O GRANDE CHEFE
Lars von Trier, Direktøren for det hele, Dinamarca/
Suécia/Islândia/Itália/França/Noruega/Finlândia/
Alemanha, 2006

Há algum tempo, o único talento de Lars von Trier é a provocação com finalidades publicitárias. Com Dogville, conseguiu fazer o filme que, de toda história do cinema, mais se aproxima do que Salvador Dali realizou com pintura em matéria de falsa profundidade e gigantesca empáfia que se passa por modernista. Resolveu seguir o filão com Manderlay, se estrepou, e agora recorre a um divertimento de meio de percurso, aderindo ao terreno mais confortável e leve da comédia. Óbvio, em se tratando de Lars von Trier, que despretensão e leveza são coisas que nunca seremos capazes de encontrar em seus filmes. Tampouco falta de espalhafato. Então, monta-se o teatrinho: espalha-se aos quatro ventos que seu filme novo, O Grande Chefe, teve seus enquadramentos e cortes decididos por um computador. Pronto, mais uma vez forma-se a celeuma em torno de uma falsa "grande" questão: onde está o autor? onde está o sujeito da enunciação? com a ausência da intencionalidade muda-se o grau de intervenção sobre as coisas? a escolha do "como" é tão decisiva no cômputo geral?

Como se vê, são temas e temas a serem evoluídos em trocentos trabalhos teóricos possíveis, todos redundantes e velhos. Porque, para começar, autor é aquele que faz as obras, não uma essência perene que cuja alma paira sobre as obras de arte. Em seguida, porque uma obra cinematográfica é constituída tanto pelas decisões ativas por parte do diretor quanto pelas contribuições que outros profissionais, ou simplesmente o acaso, emprestam ao filme e o diretor opta por incorporar ao processo de trabalho. Assim, a princípio, é ridículo que a questão da autoria seja sequer levantada a partir de um filme tão nulo quanto O Grande Chefe – que se serve da provocação a nível teórico para fazer esquecer a pobreza de sua construção, sua deficiência expressiva – e pouco se fale dela ao se tratar, por exemplo, de diretores que trabalham em regime de liberdade quase completa na filmagem, seja Hou Hsiao-hsien, Abel Ferrara ou Philippe Garrel. Mas aí já estamos em digressão.

O Grande Chefe nada mais é do que uma brincadeira velha de 45 anos. 45, precisamente, porque já em 1962 um filme ficava brincando com o relativismo do posicionar a câmera, que jogava com a aparente impertinência de movimentos de câmera, como se o jogo de planos e enquadramentos desenhasse uma linha paralela à da trama, e não mais fosse determinado por ela. Esse filme era Viver a Vida e seu diretor Jean-Luc Godard. E se naturalmente a manipulação e instância decisória do autor/autoridade eram colocadas em questão, ao mesmo tempo havia um talento no filmar e na crença de uma beleza genuína que brota da imagem mesmo que não haja um lugar obrigatório a colocar a câmera. E se a brincadeira de O Grande Chefe é velha, ela ainda sofre por não ter nem a beleza radiante de Anna Karinna chorando ao ver A Paixão de Joana d'Arc nem o talento de filmar de Godard. Ao contrário, o máximo que o filme faz é nos narrar uma comédia sem timing sobre um ator que é contratado para ser o "grande chefe" da empresa de forma que o verdadeiro chefe passe por um subalterno oprimido, e não por um ditador sovina e trapaceiro. Naturalmente, a questão "autoral" se reflete na trama. Definitivamente Lars von Trier não é bobo.

Porém, à luz do que simplesmente apresenta como expressão material, O Grande Chefe nada mais é do que um episódio alongado de The Office ao qual se adiciona uma boa dose de vanguardismo prét-à-porter e a figura autoconsciente do narrador, LvT himself, que aparece ao começo, fim e interlúdios para marotamente nos dizer como interpretar e em que chave considerar aquilo que vemos (uma simples comédia, nada para pensar, diz no começo). Ora, como simples comédia o filme é um fracasso total, uma vez que comédia depende de agilidade, graça e timing (qualidades que não aparecem nem nos melhores filmes do diretor, Ondas do Destino ou Os Idiotas, que extraem seus efeitos estéticos a partir do excesso e da certa mão pesada na direção). E, como exercício especulativo fazendo-se passar por comédia despretensiosa, o filme não se sai muito melhor. Resta ao menos a curiosidade bizarra de um filme que quebra o eixo a cada corte e que em cada enquadramento corta algum corpo humano pela metade (por cima ou pelos lados). Bonito de ver não é, nem lúdico, nem agradável. Mas, aos desavisados e desinformados de plantão, "dá o que pensar". Assim seja.

Ruy Gardnier