Alain Resnais, ilustrado

Texto sobre a série House (foto), Jairo Ferreira no Festival de Curtas de SP e Imagens ao Nosso Redor: "Pollock ao redor de Júpiter" e "A Luva e o Chapéu".

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Possuídos, de William Friedkin (foto) como filme em questão, Os Anjos Exterminadores, de Jean-Claude Brisseau, Santiago, de João Moreira Salles, e O Grande Chefe, de Lars von Trier, entre outros.

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Novos olhares sobre o cineasta John McTiernan (foto: Thomas Crown – A Arte do Crime), no dossi� completo de sua obra.

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Yang, Bergman, Antonioni, Isou

A lógica da memória espanta. Nesses dois meses que se passaram entre uma edição e outra de Contracampo, quatro mortes de diretores que fizeram obras decisivas para a arte cinematográfica: primeiro Edward Yang (29 de junho), Isidore Isou (28 de julho), Ingmar Bergman (30 de julho) e por fim Michelangelo Antonioni (também 30 de julho). Acompanhamos tudo meio espantados, alguns porque a morte veio como um espanto (Yang, sem dúvida, talvez Bergman), alguns porque sabíamos que era chegada a hora, uma vez a obra inteiramente completa (Bergman, Antonioni), e ao menos um caso em que a morte veio trazer à tona alguém sobre o qual já nem mais se falava, sequer sabia-se que estava vivo: Isidore Isou.

Mas o espanto maior deriva não do fato de que essas mortes aconteceram, nem que aconteceram tão próximas umas das outras, e tampouco do fato de que a repercussão de cada uma dessas mortes foi bastante diversa em atenção e pompa – isso é o esperado, e entra como mais um exemplo do automatismo reflexo do senso comum midiático, que mais se esforça por corroborar o já sabido do que por buscar novos ângulos de observar as coisas; questão de redundância protocolar. Assim, o velório de cada um desses cineastas foi acompanhado de epitáfios vagos que funcionaram como a soma simbólica de uma vulgata: assim Edward Yang é autor de As Coisas Simples da Vida (e não um cineasta decisivo cujos filmes jamais foram trazidos ao Brasil), Antonioni é o "poeta da angústia" ou outra platutude qualquer, Bergman é arauto da morte de Deus ou sei lá mais o quê.

Mas pior que isso, sem dúvida, é a lógica que, a propósito da morte no mesmo dia de dois pilares do "cinema de arte" dos anos 60, constrói uma cisão entre passado glorioso e presente desanimador que repousa mais numa incapacidade de olhar do que num testemunho embasado, como se faltasse ao presente aquilo que só com o tempo passamos a atribuir ao passado, um senso de orientação artístico-filosófica definido, um certo número de características culturais-formais, etc. É lamentável ver que até numa arte jovem como o cinema, há aqueles que se instalam pesadamente num discurso mortificador de fazer parar o fluxo da História e declarar apogeus e decadências.

Mais lamentável ainda quando, nesse mesmo período de tempo, estrearam nas principais cidades brasileiras dois filmes decisivos que, de alguma forma, lidam com questões de persistência da vida, força da morte, desestímulo do cotidiano. E dois filmes que são prova tanto de grande vigor artístico quanto de poder autoral: Medos Privados em Lugares Públicos de Alain Resnais e Em Busca da Vida de Jia Zhang-Ke vieram dar alento a um ano cinematográfico até então muito pouco generoso em filmes interessantes (o editorial anterior falava justamente nisso). Só o fato de haver dois filmes como esses, que carregam consigo questões artísticas similares às dos realizadores falecidos, já dá prova de erro ao discurso de miséria dos tempos contemporâneos.

Nós, que não temos nada com essa onda de sujeito filão de velório, nos dedicamos ao que nos interessa. Jia Zhang-Ke já tendo sido volta e meia referido na revista, dedicamos nossa atenção a um olhar mais detido sobre os filmes de Alain Resnais a partir de um incrível retorno (não à forma, que nunca perdeu, mas às salas de cinema). Da mesma forma, aproveitamos a ocasião para publicar uma série de escritos importantes e documentos de Michelangelo Antonioni que estranhamente jamais foram publicados no Brasil, e assim prestar uma homenagem a um artista decisivo do cinema. Que ele tenha recebido um dossiê não implica que obrigatoriamente estejamos relegando a Bergman ou a Yang um escalão de menor importância (ainda que, para parte significativa da redação, Antonioni de fato ocupe um lugar de muito mais destaque do que Bergman, ao menos; no entanto, isso não vem ao caso agora). Se as mortes permitem pela primeira vez uma visão definitiva sobre o conjunto completo da obra, ao mesmo tempo elas provocam julgamentos forçados, tomadas de partido um tanto arbitrárias, e comparações estapafúrdias. Deixemos um outro momento para avaliar com mais propriedade a obra desses realizadores. No caso de Edward Yang, ao menos, será rápido.

A edição se completa com um dossiê analisando a carreira e os filmes de John McTiernan, cineasta que passou boa parte de sua carreira sem receber um olhar de conjunto que almejasse buscar suas preocupações formais, ao prolongamento dos temas e tratamentos, ou seja, a coerência de uma carreira cheia de filmes com personalidade dentro de um universo como Hollywood que, hoje como ontem, não pede muito além de uma eficiência uniformizada, mecânica. O ânimo, como sempre, é de levantar questões, buscar trazer novos olhares que tentem dar conta da diversidade de usos e emoções de que se compõe o viver-cinema de hoje que, sim, como sempre, apresenta belezas incríveis, propostas inovadoras e criatividade exuberante em diversos cantos distintos do mundo. Só cabe a nós atentar. E experimentar.

 
     
  Ruy Gardnier