P.S. EU TE AMO
Richard LaGravenese, P.S. I Love You, EUA, 2007

Para quem um dia já teve Whoopi Goldberg servindo de pombo-correio mediúnico entre uma jovem viúva e seu marido morto, as cartinhas post-mortem de P.S. Eu Te Amo não passam de um exercício duvidoso de necrofilia. De fato, a morte não é algo com o qual Richard LaGravenese esteja disposto a lidar para além de seu uso como desculpa narrativa que engendre uma nova empreitada comercial de olhos lacrimejantes e lições para a vida. Figurativamente, tudo sempre se mostrará na repetição dos joguinhos de ausência-e-presença tão caros às lembranças "vivas" da comédia romântica mais viciada: a jovem viúva pensa em seu marido morto, ele subitamente reaparece, a reconforta em seus braços, fala algumas palavras sussurradas em seu ouvido, cumpre a meta de aliviar ligeiramente a dor da perda, e um corte na imagem nos mostrará que a pobre moça estava mesmo era abraçando seu próprio travesseiro. O mesmo se dará com monólogos de puro luto em frente ao espelho que serão miraculosamente transformados em diálogos alvissareiros quando a voz do falecido aparecer em off: este aqui é um filme condenado a morrer por quase tudo, menos por excesso de criatividade.

Por mais que seja o motor dramático em P.S. Eu Te Amo, a idéia da morte é evitada a todo custo. Pulamos diretamente do auge da felicidade do casal protagonista para o funeral do marido, sem explicações, sem tempo a se perder com um corpo debilitado em cena (a causa mortis, como saberemos adiante, foi um tumor cerebral, e a idéia de se filmar uma comédia romântica à beira de uma cama de hospital deve ter apavorado LaGravenese). Mais que isso, é o próprio sentimento de luto que parece inconveniente aqui. Há sempre um abismo entre a intenção de certas seqüências e sua realização, onde a dor e o pesar não passam de pequenos truques dramatúrgicos, algumas frases "profundas" deixadas pelo marido morto nas indefectíveis cartas e um sem-número de lágrimas vertidas em vão (é bem verdade que Hilary Swank não colabora muito no retrato da viúva em desespero). É um filme sobre a superação da morte onde ela própria nunca é sentida, onde o único desejo de elevação é o do operador da grua no plano final, tão óbvia e tão incontornável.

E esse filme que termina absolutamente satisfeito com sua própria mediocridade começara em tom completamente diverso. Antes que o luto se abata, antes mesmos que os créditos de abertura sejam mostrados, há um longo prólogo que nos apresenta a relação entre Holly e Gerry (Gerard Butler) no auge de sua forma. São dez minutos de uma briga que começa nas escadas do prédio e se estende pelo apartamento, envolvendo gritos de todos os níveis, objetos atirados um contra o outro, diálogos tão afiados que declaram imediatamente terem partido da cabeça de um roteirista esperto, e não de uma pessoa normal em meio a uma crise, num jogo físico entre os dois atores que está muitos passos além do simples histrionismo, já confortavelmente situado na pura afetação mesmo. Tudo é feito com tanta energia e falta de medidas que temos a impressão de assistir ao primeiro filme romântico da história a ser protagonizado por um casal usuário de crack.

É um espírito atabalhoado, francamente grosseiro, mas que LaGravenese reproduz no resto de seu filme não na chave pastelão deste prólogo, mas em seu sentido literal, do mau gosto puro. Em pequenas doses, essa "grosseria do bem" sobreviverá nos personagens coadjuvantes, especialmente em Harry Connick Jr., no papel do solteirão candidato a ocupar a vaga do marido morto, portador de uma síndrome de inaptidão às mesuras sociais, uma espécie de autismo que o faz dizer as coisas mais impróprias nos momentos mais inoportunos (num timing sempre muito divertido). O errado, o descabido, isso LaGravenese consegue registrar com algum interesse. Mas P.S. Eu Te Amo é um filme-de-mulherzinha, que sobrevive da química entre atores (essa mesma inexistente entre Swank e Butler), de momentos românticos inspirados (nada como as duas péssimas seqüências de conquista ao som de música folk irlandesa e pop barato num karaokê), e de uma estrutura dramática que envolva o espectador naquela história de amor (e não o afaste pelo uso desmedido de flashbacks e viradas narrativas que não introduzem nenhuma novidade
como a divisão em "estações do ano" mas apenas servem para arrastar nosso martírio). E sobre isso que P.S. Eu Te Amo acredita ser o certo a se fazer, é muito difícil manter interesse algum.

Rodrigo de Oliveira

 

 






Holly (Hilary Swank) lê uma das cartas deixadas pelo marido
Gerry (Gerard Butler), em sua presença fantasmática:
exercício sobrenatural da falta de criatividade.