Ainda orangotangos
Gustavo Spolidoro, Brasil, 2007

À primeira vista, impressiona em Ainda Orangotangos o virtuosismo técnico: feito inteiramente em um plano-sequência, o filme varia entre externas muito movimentadas e internas cheias de ambientes distintos, um suposto nascer do sol e a noite profunda, longos diálogos e complicadas seqüências com câmera na mão, reaparição de personagens e, inclusive, um pesadelo. Com tudo isso, a diegese do filme é permanentemente reorganizada, feito difícil de conseguir em um filme sem cortes. Mas todas essas características nunca estão a favor de um mero virtuosismo bobo, nem de uma vontade maior de experimentações visuais. Ao mesmo tempo, não chegam a contribuir para inovação alguma na linguagem cinematográfica, e nem se propõem a isso. Mera curiosidade, então? Nem tanto. Todo o imenso plano-sequência de Ainda Orangotangos parece existir sob a premissa da diversão, do “por que não?”, da vontade de brincar com as possibilidades menos por causa das possibilidades, e mais pela vontade de brincar. Ainda Orangotangos funciona como um filme de galera, e suas “sacadas”, suas jogadas técnicas e seus cacoetes existem como chamadas ao espectador para que compartilhe dessa grande brincadeira.

Filme de galera, sim, e por isso Porto Alegre é parte essencial de Ainda Orangotangos. Desde a Casa de Cinema, pelo menos, a cidade de Porto Alegre vem se tornando personagem dos filmes da região, mas o longa de Spolidoro não parece interessado em refletir sobre o que significa viver nessa capital, ou mesmo nas regras de seu funcionamento. Homenagem, pura e simplesmente, e mais nada, porque o cinema não precisa conter mais que o bom-humor. Por isso, a câmera tem de começar pelo metrô da cidade e passar pelo mercado municipal, por isso em algum momento o filme tem de fazer uma ode ao Internacional (o mais perto que Ainda Orangotangos se situa de um posicionamento político), por isso é necessário explicar a origem do termo tri. E é assim que Spolidoro brinca com a figura de Tainá Muller, colocando uma fotografia dela como uma modelo bem-sucedida, ou mesmo que coloca, em todos os momentos que pode, um rock independente gaúcho, como que para sublinhar o universo ao qual seu filme pertence. Filme de galera, sim, sempre, mas nunca um filme fechado.

Mas, se a premissa encanta por sua garra e sua vontade de diversão, e se isso transparece na tela sempre, dando frescor, leveza e liberdade às imagens, a verdade é que Ainda Orangotangos, infelizmente, está longe de ser inteiramente bem-sucedido em sua proposta. Talvez até mesmo por causa desse descompromisso com o objeto final, ou pelas limitações impostas pela necessidade do plano-sequência, a obra acabada é bastante irregular, variando entre momentos nos quais a veia cômica – ou até mesmo a poética – funciona bastante bem, e outros nos quais o filme perde completamente seu interesse, fim bastante lógico considerando sua estrutura fragmentada, fundada como uma série de curtas-metragens. Analisados como curtas-metragens, os episódios de diálogo no ônibus ou na loja de conveniência são bastante bem-sucedidos (ainda que o primeiro seja um tanto mais longo do que deveria), o início do filme, falado em japonês, traz uma grande carga de força e poesia, e o escracho da cena final não poderia ser mais adequado. Ao mesmo tempo, a cena do pesadelo parece um equívoco do início ao fim – não apenas deslocada na narrativa, mas dentro de um espírito que não pertence ao filme -, a cena do casal que bebe perfume não consegue manter o interesse para além de seus primeiros minutos (e são muitos), e o restante passa sem incomodar, mas também sem causar maiores êxitos.

Como um todo, Ainda Orangotangos acaba tendo graves problemas de ritmo, ainda que seja um filme curto, e mesmo seus bons episódios parecem sofrer desta falta de controle no produto final, cansando antes da hora, perdendo o foco e, assim, boa parte da graça. Mas Ainda Orangotangos, o filme, não pode ser descolado de Ainda Orangotangos, o projeto – até porque os dois vivem em perfeita comunhão dentro da tela – e julgá-lo apenas pelo resultado final parece uma visão simplista e, por assim dizer, ranzinza. Porque Ainda Orangotangos é uma obra jovem e divertida, que chama o espectador para participar dessa brincadeira, ainda que com a consciência de que dela sairá algo, no mínimo, irregular. O espectador pode dizer não, é claro. Mas, dito tudo isso, resta a pergunta: por quê?

Leonardo Levis