A CAÇADA AO OUTUBRO VERMELHO
John McTiernan, The Hunt for Red October, EUA, 1990

Antes de filmar A Caçada ao Outubro Vermelho, John McTiernan fizera O Predador e Duro de Matar, dois filmes que quase por si só estabeleceram o formato do novo filme de ação americano pelos dez anos seguintes (sem contar terem estabelecido como astros A, Arnold Schwarzenegger e Bruce Willis). Ambos eram filmes relativamente simples, de orçamentos baixos, onde um conceito típico de filme B ganhava nas mãos de McTiernan uma vitalidade de espetáculo físico, assim como um peso que a proposta inicial parecia esconder (O Predador, por exemplo, permanece junto ao Aliens de James Cameron, o mais honesto filme americano sobre a experiência do país no Vietnã, apesar de ambos tecnicamente serem sobre soldados enfrentando uma entidade alienígena). Não é pouco e, de certa forma, são filmes que assombram a reputação do cineasta desde então.

Entra A Caçada ao Outubro Vermelho. As diferenças são visíveis: trata-se de uma produção A, de grande orçamento, com um astro mais que provado (Sean Connery), adaptado de um popular best-seller. Mais importante, o filme marca o encontro de dois subgêneros do filme de ação bastante específicos, o thriller de espionagem “realista” e o filme de submarino. Trata-se, portanto, de uma oportunidade para McTiernan se firmar num espaço cinematográfico, digamos, mais respeitável sem, porém, abrir mão da sua posição de cineasta popular. Há algo que aproxima os dois subgêneros que diz muito sobre este desejo de McTiernan: se ambos existem às margens do filme de ação, ambos são definidos justamente por uma recusa da ação. Dada a natureza bastante particular do caráter de um confronto entre submarinos, os filmes passados dentro deles, naturalmente, se estruturam de maneira a criar tensão a partir da tentativa de se evitar a ação, geralmente reservada ao máximo para o clímax. Já o thriller de espionagem é um subgênero que, de certo forma, existe ao mesmo tempo assombrado e em oposição a série 007 e, logo, tem como principal característica apresentar sua suposta autenticidade e desglamourizar o processo de espionagem nos dando um herói que antes de mais nada precisa lidar com longos jogos burocráticos e uma ação que existe muito mais em tensas trocas de diálogos.

Por conseqüência, A Caçada ao Outubro Vermelho não é um espetáculo físico tão visceral quanto os filmes anteriores de McTiernan, e em alguns momentos podemos sentir como se o cineasta estivesse marcando tempo e pesando um pouco a mão para afirmar que esta comandando mais do que simplesmente o último blockbuster de ação. Ele certamente dá mais atenção do que necessário para as observações de Tom Clancy sobre os últimos momentos da Guerra Fria, o que garante que o filme soe mais datado do que precisaria. Se em O Predador e Duro de Matar, McTiernan estabelecia o significado da imagem através da ação, aqui o significado já nos vem dado de antemão na maior parte do tempo. Uma longa sinopse de A Caçada ao Outubro Vermelho nos diria bem mais sobre o filme do que uma de O Predador. Sem dúvidas, perde-se algo neste processo – e eu diria que John McTiernan nunca repetiu a eficácia de seus dois filmes anteriores –, mas ao mesmo tempo é preciso dizer que o cineasta se aproveita ao máximo do que as vantagens de estar à frente de uma produção mais ambiciosa com múltiplas locações e um amplo elenco de character actors à sua disposição. Além disso, McTiernan não é um Ron Howard e sabe muito bem como evitar os maiores problemas de um filme inflado. A Caçada ao Outubro Vermelho nunca deixa de se ancorar no específico de cada situação que apresenta. Alguns de seus momentos mais saborosos são tão simples quanto mostrar a forma concentrada como um Courtney B. Vance encara seu painel de controle. Se A Caçada ao Outubro Vermelho não chega a integrar a grande trinca de filmes de John McTiernan (O Predador, Duro de Matar e O Último Grande Herói), não deixa de ser o triunfo maior de suas habilidades como artesão, uma grande produção em que cada elemento parece perfeitamente calibrado e efetivo.

Como já mencionei, o filme nos apresenta o encontro de dois gêneros e, por conseqüência, tem dois protagonistas: Ramius (Connery), o veterano comandante do submarino russo que tenta desertar, e Jack Ryan (Alec Baldwin), o analista da CIA sem experiência de campo que tenta convencer seus superiores de que o Outubro Vermelho não é uma ameaça. McTiernan constrói o filme como duas narrativas paralelas, um filme de submarino estrelado por Ramius e outro de espionagem protagonizado por Ryan, com as seqüências do submarino americano comandado por Scott Glenn servindo de ponte entre os dois filmes. Graças ao exemplar trabalho de montagem (a cargo de Dennis Virkler e John Wright), McTiernan equilibra bem as duas estâncias, e encontra no filme a oportunidade para fazer um jogo de múltiplos espaços opressores: o interior dos submarinos por uma questão física, o universo burocrático do governo americano por razões ideológicas e institucionais. Ao mesmo tempo McTiernan vai sutilmente construindo o filme de modo a nos apresentar a maneira como múltiplas ações ecoam na guerra silenciosa entre americanos e russos, o que alcança o ápice no perfeitamente construído clímax em que Ramius e Ryan tentam impedir um sabotador. Enquanto Glenn comanda o Outubro Vermelho, que tenta fugir de um outro submarino russo, o submarino do próprio Glenn precisa ajudar o Outubro Vermelho sem abrir fogo, e a tripulação deste último – que havia sido evacuada – assiste a tudo de um bote, sem realmente compreender nem as manobras que se realizam dentro d’água, nem os objetivos dos envolvidos. A seqüências envolve cinco espaços diferentes (três salas de controles de submarinos, a outra área do Outubro Vermelho em que Ryan e Ramius perseguem o sabotador e o bote na superfície) e um sem número de ações de cerca mais de uma dúzia de personagens, e aí percebemos como, discretamente, McTiernan usa os diversos recursos a sua mão para o coreografar o jogo de xadrez da Guerra Fria.

Filipe Furtado

(DVD: Paramount)

 

 






Dois subgêneros, dois protagonistas