DURO DE MATAR: A VINGANÇA
John McTiernan, Die Hard: With a Vengeance, EUA, 1995

Não é a toa que Duro de Matar: A Vingança tenha representado o ápice de um determinado tipo de cinema de ação existente durante os anos 80 e parte dos 90. Nele, todas as características do gênero, já bem trabalhadas nos primeiros dois filmes da série, são ampliadas ao máximo por John McTiernan. A ênfase na potencialidade do corpo do protagonista como principal instrumento do filme de ação, cujo esforço é estendido até beirar o sobre-humano, a manipulação do tempo para o aumento da tensão, criando um estilo de narrativa sem pontos de alívio, e a estruturação de um roteiro em que não existe nada que não esteja subordinado à necessidade de adrenalina, sem tramas paralelas ou personagens suplementares, aqui ganham uma nova dimensão.

Essa era a época de uma ação de dublê, em que a tecnologia de efeitos especiais se dava em tiros, batidas de carro e explosões realizadas mais durante a própria filmagem do que na pós-produção, levando o perigo para perto da vivência do ator no set (não era incomum se ressaltar a coragem de um ator ao realizar um filme ou uma cena sem dublê, muitas vezes como parte da propaganda em torno da produção). Existia uma ligação direta entre os sentidos do personagem principal e o da própria platéia, tornando o ato de colocá-lo em perigo, suportando ferimentos e levando seu corpo ao limite, uma forma de identificação que funcionava como um estimulante sendo injetado direto nas veias dos espectadores. Esse mecanismo de identificação, bastante anterior a esses filmes, se diferenciava por se concentrar no corpo do personagem – daí a necessidade de se criar efeitos especiais que mantivessem o realismo físico da cena.

Com o tempo, ficou clara a separação entre dois tipos de heróis, de acordo com a condição de seus corpos nos filmes. Havia os indestrutíveis, representados principalmente por Arnold Schwarzenegger e Jean-Claude Van Damme, que em filmes como Comando para Matar e Duplo Impacto representavam máquinas perfeitas de guerra, imbatíveis, geralmente treinados no exército e em artes marciais. Eles nunca sofriam ferimentos que os debilitassem ou dos quais eles não se recuperassem logo depois, ou seja, nunca eram expostos a uma limitação. Na verdade, era com frieza e facilidade que saiam de situações de perigo e cumpriam seus objetivos. Um culto ao corpo perfeito e infalível era comum à boa parte desses filmes, enquanto a “fragilidade” dos protagonistas era invariavelmente depositada na relação com uma pessoa próxima, seqüestrada, ameaçada ou colocada em perigo de uma forma geral – ou seja, em um plano psicológico, e não físico. Do outro lado havia o Bruce Willis dos dois primeiros Duro de Matar, Mel Gibson em Mad Max e Sylvester Stallone em Tango & Cash e Rambo. Neles, os corpos dos heróis sofrem danos que se acumulam por todo o filme, deixando cicatrizes, sangues secos e sinais da exaustão progressiva. Eles são colocados no limite, e mesmo que a lógica do cinema nunca nos deixe pensar que morrerão, sua fragilidade está na possibilidade de não sobrar força em seu organismo para salvar quem quer seja.

E é nesse sentido que John McClane, principalmente no terceiro filme da série, é um herói de carne e osso. O clichê faz sentido exatamente porque, no final das contas, não há nada em suas características físicas que o distancie de um homem comum e o torne indestrutível. Em Duro de Matar 3 não existe tentativa de humanizar McClane a partir de um ponto-de-vista psicológico, tornando-o mais frágil ao mostrar, por exemplo, que ele também tem problemas pessoais ou fraquezas emocionais. Pelo contrário, nesse caso não chegamos a presenciar nenhum momento sequer de sua vida pessoal – como na relação com a esposa nos outros filmes. Ser de carne e osso aqui significa ter um corpo passível de dano. Bem por isso, o enredo do filme é voltado para um jogo em que o vilão obriga McClane a correr por NY para desarmar bombas, forçando nele a exaustão e os ferimentos de que é capaz de sofrer.

McTiernan parece ter adquirido total consciência do personagem que ajudou a criar em 1988 com o primeiro Duro de Matar, e também do público que o tornou um sucesso. Como McClane dispensa apresentações (algo positivo entre todas as dificuldades criativas de se fazer uma continuação), desde a primeira cena o diretor pode se dedicar a estabelecer o caos em que ele será jogado, exercendo incontáveis vezes sua capacidade de sobreviver a todo tipo de perigo, como se lutasse contra um roteiro que só existe para tentar matá-lo das mais diversas e criativas formas. No meio de cada uma das cenas de tensão temos comentários sarcásticos e soluções engraçadas para contornar a situação e, depois delas, ferimentos, roupas rasgadas e um corpo desgastado, normalmente mostrado em planos próximos do personagem. Acompanhamos sempre de perto a progressão de sua deterioração física. Ao mesmo tempo, as cenas de descanso são habilmente escondidas por meio de elipses, o que ajuda a submeter o tempo no filme à lógica perversa do próprio vilão. Também nesse ponto, repete-se o exagero de mecanismos já conhecidos do cinema, espalhando o efeito bomba-relógio, geralmente ligado ao final dos filmes, a todo e qualquer momento. Graças ao controle de McTiernan, a real explosão de energia é evitada até a penúltima seqüência.

Simon, vivido por Jeremy Irons, representa um tipo de vilão que complementa com perfeição essa condução frenética da trama, assim como o propósito básico de matar McClane. Ele é um terrorista louco, mas que pensa objetivamente no seu plano. O jogo proposto por ele tem um motivo prático, o que o diferencia de um vilão sádico cuja forma de matar é repleta de requintes de crueldade e planos mirabolantes (um tipo imortalizado nos quadrinhos pela figura do Coringa, por exemplo). Embora a trama relativa ao plano dos bandidos seja cheia de pormenores, a apresentação do bando e do plano em si é feita de forma tão sutil (no meio do frenesi das cenas de ação) que são quase secundárias para o filme. A equipe de Simon, na verdade, é explicada como um grupo ligado ao exército alemão misturado com terroristas free-lancers, e é só.

Toda essa construção meticulosa de McTiernan criou um filme com uma qualidade pouco comum ao cinema de ação de hoje – na verdade, talvez essa seja uma qualidade de toda a obra do diretor e, em parte, do próprio cinema de ação da época – que é o perfeito funcionamento de todos os seus mecanismos quando o filme é exibido em uma tevê, e não no cinema. Isso porque a atração desses filmes não é baseada na grandiosidade dos efeitos de computação gráfica ou no poder de impacto imediato da imagem. A ação está contida na própria ação, ou seja, na movimentação dos corpos em cena e nos perigos que eles enfrentam. A decupagem privilegia planos mais fechados, que não perdem informação em telas menores, e o clima do filme se dá pela proximidade e identificação com o personagem e não pela criação de uma razão de epopéia para a história (como na trilogia O Senhor dos Anéis), que se perde facilmente com a diminuição da tela e do clima completo de imersão.

Podemos, portanto, ficar tranqüilos, pois assistir Duro de Matar: A Vingança em DVD inclui toda adrenalina que essa obra-prima carregava no cinema.

Bernardo Barcellos

(DVD: Fox)