Diz o
dicionário que artesão é o indivíduo que exerce uma
arte de forma individual. John McTiernan é um artesão.
Um cineasta que precisa de pouco, muito pouco, para
criar cinema – mas cuja ambição criativa é tão pequena
quanto. E se há um filme na carreira de McTiernan que
pode ser chamado de um exemplo claro de um trabalho
de artesanato no cinema, este filme é O Predador.
Primeiro porque se trata de um clássico caso de uma
atualização de gênero. No caso, o filme de ação – que,
por si, não deixa de ser uma forma de continuação do
faroeste –, encontra aqui um duplo perfeito deste conceito.
A idéia de um grupo de homens que trabalham lado a lado
empunhando suas armas no meio do nada, perdidos diante
de uma ameaça que vem do desconhecido, já é uma idéia
absolutamente westerniana. São nos pequenos detalhes,
no entanto, que iremos encontrar os elementos mais evidentes
de uma reformulação do faroeste, nos trejeitos dos personagens,
seus hábitos. É algo na maneira como McTiernan capta
estes detalhes, transformando o bando de Dutch (Arnold
Schwarzenegger) numa espécie de wild bunch contemporâneo,
com o velho oeste sendo transformado numa atmosfera
de militarismo, e assim por diante. São coisas que formam
um universo masculinizado, por vezes grosseiro, como
a cusparada de um deles, a queda de braço ou a lâmina
de barbear incessante que Bill Duke passa em seu rosto.
Sem falar na presença do índio, figura onipresente dos
faroestes, que no presente faz parte do bando, num universo
oitentista onde as ameaças só poderiam vir do leste
europeu ou, como aqui, do espaço.
E O
Predador é um filme absolutamente simples. É feito
de planos diretos, articulados com perfeição para acompanharem
a ação da forma mais concisa. Daí ser uma obra tão importante
dentro de uma idéia de artesanato. É um filme que se
limita a seguir a ação, e que leva esse conceito muito
a sério. Não há espaço para excessos, McTiernan explora
ao máximo, na montagem, um conceito de cortes secos,
crus. Aquilo que o diferencia mais diretamente dos filmes
de ação recentes, aquilo que está presente a cada corte
necessário: o tempo. Se não é o mais brilhante de seus
filmes, é certamente aquele em que mais perto chega
de executar com perfeição um projeto estético. É um
filme sem arestas, seguro, conciso, dramaticamente bem
construído, precisa de poucos planos para montar uma
atmosfera de tensão ou ação, narra sua história simples
sem nunca permitir que sua simplicidade se torne um
problema. É o mais perfeito caso de um domínio completo
das engrenagens da linguagem. Um filme em que McTiernan
arrisca menos do que viria a fazer no futuro, sobretudo
em O Último Grande Herói, mas que deixa uma idéia
de que o melhor de McTiernan seria mesmo o artesanato.
E diante de um cineasta tão talentoso, criador de seqüências
incríveis como a da invasão ao QG dos terroristas, que
possui pelo menos um plano antológico onde a câmera
de McTiernan se arrasta no chão com Schwarzenegger para,
num movimento, revelar todo o acampamento inimigo, é
impossível não se frustrar diante do comodismo do cineasta,
satisfeito como um exímio trabalhador.
Não só
do perfeito artesanato é feito O Predador. McTiernan
constrói algumas imagens impressionantes, absolutamente
iconoclásticas, como o charuto de Schwarzenegger sendo
aceso após toda a construção de cena. São momentos que
merecem a eternidade. Então um cineasta capaz de criar
tais imagens é apenas um artesão? McTiernan certamente
impõe uma questão e uma possível contradição a quem
lhe tenta categorizar. Seu talento pode, por vezes,
subverter a lógica comportada do artesanato, mas é o
próprio que se porta como um. É muito importante notar
as diferenças entre o artesanato e o cinema de gênero
per si. Se observarmos, por exemplo, as semelhanças
estruturais que evidentemente existem entre a batalha
final que Schwarzenegger tem aqui contra o predador,
e, na obra-prima de James Cameron, O Exterminador
do Futuro 2, contra o andróide, veremos que a encenação
das duas refletem para estas obras especificas, e para
um conjunto de obra dos dois cineastas, coisas muito
diferentes. McTiernan, aqui, prova que o artesanato
jamais impediu alguém de fazer grandes filmes.
Guilherme Martins
(DVD: Fox)
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