Antes
de filmar A Caçada ao Outubro Vermelho, John
McTiernan fizera O Predador e Duro de Matar,
dois filmes que quase por si só estabeleceram o formato
do novo filme de ação americano pelos dez anos seguintes
(sem contar terem estabelecido como astros A, Arnold
Schwarzenegger e Bruce Willis). Ambos eram filmes relativamente
simples, de orçamentos baixos, onde um conceito típico
de filme B ganhava nas mãos de McTiernan uma vitalidade
de espetáculo físico, assim como um peso que a proposta
inicial parecia esconder (O Predador, por exemplo,
permanece junto ao Aliens de James Cameron, o
mais honesto filme americano sobre a experiência do
país no Vietnã, apesar de ambos tecnicamente serem sobre
soldados enfrentando uma entidade alienígena). Não é
pouco e, de certa forma, são filmes que assombram a
reputação do cineasta desde então.
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A Caçada ao Outubro Vermelho. As diferenças são
visíveis: trata-se de uma produção A, de grande orçamento,
com um astro mais que provado (Sean Connery), adaptado
de um popular best-seller. Mais importante, o filme
marca o encontro de dois subgêneros do filme de ação
bastante específicos, o thriller de espionagem “realista”
e o filme de submarino. Trata-se, portanto, de uma oportunidade
para McTiernan se firmar num espaço cinematográfico,
digamos, mais respeitável sem, porém, abrir mão da sua
posição de cineasta popular. Há algo que aproxima os
dois subgêneros que diz muito sobre este desejo de McTiernan:
se ambos existem às margens do filme de ação, ambos
são definidos justamente por uma recusa da ação. Dada
a natureza bastante particular do caráter de um confronto
entre submarinos, os filmes passados dentro deles, naturalmente,
se estruturam de maneira a criar tensão a partir da
tentativa de se evitar a ação, geralmente reservada
ao máximo para o clímax. Já o thriller de espionagem
é um subgênero que, de certo forma, existe ao mesmo
tempo assombrado e em oposição a série 007 e,
logo, tem como principal característica apresentar sua
suposta autenticidade e desglamourizar o processo de
espionagem nos dando um herói que antes de mais nada
precisa lidar com longos jogos burocráticos e uma ação
que existe muito mais em tensas trocas de diálogos.
Por conseqüência,
A Caçada ao Outubro Vermelho não é um espetáculo
físico tão visceral quanto os filmes anteriores de McTiernan,
e em alguns momentos podemos sentir como se o cineasta
estivesse marcando tempo e pesando um pouco a mão para
afirmar que esta comandando mais do que simplesmente
o último blockbuster de ação. Ele certamente
dá mais atenção do que necessário para as observações
de Tom Clancy sobre os últimos momentos da Guerra Fria,
o que garante que o filme soe mais datado do que precisaria.
Se em O Predador e Duro de Matar, McTiernan
estabelecia o significado da imagem através da ação,
aqui o significado já nos vem dado de antemão na maior
parte do tempo. Uma longa sinopse de A Caçada ao
Outubro Vermelho nos diria bem mais sobre o filme
do que uma de O Predador. Sem dúvidas, perde-se
algo neste processo – e eu diria que John McTiernan
nunca repetiu a eficácia de seus dois filmes anteriores
–, mas ao mesmo tempo é preciso dizer que o cineasta
se aproveita ao máximo do que as vantagens de estar
à frente de uma produção mais ambiciosa com múltiplas
locações e um amplo elenco de character actors
à sua disposição. Além disso, McTiernan não é um Ron
Howard e sabe muito bem como evitar os maiores problemas
de um filme inflado. A Caçada ao Outubro Vermelho
nunca deixa de se ancorar no específico de cada situação
que apresenta. Alguns de seus momentos mais saborosos
são tão simples quanto mostrar a forma concentrada como
um Courtney B. Vance encara seu painel de controle.
Se A Caçada ao Outubro Vermelho não chega a integrar
a grande trinca de filmes de John McTiernan (O Predador,
Duro de Matar e O Último Grande Herói),
não deixa de ser o triunfo maior de suas habilidades
como artesão, uma grande produção em que cada elemento
parece perfeitamente calibrado e efetivo.
Como já
mencionei, o filme nos apresenta o encontro de dois
gêneros e, por conseqüência, tem dois protagonistas:
Ramius (Connery), o veterano comandante do submarino
russo que tenta desertar, e Jack Ryan (Alec Baldwin),
o analista da CIA sem experiência de campo que tenta
convencer seus superiores de que o Outubro Vermelho
não é uma ameaça. McTiernan constrói o filme como duas
narrativas paralelas, um filme de submarino estrelado
por Ramius e outro de espionagem protagonizado por Ryan,
com as seqüências do submarino americano comandado por
Scott Glenn servindo de ponte entre os dois filmes.
Graças ao exemplar trabalho de montagem (a cargo de
Dennis Virkler e John Wright), McTiernan equilibra bem
as duas estâncias, e encontra no filme a oportunidade
para fazer um jogo de múltiplos espaços opressores:
o interior dos submarinos por uma questão física, o
universo burocrático do governo americano por razões
ideológicas e institucionais. Ao mesmo tempo McTiernan
vai sutilmente construindo o filme de modo a nos apresentar
a maneira como múltiplas ações ecoam na guerra silenciosa
entre americanos e russos, o que alcança o ápice no
perfeitamente construído clímax em que Ramius e Ryan
tentam impedir um sabotador. Enquanto Glenn comanda
o Outubro Vermelho, que tenta fugir de um outro submarino
russo, o submarino do próprio Glenn precisa ajudar o
Outubro Vermelho sem abrir fogo, e a tripulação deste
último – que havia sido evacuada – assiste a tudo de
um bote, sem realmente compreender nem as manobras que
se realizam dentro d’água, nem os objetivos dos envolvidos.
A seqüências envolve cinco espaços diferentes (três
salas de controles de submarinos, a outra área do Outubro
Vermelho em que Ryan e Ramius perseguem o sabotador
e o bote na superfície) e um sem número de ações de
cerca mais de uma dúzia de personagens, e aí percebemos
como, discretamente, McTiernan usa os diversos recursos
a sua mão para o coreografar o jogo de xadrez da Guerra
Fria.
Filipe Furtado
(DVD: Paramount)
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