ANNA M.
Michel Spinosa, França, 2007

Se há um tema que anda realmente interessando os diretores contemporâneos é o da obsessão. E Anna M. é mais um filme que vai tratar da questão, sempre com o mesmo tom, o mesmo olhar, a mesma linguagem, o mesmo jogo de câmeras, a mesma trilha sonora, a mesma interpretação, o mesmo desfecho, as mesmas cartelas... um filme já visto e revisto, com todas as bizarrices e clichês a que se tem direito.

A trama nos conta a história de Anna, restauradora de livros e funcionária de uma biblioteca. O vazio que parece preencher sua vida é transposto nas primeiras imagens do filme, que remetem à solidão e à incomunicabilidade com o mundo (tanto no trabalho, com sua colega, quanto em casa, com a mãe). O desenrolar natural, portanto: a tentativa de suicídio. Anna se joga na frente de um carro.

Mas infelizmente a personagem não morre e teremos que aturá-la até o final do filme. Chata menos pela obsessão que desenvolve e mais por ser um personagem mal construído e inconsistente (ainda que a interpretação de Isabelle Carré seja satisfatória), o que vemos na tela são tiques sem função orgânica, calcados nas suas representatividades primeiras: olhar distante e sem foco de objeto, perseguições desinteressantes, silêncios estendidos. O relacionamento de Anna com o Dr. Zanevsky, médico responsável pelo seu tratamento pós-tentativa de suicídio, é marcado pelo fascínio alucinante da primeira.

Mas passado os 20 primeiros minutos de filme, o espectador está convidado a dormir e acordar faltando apenas 10 minutos para o final, constatando que o desfecho não passa de uma baboseira qualquer. Neste ínterim, acontece nada mais que uma evolução gradativa da obsessão de Anna, que vai cada vez mais ampliando seu campo de reverberação. Se num primeiro momento sua neurose permanece em estado de latência, fechada em casa e no trabalho, nos momentos seguintes são agregados personagens para compartilharem e serem vítimas do estado de Anna: o médico, a esposa do médico, o segurança da estação. Todos sofrem a interferência negativa da doença de Anna. O filme progride em sintonia, é bem verdade, com a trilha e as cartelas pontuando os momentos mais tensos até se chegar à estafa final. Anna finalmente apaga e só vai reencontrar a calma nos campos verdes e calmos do universo rural. Então percebemos que o diretor Michel Spinoza critica o espaço urbano e movimentado, repetitivo e enlouquecedor.

Se a trilha sonora ajuda a empurrar o filme, direcionando para o convencimento, a música de CocoRosie, também presente, nos instiga a fechar os olhos e nos lançarmos em outras imagens, que certamente não são aquelas projetadas na tela. Michel Spinoza passou longe de instigar a imaginação, uma vez que seu filme mais parece uma justaposição de elementos já consolidados no cinema neurótico contemporâneo e moderno (pois boa parte das referências estão lá).

Mas ainda há a utilização de outras ferramentas, como as cartelas, que em uma ou duas palavras devem explicar o que se passa, na tentativa de envolver o espectador, direcionando-o ao sentimento que irá conduzi-lo. E finalmente, os jogos de câmera. No ápice de crise neurótica de Anna, Michel Spinoza coloca espelho na frente das lentes, distorcendo o corpo feminino. Mas que olhar é esse? Do espectador? Do diretor? Da personagem (aparentemente a única afetada) é que não é, já que a estamos vendo. Então que diabos aqueles planos estão fazendo no filme? Seremos nós que estamos sofrendo algum distúrbio ou obsessão? Bem, fica a pergunta e o questionamento de quem á mais louco: o personagem, por agir daquela forma, o diretor, por contar aquela história, ou o espectador, por se sujeitar à projeção.

Raphael Mesquita