Eu gostaria de evitar de tirar
conclusões precipitadas sobre o que está me acontecendo.
Mas não consigo subestimar a importância dos cinco meses
de trabalho nos quais foi filmado A Aventura.
Certamente as condições especiais que envolveram a filmagem
contribuíram para deixar a experiência ainda mais enriquecedora,
tanto no aspecto humano, quanto no profissional. A desvantagem
para mim não eram as condições práticas difíceis nas
quais tivemos que trabalhar, mas sim o fato de que entrei
no meu primeiro grande filme com uma enorme bagagem
teatral. Eu tinha medo que essa experiência não me servisse,
ou até que ela me atrapalhasse. Evidentemente, minha
voz "empostada" não me serviu de nada em Lisca-Bianca,
e muito menos esses efeitos de voz que nos permitem
estabelecer um contato direto com a platéia de um teatro.
São reflexões já feitas por todas as atrizes de teatro,
mas talvez não seja inútil repeti-las.
Foi justamente esta ausência de público que constituiu
para mim o obstáculo a ser superado. O apoio emocional
que a orquestra oferece no teatro não pode de forma
alguma ser substituído pela presença de uma equipe de
cinema, que presta atenção em tudo, menos nos seus gestos
e palavras. Os técnicos e maquinistas têm todos uma
atitude necessariamente desinteressada no set
e não constituem um público.
Em seguida, eu precisava entender que tudo é muito diferente
e muito menos esquemático. Aquela emoção, aquele contato
com o público que procuramos todas as noites no teatro,
pode se tornar também um perigo, um mau hábito. O ator
não tem outra necessidade além de chamar a atenção,
de emocionar, de incitar o aplauso naqueles que estão
diante dele. E, para obter isso, muitas vezes ele não
hesita, mesmo inconscientemente, em sair do seu personagem,
quebrando a unidade do texto e da encenação. O paradoxo
é o seguinte: quanto menos o ator se preocupa com o
público, mais ele consegue se aprofundar no personagem.
E no cinema isso é possível porque um filme é feito
em dois tempos: o tempo da encenação e o tempo em que
o espetáculo atinge seu público. No segundo, o cinema
é muito mais popular que o teatro, mas, no primeiro,
pode-se chegar a uma extraordinária concentração; tudo
é mais essencial, mais nítido, mais íntimo. Interiorizamos
mais nossa busca e podemos nos entregar aos sentimentos
escondidos, em vez de nos limitarmos à sua falsa transposição.
Eu diria até que temos uma responsabilidade maior no
teatro; um gesto descontrolado pode escapar ou ser tranqüilamente
modificado na apresentação seguinte. No cinema, ao contrário,
ele fica gravado na película pra sempre.
A Aventura, deste ponto de vista, era certamente
o filme mais “cinematográfico” que eu poderia fazer:
ter que passar constantemente de uma cena para outra,
voltar atrás, reencontrar o tom exato e, como não há
uma progressão lógica, ter que construir mentalmente
uma progressão pra mim e conservá-la intacta
durante meses (já que acontecia de uma seqüência poder
durar todo esse tempo), tudo isso foi excessivamente
cansativo, mas extraordinariamente útil pra mim. E,
depois, o método de trabalho de Michelangelo Antonioni
não é feito pra promover a preguiça. Eu não sei se a
forma como Antonioni utiliza os atores é comum a todos
os diretores de cinema, mas, em todo caso, é bem diferente
da dos diretores de teatro. Eu diria que os atores são
para ele como objetos a serem usados. É inútil perguntar
o significado de um ato, de uma cena ou de uma fala:
ele é reticente e eu diria que não gosta de se explicar.
Na verdade, ele está convencido de que nenhuma fala
tem significado por si mesma e que ela só terá um num
contexto que apenas ele conhece: seu mundo é um mundo
poético, cultural, um universo de razões e de sentimentos
no qual o ator tem seu lugar do mesmo modo que uma paisagem
ou um barulho. Só a partir de um certo ponto do filme
é que eu compreendi que eu deveria apenas “servir”.
No teatro, o trabalho dito “técnico” é muitas vezes
privilégio exclusivo do ator. Em A Aventura,
eu tive que me apossar da minha personalidade, do meu
temperamento, dos meus hábitos, combater o caráter invasor
do meu papel e meu desejo de saber mais sobre ele, de
conhecer o sentido oculto de cada fala. O método de
trabalho do teatro, que demanda, antes de qualquer coisa,
uma leitura atenta do texto e depois um trabalho em
conjunto crescente, até o resultado final, eu tive que
apagar da minha mente. Eu tive que esquecer a “paixão”
para substituí-la por uma espécie de frieza extrema
que vem da repetição de falas inventadas pelo diretor
às vezes no set mesmo. E novamente nos perguntamos
quem tem razão: Diderot, quando afirma que o ator deve
representar uma paixão sem experimentá-la, ou o ator
que acredita que a paixão deve ser sentida a ponto de
ser experimentada, ou, enfim, aquele que pensa que se
deve sentir a paixão sem jamais deixar de controlá-la?
O cinema oferece muitas vezes uma destas possibilidades.
A mim, pelo menos, A Aventura me ofereceu todas
elas. Agora, no final do filme, eu não sei mais nada.
Eu ignoro se sou uma boa atriz, se eu representei no
tom certo, se eu decepcionei. Sei somente que dei tudo
o que podia de mim a um filme absolutamente excepcional.
Monica Vitti
(Publicado originalmente em
Cinéma 60, nº 50.
Tradução de Tatiana Monassa)
|