
e o menino chora angustiadamente.
Se, por um lado, é extremamente interessante ver uma
tensão crescente partir de um vazio de ação – o drama
interno de Evaristo não se manifesta em expressões faciais
ou gestuais, ele o atravessa como um guerreiro sem armas
que persiste apenas pela impossibilidade de assumir
a derrota –, por outro, decepciona o afeto rarefeito
do filme, que é incapaz de extrair da imersão e da proximidade
com homens e natureza o choque necessário à empatia
do espectador com o trabalho da câmera (e do cinema)
naquele mundo. Sem o sentimento de que algo está acontecendo
e de que há uma ligação afetiva entre a instância que
cria as imagens e seu objeto de interesse, o filme é
tomado de uma frieza que o transforma numa espécie de
relato puro e simples, no qual as angústias, apreensões
e medos se aproximam mais de manifestações quase antropológicas
do que de forças emotivas humanas.
Tatiana Monassa
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