O 13º GUERREIRO
John McTiernan, The 13th Warrior, EUA, 1999

O 13º Guerreiro pode ser visto indiscutivelmente como um filme-problema na carreira de John McTiernan. Mais de dois anos separaram as filmagens do lançamento comercial dessa adaptação do romance Eaters of the Dead escrito por Michael Crichton. Como o resultado da primeira montagem não agradou nas exibições-teste, Crichton assumiu o controle da produção, rodando material adicional e reeditando o filme. Fica, portanto, difícil determinar aqui o quanto permaneceu da concepção original de McTiernan. Mesmo assim temos preservados momentos suficientes para fazer constatar de forma intensa o domínio por parte do diretor da arte da encenação cinematográfica, em especial no que tange às seqüências de ação.

O protagonista-narrador, vivido por Antonio Banderas, é um poeta árabe. Dessa forma, a narrativa de O 13º Guerreiro tenta reproduzir o formato de contos ancestrais, que se reproduziram através dos séculos pela tradição oral e popular, como as histórias das 1001 Noites ou o poema épico anglo-saxão Beowulf, fonte primária de inspiração pra o romance de Crichton. Assim, o filme passa a ser regido completamente por essa lógica ao mesmo tempo fabular e épica. Seus limites determinantes são os de uma história que valoriza a primazia da imaginação, que transcende eixos realistas nos planos temporal e geográfico. Não estamos aqui no universo da verossimilhança, mas das narrativas que primam pela imaginação.

Desse choque entre a riqueza poética da cultura árabe e a crueza e barbárie dos nórdicos europeus, surge o confronto inicial de O 13º Guerreiro. Exilado em missão diplomática entre os “homens do norte”, o personagem de Banderas se vê levado a acompanhar esses guerreiros na missão de resgatar uma comunidade ameaçada pelos wendols, que dizimam suas vítimas cruelmente decepando-lhes a cabeça, sendo vistos como monstros sobrenaturais e vampirescos. Ponto de partida aparentemente simplório, assim como simplória é a apresentação inicial do contraste cultural entre o refinamento dos árabes e o aparente primitivismo europeu. Mas é a partir do momento em que a ação propriamente dita toma conta do filme que O 13º Guerreiro passa a se definir como uma peça cinematográfica vigorosa.

Como já foi dito, não há como nos certificarmos do quanto isso já estaria presente na montagem original de McTiernan (com 20 minutos a mais que a apresentada), mas o filme como é visto apresenta um ritmo narrativo quase sempre coeso. É certo que pequenos saltos podem se fazer perceber, mas em muito O 13º Guerreiro traz em si a simplicidade e objetividade dos filmes de aventura do cinema clássico americano. O combate aos wendols guarda em si elementos arquetípicos que tanto poderiam se encaixar na forma como os soldados de um forte se defenderiam dos índios num western>dirigido por um Delmer Daves, por exemplo, como estar contidos em um filme de piratas de Michael Curtiz, ou até mesmo em peças de terror de uma linhagem de filmes B. McTiernan traz consigo uma herança clássica que consegue impor a todo o momento.

Mais que no conjunto, entretanto, é na apreciação de seqüências isoladas que se faz notar a pujança da mise-en-scène de McTiernan. Como aquela em que faz o filme decolar de vez, onde, ao serem descobertos os restos mortais de uma família dizimada pelos wendols, o vermelho brilhante do sangue invade de forma igualmente violenta a tela até então banhada por tons neutros e acastanhados. Todas as cenas de combate constituem pequenas gemas brilhantes, mas no fim das contas, O 13º Guerreiro se justificaria apenas pela magnífica batalha noturna, onde se vê um combate com tochas. Primor de composição de imagem, luz e ritmo, nela McTiernan dá uma aula que sintetiza toda sua maestria no artesanato da criação de uma cena de ação. Pura e objetiva, independente de sua beleza plástica, mas distante dos efeitos espetaculosos dignos de um Michael Bay ou da pieguice cafona com a qual Peter Jackson carregou seu O Senhor dos Anéis.

Terminada a projeção, vemos que O 13º Guerreiro é um filme no qual o espectador deve mergulhar com confiança e fé. A mesma fé com a qual o poeta árabe se incumbe de sua missão e que deverá, assim como ao personagem e apesar de uma insegurança inicial, lhe proporcionar momentos marcantes.

Gilberto Silva Jr.

(DVD: Buena Vista)

 

 





Apenas as tochas iluminam a batalha noturna de O 13º Guerreiro