O
ator de cinema não precisa compreender, mas simplesmente
ser. Pode-se argumentar que para ser é preciso
compreender. Mas não é assim. Caso fosse,
o ator mais inteligente seria também o melhor
ator. E a realidade freqüentemente nos indica o
contrário.
Quando um ator é inteligente, seus esforços
para ser um bom ator são três vezes maiores,
porque ele deseja aprofundar sua compreensão,
levar tudo em consideração, incluir sutilezas,
e, ao fazer isso, ele invade um terreno que não
é o seu – na verdade, ele cria obstáculos
para si mesmo.
Suas reflexões sobre o personagem que está
interpretando, que, de acordo com o senso comum, deveriam
trazê-lo mais próximo a caracterização
exata, acabam derrubando seus esforços e privando-o
de naturalidade. O ator de cinema deve chegar à
filmagem num estado de virgindade. Quanto mais intuitivo
for seu trabalho, mas espontâneo ele será.
O ator de cinema deveria trabalhar não no nível
da psicologia, mas no nível da imaginação.
E a imaginação se revela espontaneamente
– ela não tem intermediários sobre os
quais alguém pode, como num apoio, se recostar.
Não é possível haver uma colaboração
real entre o ator e o diretor. Eles trabalham em dois
níveis inteiramente diferentes. O diretor não
deve qualquer explicação ao ator, a não
ser aquelas de natureza bastante geral, sobre as pessoas
do filme. É perigoso discutir detalhes. Às
vezes o ator e o diretor necessariamente se tornam inimigos.
O diretor não pode comprometer a si mesmo revelando
suas intenções. O ator é uma espécie
de Cavalo de Tróia na cidadela do diretor.
Eu prefiro chegar aos resultados através de métodos
secretos; isto é, estimular no ator certas qualidades
inatas de sua existência, as quais ele mesmo desconheça
– excitar não sua inteligência, mas seu
instinto – não dar justificações,
mas iluminações. Quase é possível
enganar um ator, pedindo-se uma coisa para obter outra.
O diretor precisa saber como pedir, e como distinguir
o que é bom e ruim, útil e supérfluo,
em tudo aquilo que o ator oferece.
A primeira qualidade do diretor é a de ver. Esta
qualidade também é válida no trato
com os atores. O ator é um dos elementos da imagem.
Uma modificação de sua pose ou gestos
modifica a própria imagem. Uma fala dita por
um ator de perfil não tem o mesmo significado
de uma dita com o rosto frontal. Uma frase dirigida
à câmera colocada acima do ator não
tem o mesmo significado que teria se a câmera
estivesse abaixo dele.
Estas poucas e simples observações provam
que é o diretor – isto quer dizer, aquele que
compõe o plano – que deve decidir a pose, gestos
e movimentos do ator.
O mesmo princípio vale para a entonação
do diálogo. A voz é um "ruído"
que emerge junto a outros ruídos, numa relação
íntima que só o diretor conhece. É,
portanto, de responsabilidade dele descobrir o equilíbrio
ou o desequilíbrio destes sons.
É necessário ouvir longamente um ator,
mesmo quando ele está equivocado. É preciso
deixá-lo se equivocar, e ao mesmo tempo tentar
compreender como é possível usar este
equívoco no filme, porque estes erros são,
no momento, a coisa mais espontânea que um ator
pode oferecer.
Explicar a cena ou o trecho de diálogo é
tratar todos os atores da mesma maneira, porque uma
cena ou trecho de diálogo não mudam. Ao
contrário, cada ator demanda tratamento especial.
Deste fato brota a necessidade de se encontrar diferentes
métodos: guiar o ator pouco a pouco até
o caminho certo através de correções
aparentemente inocentes, que não levantarão
sua suspeita.
Este método de trabalho pode parecer paradoxal,
mas é o único que permite que o diretor
obtenha bons resultados com atores não-profissionais
encontrados, digamos, "na rua". O neo-realismo
nos ensinou isso, mas o método também
é útil com atores profissionais – até
mesmo com os grandes.
Eu me pergunto se existe realmente um grande ator de
cinema. O ator que pensa demais é levado pela
ambição de ser grande. É um obstáculo
terrível, que o faz correr o risco de eliminar
grande parte da verdade de sua atuação.
Eu não preciso pensar que tenho duas pernas.
Eu as tenho. Se o ator busca compreender, ele pensa.
Se ele pensa, encontrará dificuldade em ser humilde,
e a humildade constitui o melhor ponto de partida para
a conquista da verdade.
Ocasionalmente, um ator é inteligente o bastante
para superar suas limitações naturais
e encontrar o caminho apropriado para si mesmo – isto
é, ele usa sua inteligência inata para
aplicar o método que acabei de descrever.
Quando isso acontece, o ator tem as mesmas qualidades
de um diretor.
Michelangelo Antonioni
(Publicado originalmente na
revista Film Culture, nº 22-23, verão de
1961. Tradução de Rodrigo de Oliveira)
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