À primeira vista,
impressiona em Ainda Orangotangos
o virtuosismo técnico: feito inteiramente em um plano-sequência,
o filme varia entre externas muito movimentadas e internas
cheias de ambientes distintos, um suposto nascer do
sol e a noite profunda, longos diálogos e complicadas
seqüências com câmera na mão, reaparição de personagens
e, inclusive, um pesadelo. Com tudo isso, a diegese
do filme é permanentemente reorganizada, feito difícil
de conseguir em um filme sem cortes. Mas todas essas
características nunca estão a favor de um mero virtuosismo
bobo, nem de uma vontade maior de experimentações visuais.
Ao mesmo tempo, não chegam a contribuir para inovação
alguma na linguagem cinematográfica, e nem se propõem
a isso. Mera curiosidade, então? Nem tanto. Todo o imenso
plano-sequência de Ainda Orangotangos parece existir sob a
premissa da diversão, do “por que não?”, da vontade
de brincar com as possibilidades menos por causa das
possibilidades, e mais pela vontade de brincar. Ainda
Orangotangos funciona como um filme de galera,
e suas “sacadas”, suas jogadas técnicas e seus cacoetes
existem como chamadas ao espectador para que compartilhe
dessa grande brincadeira.
Filme de galera, sim, e por isso Porto Alegre é parte
essencial de Ainda Orangotangos. Desde a Casa de Cinema,
pelo menos, a cidade de Porto Alegre vem se tornando
personagem dos filmes da região, mas o
longa de Spolidoro
não parece interessado em refletir sobre o que significa
viver nessa capital, ou mesmo nas regras de seu funcionamento.
Homenagem, pura e simplesmente, e mais nada, porque
o cinema não precisa conter mais que o bom-humor. Por
isso, a câmera tem de começar pelo metrô da cidade e
passar pelo mercado municipal, por isso em algum momento
o filme tem de fazer uma ode ao Internacional (o mais
perto que Ainda
Orangotangos se situa de um posicionamento político), por isso é necessário
explicar a origem do termo tri. E é assim que Spolidoro
brinca com a figura de Tainá Muller, colocando uma fotografia
dela como uma modelo bem-sucedida, ou mesmo que coloca,
em todos os momentos que pode, um rock independente gaúcho, como que para sublinhar
o universo ao qual seu filme pertence. Filme de galera,
sim, sempre, mas nunca um filme fechado.
Mas, se a premissa encanta por sua garra e sua vontade
de diversão, e se isso transparece na tela sempre, dando
frescor, leveza e liberdade às imagens, a verdade é
que Ainda Orangotangos, infelizmente, está longe de ser
inteiramente bem-sucedido em sua proposta. Talvez até
mesmo por causa desse descompromisso com o objeto final, ou pelas limitações impostas
pela necessidade do plano-sequência,
a obra acabada é bastante irregular, variando entre
momentos nos quais a veia cômica
– ou até mesmo a poética – funciona bastante bem, e
outros nos quais o filme perde completamente seu interesse,
fim bastante lógico considerando sua estrutura fragmentada,
fundada como uma série de curtas-metragens. Analisados
como curtas-metragens, os episódios de diálogo no ônibus
ou na loja de conveniência são bastante bem-sucedidos
(ainda que o primeiro seja um tanto mais longo do que
deveria), o início do filme, falado em japonês, traz
uma grande carga de força e poesia, e o escracho da
cena final não poderia ser mais adequado. Ao mesmo tempo,
a cena do pesadelo parece um equívoco do início ao fim
– não apenas deslocada na narrativa, mas dentro de um
espírito que não pertence ao filme -, a cena do casal
que bebe perfume não consegue manter o interesse para
além de seus primeiros minutos (e são muitos), e o restante
passa sem incomodar, mas também sem causar maiores êxitos.
Como um todo, Ainda
Orangotangos acaba tendo graves problemas de ritmo,
ainda que seja um filme curto, e mesmo seus bons episódios
parecem sofrer desta falta de controle no produto final,
cansando antes da hora, perdendo o foco e, assim, boa
parte da graça. Mas Ainda Orangotangos, o filme, não pode ser descolado
de Ainda Orangotangos,
o projeto – até porque os dois vivem em perfeita comunhão
dentro da tela – e julgá-lo apenas pelo resultado final
parece uma visão simplista e, por assim dizer, ranzinza.
Porque Ainda Orangotangos
é uma obra jovem e divertida, que chama o espectador
para participar dessa brincadeira, ainda que com a consciência
de que dela sairá algo, no mínimo, irregular. O espectador
pode dizer não, é claro. Mas, dito tudo isso, resta
a pergunta: por quê?
Leonardo Levis
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