Se há um tema que anda realmente
interessando os diretores contemporâneos é o da obsessão.
E Anna M. é mais um filme que vai tratar da questão,
sempre com o mesmo tom, o mesmo olhar, a mesma linguagem,
o mesmo jogo de câmeras, a mesma trilha sonora, a mesma
interpretação, o mesmo desfecho, as mesmas cartelas...
um filme já visto e revisto,
com todas as bizarrices e clichês a que se tem direito.
A trama nos conta a história de Anna, restauradora de
livros e funcionária de uma biblioteca. O vazio que
parece preencher sua vida é transposto nas primeiras
imagens do filme, que remetem à solidão e à incomunicabilidade
com o mundo (tanto no trabalho, com sua colega, quanto
em casa, com a mãe). O desenrolar natural, portanto:
a tentativa de suicídio. Anna se joga na frente de um
carro.
Mas infelizmente a personagem não morre e teremos que
aturá-la até o final do filme. Chata menos pela obsessão
que desenvolve e mais por ser um personagem mal construído
e inconsistente (ainda que a interpretação de Isabelle
Carré seja satisfatória), o que vemos na tela são tiques sem
função orgânica, calcados nas suas
representatividades primeiras: olhar distante
e sem foco de objeto, perseguições desinteressantes,
silêncios estendidos. O relacionamento de Anna com o
Dr. Zanevsky, médico responsável
pelo seu tratamento pós-tentativa de suicídio, é marcado
pelo fascínio alucinante da primeira.
Mas passado os 20 primeiros minutos de filme, o espectador
está convidado a dormir e acordar faltando apenas 10
minutos para o final, constatando que o desfecho não
passa de uma baboseira qualquer. Neste ínterim, acontece
nada mais que uma evolução gradativa da obsessão de
Anna, que vai cada vez mais ampliando seu campo de reverberação.
Se num primeiro momento sua neurose permanece em estado
de latência, fechada em casa e no trabalho, nos momentos
seguintes são agregados personagens para compartilharem
e serem vítimas do estado de Anna: o médico, a esposa
do médico, o segurança da estação. Todos sofrem a interferência
negativa da doença de Anna. O filme progride em sintonia,
é bem verdade, com a trilha e as cartelas pontuando
os momentos mais tensos até se chegar à estafa final.
Anna finalmente apaga e só vai reencontrar a calma nos
campos verdes e calmos do universo rural. Então percebemos
que o diretor Michel Spinoza critica o
espaço urbano e movimentado, repetitivo e enlouquecedor.
Se a trilha sonora ajuda a empurrar o filme, direcionando
para o convencimento, a música de CocoRosie,
também presente, nos instiga a fechar os olhos e nos
lançarmos em outras imagens, que certamente não são
aquelas projetadas na tela. Michel Spinoza passou longe
de instigar a imaginação, uma vez que seu filme mais
parece uma justaposição de elementos já consolidados
no cinema neurótico contemporâneo e moderno (pois boa
parte das referências estão lá).
Mas ainda há a utilização de outras ferramentas, como
as cartelas, que em uma ou duas palavras devem explicar
o que se passa, na tentativa de envolver o espectador,
direcionando-o ao sentimento que irá conduzi-lo. E finalmente,
os jogos de câmera. No ápice de crise neurótica de Anna,
Michel Spinoza coloca espelho na frente das lentes,
distorcendo o corpo feminino. Mas que olhar é esse?
Do espectador? Do diretor? Da personagem (aparentemente
a única afetada) é que não é, já que a estamos vendo.
Então que diabos aqueles planos estão fazendo no filme?
Seremos nós que estamos sofrendo algum distúrbio ou
obsessão? Bem, fica a pergunta e o questionamento de
quem á mais louco: o personagem, por agir daquela forma,
o diretor, por contar aquela história, ou o espectador,
por se sujeitar à projeção.
Raphael Mesquita
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