O PREDADOR
John McTiernan, Predator, EUA, 1987

Diz o dicionário que artesão é o indivíduo que exerce uma arte de forma individual. John McTiernan é um artesão. Um cineasta que precisa de pouco, muito pouco, para criar cinema – mas cuja ambição criativa é tão pequena quanto. E se há um filme na carreira de McTiernan que pode ser chamado de um exemplo claro de um trabalho de artesanato no cinema, este filme é O Predador. Primeiro porque se trata de um clássico caso de uma atualização de gênero. No caso, o filme de ação – que, por si, não deixa de ser uma forma de continuação do faroeste –, encontra aqui um duplo perfeito deste conceito. A idéia de um grupo de homens que trabalham lado a lado empunhando suas armas no meio do nada, perdidos diante de uma ameaça que vem do desconhecido, já é uma idéia absolutamente westerniana. São nos pequenos detalhes, no entanto, que iremos encontrar os elementos mais evidentes de uma reformulação do faroeste, nos trejeitos dos personagens, seus hábitos. É algo na maneira como McTiernan capta estes detalhes, transformando o bando de Dutch (Arnold Schwarzenegger) numa espécie de wild bunch contemporâneo, com o velho oeste sendo transformado numa atmosfera de militarismo, e assim por diante. São coisas que formam um universo masculinizado, por vezes grosseiro, como a cusparada de um deles, a queda de braço ou a lâmina de barbear incessante que Bill Duke passa em seu rosto. Sem falar na presença do índio, figura onipresente dos faroestes, que no presente faz parte do bando, num universo oitentista onde as ameaças só poderiam vir do leste europeu ou, como aqui, do espaço.

E O Predador é um filme absolutamente simples. É feito de planos diretos, articulados com perfeição para acompanharem a ação da forma mais concisa. Daí ser uma obra tão importante dentro de uma idéia de artesanato. É um filme que se limita a seguir a ação, e que leva esse conceito muito a sério. Não há espaço para excessos, McTiernan explora ao máximo, na montagem, um conceito de cortes secos, crus. Aquilo que o diferencia mais diretamente dos filmes de ação recentes, aquilo que está presente a cada corte necessário: o tempo. Se não é o mais brilhante de seus filmes, é certamente aquele em que mais perto chega de executar com perfeição um projeto estético. É um filme sem arestas, seguro, conciso, dramaticamente bem construído, precisa de poucos planos para montar uma atmosfera de tensão ou ação, narra sua história simples sem nunca permitir que sua simplicidade se torne um problema. É o mais perfeito caso de um domínio completo das engrenagens da linguagem. Um filme em que McTiernan arrisca menos do que viria a fazer no futuro, sobretudo em O Último Grande Herói, mas que deixa uma idéia de que o melhor de McTiernan seria mesmo o artesanato. E diante de um cineasta tão talentoso, criador de seqüências incríveis como a da invasão ao QG dos terroristas, que possui pelo menos um plano antológico onde a câmera de McTiernan se arrasta no chão com Schwarzenegger para, num movimento, revelar todo o acampamento inimigo, é impossível não se frustrar diante do comodismo do cineasta, satisfeito como um exímio trabalhador.

Não só do perfeito artesanato é feito O Predador. McTiernan constrói algumas imagens impressionantes, absolutamente iconoclásticas, como o charuto de Schwarzenegger sendo aceso após toda a construção de cena. São momentos que merecem a eternidade. Então um cineasta capaz de criar tais imagens é apenas um artesão? McTiernan certamente impõe uma questão e uma possível contradição a quem lhe tenta categorizar. Seu talento pode, por vezes, subverter a lógica comportada do artesanato, mas é o próprio que se porta como um. É muito importante notar as diferenças entre o artesanato e o cinema de gênero per si. Se observarmos, por exemplo, as semelhanças estruturais que evidentemente existem entre a batalha final que Schwarzenegger tem aqui contra o predador, e, na obra-prima de James Cameron, O Exterminador do Futuro 2, contra o andróide, veremos que a encenação das duas refletem para estas obras especificas, e para um conjunto de obra dos dois cineastas, coisas muito diferentes. McTiernan, aqui, prova que o artesanato jamais impediu alguém de fazer grandes filmes.

Guilherme Martins

(DVD: Fox)

 

 





Dutch, camuflado, percebe a movimentação do mal invisível, em cena de O Predador