THE NOTORIOUS BETTIE PAGE
Mary Harron, Estados Unidos, 2005

The notorious Bettie Page é, aparentemente, um filme-retrato, um filme sobre um personagem que é uma figura, uma personalidade. É assim que ele acredita se construir. Contudo, esse personagem a partir do qual o filme parece existir não é apenas uma personalidade, no sentido de alguém famoso. É também, e principalmente, uma figura que representa algo; é um ícone pop da cultura norte-americana dos anos 50.

Bettie Page foi uma pin-up, uma modelo de fotos para homens, durante a década de 50. Atualmente, desenhos de pin-ups fazem parte da iconografia de um imaginário 50’s que restou para nós como vintage, cult, “alternativo”. São desenho, foto, estilo. Ora, são, mais ainda do que eram em sua época, pura imagem. Bettie Page é mais uma dessas imagens. Ao fazer um filme sobre ela, a diretora Mary Harron (que, além de Um Tiro para Andy Warhol, de 1996, e Psicopata Americano, de 2000, dirigiu episódios isolados de séries americanas) apenas perpetua a condição de um ícone, em vez de fazer um filme sobre alguém. Na verdade, dizer que The notorious Bettie Page “perpetua” qualquer coisa é muita bondade, porque nem imagem Bettie Page é; o filme sequer olha para sua personagem.

Se o filme se interessa por algo, é por um sentimento moralista constrangedor que só vai crescendo e piorando ao longo da narrativa. O início, que encena uma armadilha policial para detenção de material pornô bondage (algo como sadomasoquismo, então ilegal), e logo depois segue para uma cena de julgamento, talvez até nos atente para o fato de que, para este filme, de “notoriousBettie Page não tem nada – e o que interessa é outra coisa. O conservadorismo da sociedade americana e a moral cristã que poda a liberdade dos corpos, pode-se dizer, são o tema deste filme tão conservador quanto a sociedade que retrata, tão distante do corpo da personagem quanto o cristianismo gostaria e tão sem relação com o espírito da personagem quanto o desenho de uma pin-up numa filipeta, ou seja, uma figura-ícone que está ali para representar e jamais para tratar de sentimento ou sensação.

Além de ser ridiculamente moralista e didático, como quando “explica” que Bettie se tornou modelo pornô porque era assediada por seu pai (?!), ou quando dá closes constrangedores em imagens de Cristo e da cruz logo após Bettie ter feito um ou outro trabalho mais “picante”, The notorious Bettie Page tem uma daquelas decupagens bestas e sem porquê, acompanhada de imagens ora em preto e branco (quando se passa em NY), ora coloridas (quando em Miami, uau), também bestas e sem porquê. Assim como todo o filme, mais um desses vários que nunca ninguém vai entender por que diabos existem.

Luisa Marques