In
the Land of Women é a chegada do
terceiro Kasdan ao cinema
americano. Há muito marginalizado, seu pai Lawrence
Kasdan é sem dúvida um dos
grandes talentos que o cinema produziu por lá. E isso
não faz nem tanto tempo. Mas a indústria é cruel. Todos
os filmes do clã Kasdan apontam, antes de mais nada,
para um cinema que não faz parte da lógica mais óbvia
de Hollywood. Jake Kasdan, o irmão de Jonathan,
sempre fez comédias, cujo tempo não fazia parte do histrionismo
do que mais faz sucesso, entre o melhor (Farrelly,
Apatow) e o pior (Shadyac) no gênero.
Talvez seja a herança mais clara entre os irmãos Kasdan:
a de criar objetos pessoais, construção de universos.
Lawrence Kadan
dirigiu, entre outros, Corpos Ardentes e O Turista
Acidental, e por isso e só isso já merece constar
entre os grandes.
A introdução útil ao leitor que desconhece a história
do cinema americano é só algo breve para que se compreenda
que a juventude de Jonathan Kasdan não vem carregada de referências tão fortes pelo acaso.
Este filme é um objeto estranho, perdido no tempo, mas
de certa forma extremamente pontual. Ele faz
parte do hoje, dos anos 2000, tem Adam Brody,
fala sobre pessoas no mundo hoje. Mas parece feito em
outro tempo, com outro espírito, planos
que não urgem pelo corte, tranqüilos ao seu tempo.
Há algo de formidável em como ele trabalha as canções,
que carregam as cenas. Algo entre Cameron Crowe, pela
seleção – e eventual pessoalidade que ressoa nas escolhas
– e o que faz mais sentido, os irmãos Farrelly,
que há muito escolhem e usam suas músicas de forma única.
Assim, Bruce Springsteen
– não é nenhuma surpresa que esteja presente também
no último dos Farrelly – é
uma extensão da amargura, solidão, e não meramente um
grande compositor quando entra em cena. E tudo isso
é feito de uma forma incrivelmente natural. Não há excesso,
não há necessidade de dizer que aqui se está colocando
uma nova canção, um novo ícone.
Jonathan Kasdan faz um filme
sobre se relacionar, a partir de uma visão bem masculina.
O que é curioso, diante de uma certa noção de que se
trata de um filme sobre um homem no mundo feminino.
Mas é sobre Carter Webb, e
arriscaria dizer sobre o próprio Jonathan Kasdan
que o filme parece refletir e olhar. Carter Webb
é o personagem de Adam Brody.
Ele escreve roteiros para filmes do tipo cine prive.
Não há nenhuma coincidência com o fato de que o público
masculino que mais cresceu com a presença destes filmes
na TV, seja a que tem Kasdan
e Brody como seus contemporâneos.
Chutado pela namorada, vai curtir a fossa e tentar colocar
a cabeça no lugar se afastando de tudo. Uma história
tipicamente americana. Lá, faz amizade com suas vizinhas,
se tornando uma figura recorrente e importante para
suas vidas. Kasdan não permite ao filme a obviedade, mas sim a simplicidade
– discernir estas idéias é compreender o filme. Assim,
os caminhos não são fáceis, sua relação com as personagens
não é baseada em momentos doces e marcantes, mas num
completo teor de cotidiano. Às vezes, um cotidiano fatalista,
mas ainda assim um cotidiano. Sua simplicidade é a de
quem filma como quem não precisa se exibir. Mas Kasdan
não apenas acompanha a cena. Seu filme está cheio de
planos pensados, e pode se dizer que na simplicidade
de sua organização, é difícil encontrar um plano feio
que seja. Na verdade, há diversos deles que são realmente
uns achados, mas de um modo tão pouco chamativo que
podem passar desapercebidos. É como se o colocar de
um personagem num plano, mais do que numa seqüência,
fosse uma questão da mais completa compreensão da relação
entre duas pessoas, dois corpos.
É por isso que o filme de Kasdan
possui um pé em Rohmer. Apesar da conversa estar em primeiro plano, e ser
uma referência óbvia, é possível ver que ela vai adiante.
Rohmer é o cineasta que consegue
enquadrar os relacionamentos em planos, justificar,
moralizar. Kasdan pode ainda
não estar nem perto (quem está, afinal?), mas parece
claro que esta compreensão ele já têm. A noção de um
personagem em crise, optando pela exclusão de seu ambiente,
não é nenhuma surpresa num universo rohmeriano,
vide A Colecionadora ou Pauline na Praia. Se a tensão por lá é maior que aqui, é muito mais pela
questão moral. Brody, ou seu
personagem – é impressionante como a faceta de Brody
enquanto ator é a dele mesmo, lhe fazendo quase que
uma figura genial mais do que um ator genial – não é
alguém mal resolvido moralmente. O seu problema está
entre ele e ele mesmo, e como isso afeta sua vida. Se
pudesse descrever o filme em uma frase, poderia dizer
que é uma versão de Rohmer
com uma inacreditável aparência de filme para TV. A
forma como Kasdan situa
a vizinhança, seus inúmeros momentos em que parte para
as fusões: é puro filme para TV, num bom sentido, pois
há uma compreensão, uma necessidade de dar ao filme
esta imagem, a de algo tão simples que se perdeu num
imaginário diário. Uma relação até mesmo com os filmes
que escreve Brody.
Em uma cena em particular, temos a prova das relações:
Brody corre ao ar livre, se
perde pelas ruas, se debate, entrecortado por cenas
do seu romance. É brega, tosco, e inapelavelmente eficiente
na sua concepção. É quando ele se torna um personagem
de um dos filmes que faz. E uma imagem tão depreciativa
quanto aquela só poderia terminar numa queda brusca
do personagem, que então volta a si. O que resolve a
vida de Brody é resolver a
vida delas. Mãe e filha, as mulheres do caso estabelecem
uma relação igual com ele. São francas,
ele é uma boa companhia, ouve mesmo que não tente
ouvir de fato seus problemas, e ao falar tanto de si
mesmo para elas termina colocando seu relacionamento
em crise – o de mãe e filha – numa situação de mutuamente
buscarem um caminho. Em muitos momentos, caímos até
em um melodrama, talvez os momentos com que Kasdan
lide com mais desapego. Um gênero naturalmente difícil
de se lidar. Há algo de meio desleixado, o que aumenta
a teoria da visão masculina, nas cenas que dão conta
deste relacionamento, mesmo que Kasdan
esteja sempre ciente, e sem qualquer dúvida, do quão
importante para os personagens e para o filme aquilo
é. As cenas em que elas lidam com Brody/Carter,
e a partir disso falam uma da outra, são muito melhores,
em todos os sentidos, algumas até mesmo excelentes.
É um filme que faz pouco sentido na sua ausência, mesmo
que algumas seqüências entre
a irmã mais nova de Kristen
Stewart (a filha) e ela sejam
ótimas. Ver o mundo de uma forma simples,
mostrá-lo assim, não é não ter consciência de
uma gama de problemas que estar nele, sentindo, pulsando,
podem causar. Este é um filme sobre a simplicidade do
sofrer, e a alegria de se recuperar. Ou algo assim.
Guilherme Martins
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