Realizado
logo após a virada do século, este é mais um dos frutos
estranhos a surgirem neste período, onde o cinema de
ação estava estagnado, sem qualquer inventividade, incapaz
de criar novas formas. John McTiernan (e outros veteranos,
como Walter Hill), realizou alguns de seus filmes mais
estranhos, e por que não, radicais, neste período. Um
momento absolutamente revisionista, onde se buscava
origens narrativas do passado para realizar dramaturgias
do presente, o que ainda respinga nos dias atuais; Thomas
Crown – A Arte do Crime dialogava com esta mesma
idéia, mas ainda era um rascunho para o radicalismo
de Rollerball, um filme verdadeiramente pesado.
Certamente
não é coincidência que tanto Thomas Crown quanto
Rollerball sejam refilmagens de obras de Norman
Jewison, este sim um cineasta com pouca criatividade
em qualquer momento. E é ainda mais interessante quando
observamos o quão mais sofisticadas e bem imaginadas
visualmente são as versões de McTiernan, em oposição
à caretice das versões de Jewison. Rollerball
é, sem dúvida, o filme em que McTiernan mais se arrisca.
Os sinais estão evidentes por toda a parte, de sua montagem
por vezes frenética à suas cores borradas; na forma
como lida com a histeria televisiva, mostrando extrema
coragem ao expô-la frontalmente no filme – outro ponto
que liga McTiernan a Walter Hill, cujo O Imbatível,
datado do mesmo ano, dá igual tratamento a estética
televisiva e seu grande-angularismo.
Rollerball
é um filme exagerado. Nas formas, na violência, na ação
desenfreada. Só que mesmo que deseje captar esta atmosfera
descrita, McTiernan nunca perde a noção do que está
realizando, nunca perde o controle sobre o filme. Por
isso, quando deve pausar o seu ritmo, ele pausa, sem
perder por isto seu tom de histrionismo. Estas pausas
são raras, e geralmente estão lá apenas para repercutir
e preparar a ação seguinte, sempre cuidadosamente construída
(mesmo quando espalhafatosa, como as dos campos onde
ocorrem as partidas). O filme em si já parte de uma
idéia absurda, a do espetáculo esportivo rollerball,
onde pessoas se digladiam num verdadeiro palco chamado
de “arena”, onde vale tudo para colocar as bolas no
gol adversário. A visão de McTiernan para algo tão incrivelmente
desumano quanto este espetáculo é a visão do absurdo.
O diretor adota este conceito visual, exagerado na essência,
mas refletido diretamente em sua dramaturgia, e se deixa
contaminar por esta noção do absurdo.
O filme
já abre se jogando, literalmente, na ação, numa seqüência
sem qualquer justificativa narrativa, onde impera a
ação pela ação. Chris Klein, o protagonista, entra numa
corrida clandestina, onde ele e um adversário se jogam
em skates humanos pelas movimentas ruas em descidas
infinitas. Ao ser salvo pelo amigo LL Cool J, é saudado
com um “você continua tentando se matar” – e assim entramos
de vez no mundo de Rollerball. A opção por tratar
seus personagens com uma dramaturgia absolutamente superficial,
onde vale muito mais a imposição de seus corpos e expressões,
do que quaisquer profundidades, certamente afasta um
tanto o público do filme. Mesmo seus protagonistas têm
um desenvolvimento para lá de superficial, nada que
vá além do deixar claro que, apesar de seus defeitos,
são boas pessoas. A opção pelo superficial faz todo
o sentido diante do filme que McTiernan criou, mas ainda
assim os vilões do filme, Jean Reno e Naveen Andrews,
são um problema evidente em cena. Sempre que eles viram
peças fundamentais para a estrutura dramática do filme,
terminam por atrapalhar. Funcionam apenas quando são
meros objetos cínicos de cena, como na primeira seqüência
de jogo no filme.
Há pelo
menos uma seqüência antológica no filme, a fuga de Klein
e LL Cool J pelo deserto frio e escuro do Uzbequistão,
agonizante e desesperadora. A cena inteira é filmada
com câmera noturna, tornando a imagem completamente
verde. McTiernan e seu fotógrafo tiram o máximo dessa
longa seqüência, feita de poucos e precisos planos,
captando com brilhantismo a atmosfera em cena, e sua
inevitável fatalidade. Não chega a ser o oposto, mas
a seqüência final é, de certa forma, decepcionante.
É um momento épico, onde muita coisa ocorre em cena,
a violência perde qualquer limite, mas aqui, infelizmente,
McTiernan peca por se apressar. Justamente pela força
que possui, ela decepciona, já que se feita com maior
cuidado poderia ser mais uma digna daquela mesma antologia.
Como está, é um bom rascunho. Mais do que apenas a vingança
de Jonathan Cross, assistimos uma verdadeira revolução
ser iniciada à base do sangue de incontáveis mortos.
Rollerball quebra qualquer lógica comportamental
do que seriam os mocinhos, se encerrando com um espírito
de um verdadeiro cinema extremo. Um filme-problema,
mas antes disso, um filme fascinante.
Guilherme Martins
(DVD: Columbia TriStar)
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