O Amor nos Tempos do Cólera deixa
transparecer de início a verdade de suas estratégias
narrativas: o recurso utilizado para nos apresentar
o drama vivido pelos personagens, um grande flashback-insert que
parte de uma situação-clímax para contemplar, ao seu
fim, o desfecho desta situação, tenta emprestar o sentido
de suspense e de tragédia à história, mas seu peso
de clichê sem justificativas revela-se maior. E tudo
no decorrer do filme corrobora esta sensação de indistinção
de suas escolhas dramáticas e cinematográficas.
Nesta Colômbia do final do século XIX filmada por Mike Newell, os homens e mulheres
falam inglês com sotaque local. Tal fato, injustificado historicamente, parte
certamente da instância produtora do filme, pois não apresenta sequer alguma
base conceitual – como acontece, por exemplo, em Sukiyaki Western Django,
de Takashi Miike, visto na última Mostra de São Paulo. Nos encontramos, portanto,
desde o início, num terreno pantanoso, entre o substrato cultural local e a apropriação
estrangeira. E este tipo de operação torna-se ainda mais problemática por tratar-se
da adaptação de uma obra literária colombiana, de um escritor que flerta com
o realismo social.
O que enunciam os personagens os afasta das ruas que eles habitam, do momento
histórico que atravessam e da própria verdade das emoções que eles vivem. A história
de amor impossível levada a um extremo incomum – ter que resistir à quase totalidade
da duração da vida dos apaixonados para contemplar seu “final feliz” – , traz
consigo algo da essência do melodrama latino-americano, de sua abstração de limites
no que tange ao desafio da ordem social vigente pelos imperativos do amor. Mas
no limbo em que O Amor nos Tempos do Cólera se instala, não há possibilidade
de diálogos mais ricos nem com a tradição deste gênero.
Tudo o que poderia ser articulação significativa no filme encontra-se esvaziado.
O paradoxo da convivência entre amor romântico – sublime, idealizado, espiritualizado,
eterno, que despreza em grande medida a carne – e “amor prático” – sexo abundante
por parte de Florentino e um bom casamento por parte de Fermina –, por exemplo,
não ganha atenção alguma dentro do desenvolvimento do filme. Ambos os personagens
parecem ceder às contingências da vida real em detrimento de uma provável ilusão
de adolescência pelo simples avançar da narrativa. O mesmo se aplica com o jogo
de forças entre a vida afetiva dos personagens e a História que a acompanha (sob
o signo da epidemia de cólera) e que termina vencida, relegada a pano de fundo.
Mais do que os notáveis problemas de interpretação do elenco, que parece ignorar
o tom que o filme espera dele, e da maquiagem para promover o envelhecimento – não
há borracha que permita-nos crer num envelhecimento de 50 anos forjado –, é o
aspecto de minissérie televisiva condensada o que mais prejudica O Amor nos
Tempos do Cólera. A sensação de que a história deve ser contada a qualquer
custo, não obstante a criação de clima, a articulação de proposições capaz de
intuir um mundo ou o próprio sentimento de verdade do que é narrado. “Aprende-se” a
história, mas a arte, seja a do cinema, seja a da literatura, passa longe.
Tatiana Monassa
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