NÃO CONTE A NINGUÉM
Guillaume Canet, Ne le dis à personne, França, 2006
A figura do “falso suspeito” é uma das premissas mais recorrentes no suspense hitchcockiano, e rendeu ao mestre alguns de seus melhores filmes (39 Degraus ou Intriga Internacional,por exemplo). Aproveitando-se dessa fórmula certeira, o ator francês Guillaume Canet realiza esta sua segunda incursão na direção de longas-metragens com resultados bem interessantes. É certo que o cinema francês apresenta alguma tradição na linhagem dos thrillers, tendo Claude Chabrol como um de seus cultores habituais. Mas se Não Conte a Ninguém permanece distante da frieza analítica dos melhores momentos de Chabrol, acaba se impondo como um belo exemplar de cinema de gênero.

Temos uma trama intrincada e por vezes um excesso de personagens na história do médico (François Cluzet) que, oito anos após o misterioso assassinato da esposa, se vê, ao mesmo tempo, novamente indicado como suspeito pelo crime e tragado pela possibilidade dela ainda estar viva. O roteiro, escrito por Canet e Philippe Lefebvre a partir de um romance do americano Harlan Coben, vai sendo apresentado como um quebra-cabeças no qual falsas pistas e meias verdades se impõem, conseguindo fazer o espectador partilhar da confusão mental do protagonista, que surge de uma ótima composição de Cluzet.

Canet também demonstra, ao longo da maior parte do filme, domínio e segurança na construção de um clima uniformemente tenso, seja na costura de um conjunto, seja no desenvolvimento de seqüências, em especial as que envolvem ação física. A fuga de Cluzet, correndo a pé pelas ruas e sendo perseguido pelos policiais, impressiona bastante, e vemos aí a marca de Guillaume Canet como um artesão altamente promissor, amparado na experiência do veterano montador Hervé de Luze, colaborador habitual de Resnais e Polanski, e a quem sem dúvida pode ser creditada a pulsação taquicárdica de Não Conte a Ninguém.

Não há também como deixar de apontar alguns calcanhares de Aquiles no filme. Canet por vezes não resiste à tentação de incorrer numa certa breguice, como no momento no qual o protagonista tem uma grande revelação ao som de uma canção do U2, ou na cena final, imperdoavelmente cafona. Ou também reconhecer uma certa perda de coesão nos momentos finais, pois, como todo bom thriller, temos seu interesse mantido principalmente enquanto há dúvida, enquanto há suspense. À medida que uma verdade começa a ser revelada, temos abertura de espaço para a percepção de algumas incoerências, seja na concepção dos personagens, seja na lógica da trama. O que pode ser parcialmente compensado, pois esses momentos finais abrem espaço para que brilhe o grande André Dussollier. Ainda assim temos em Não Diga a Ninguém um exemplar bastante competente e recomendável do por vezes mal visto cinema comercial francês.


Gilberto Silva Jr.

(DVD: Ocean Pictures)

 

 





François Cluzet em ação