ROLLERBALL
John McTiernan, Rollerball, EUA, 2002

Realizado logo após a virada do século, este é mais um dos frutos estranhos a surgirem neste período, onde o cinema de ação estava estagnado, sem qualquer inventividade, incapaz de criar novas formas. John McTiernan (e outros veteranos, como Walter Hill), realizou alguns de seus filmes mais estranhos, e por que não, radicais, neste período. Um momento absolutamente revisionista, onde se buscava origens narrativas do passado para realizar dramaturgias do presente, o que ainda respinga nos dias atuais; Thomas Crown – A Arte do Crime dialogava com esta mesma idéia, mas ainda era um rascunho para o radicalismo de Rollerball, um filme verdadeiramente pesado.

Certamente não é coincidência que tanto Thomas Crown quanto Rollerball sejam refilmagens de obras de Norman Jewison, este sim um cineasta com pouca criatividade em qualquer momento. E é ainda mais interessante quando observamos o quão mais sofisticadas e bem imaginadas visualmente são as versões de McTiernan, em oposição à caretice das versões de Jewison. Rollerball é, sem dúvida, o filme em que McTiernan mais se arrisca. Os sinais estão evidentes por toda a parte, de sua montagem por vezes frenética à suas cores borradas; na forma como lida com a histeria televisiva, mostrando extrema coragem ao expô-la frontalmente no filme – outro ponto que liga McTiernan a Walter Hill, cujo O Imbatível, datado do mesmo ano, dá igual tratamento a estética televisiva e seu grande-angularismo.

Rollerball é um filme exagerado. Nas formas, na violência, na ação desenfreada. Só que mesmo que deseje captar esta atmosfera descrita, McTiernan nunca perde a noção do que está realizando, nunca perde o controle sobre o filme. Por isso, quando deve pausar o seu ritmo, ele pausa, sem perder por isto seu tom de histrionismo. Estas pausas são raras, e geralmente estão lá apenas para repercutir e preparar a ação seguinte, sempre cuidadosamente construída (mesmo quando espalhafatosa, como as dos campos onde ocorrem as partidas). O filme em si já parte de uma idéia absurda, a do espetáculo esportivo rollerball, onde pessoas se digladiam num verdadeiro palco chamado de “arena”, onde vale tudo para colocar as bolas no gol adversário. A visão de McTiernan para algo tão incrivelmente desumano quanto este espetáculo é a visão do absurdo. O diretor adota este conceito visual, exagerado na essência, mas refletido diretamente em sua dramaturgia, e se deixa contaminar por esta noção do absurdo.

O filme já abre se jogando, literalmente, na ação, numa seqüência sem qualquer justificativa narrativa, onde impera a ação pela ação. Chris Klein, o protagonista, entra numa corrida clandestina, onde ele e um adversário se jogam em skates humanos pelas movimentas ruas em descidas infinitas. Ao ser salvo pelo amigo LL Cool J, é saudado com um “você continua tentando se matar” – e assim entramos de vez no mundo de Rollerball. A opção por tratar seus personagens com uma dramaturgia absolutamente superficial, onde vale muito mais a imposição de seus corpos e expressões, do que quaisquer profundidades, certamente afasta um tanto o público do filme. Mesmo seus protagonistas têm um desenvolvimento para lá de superficial, nada que vá além do deixar claro que, apesar de seus defeitos, são boas pessoas. A opção pelo superficial faz todo o sentido diante do filme que McTiernan criou, mas ainda assim os vilões do filme, Jean Reno e Naveen Andrews, são um problema evidente em cena. Sempre que eles viram peças fundamentais para a estrutura dramática do filme, terminam por atrapalhar. Funcionam apenas quando são meros objetos cínicos de cena, como na primeira seqüência de jogo no filme.

Há pelo menos uma seqüência antológica no filme, a fuga de Klein e LL Cool J pelo deserto frio e escuro do Uzbequistão, agonizante e desesperadora. A cena inteira é filmada com câmera noturna, tornando a imagem completamente verde. McTiernan e seu fotógrafo tiram o máximo dessa longa seqüência, feita de poucos e precisos planos, captando com brilhantismo a atmosfera em cena, e sua inevitável fatalidade. Não chega a ser o oposto, mas a seqüência final é, de certa forma, decepcionante. É um momento épico, onde muita coisa ocorre em cena, a violência perde qualquer limite, mas aqui, infelizmente, McTiernan peca por se apressar. Justamente pela força que possui, ela decepciona, já que se feita com maior cuidado poderia ser mais uma digna daquela mesma antologia. Como está, é um bom rascunho. Mais do que apenas a vingança de Jonathan Cross, assistimos uma verdadeira revolução ser iniciada à base do sangue de incontáveis mortos. Rollerball quebra qualquer lógica comportamental do que seriam os mocinhos, se encerrando com um espírito de um verdadeiro cinema extremo. Um filme-problema, mas antes disso, um filme fascinante.

Guilherme Martins

(DVD: Columbia TriStar)