UMA ENTREVISTA COM ANTONIONI

Nos seus filmes, os críticos notam geralmente uma intensa busca por um estilo. O que você acha desse julgamento e quanto dessa busca você empreende no momento da concepção do filme?

ANTONIONI: É um bastante correto dizer que estou à procura de um estilo. Acho que é preciso encontrar para cada filme uma linguagem que seja original. E isso não diz respeito apenas à forma de enquadrar ou de construir as seqüências, mas um pouco a todo o “material” utilizado num filme: a fotografia, o som, os ruídos, a música e os atores.

Em que sentido você considera os atores um “material”?

No sentido mais completo da palavra. Acontece de, na fase de preparação do filme, ou mesmo durante as filmagens, em nunca falar com os atores, eu não “explico os papéis”, como se diz, eu não esclareço os pontos obscuros dos personagens que eles têm que interpretar. Se esse comportamento é verdadeiro, ele nasce justamente da intenção de considerar a interpretação como um dos meios que servem ao realizador para expressar uma idéia, seja ela totalmente abstrata ou figurativa. Eu me esforço, em suma, para solicitar do ator mais seu instinto do que sua inteligência. E, em seguida, eu mesmo recolho o que pode me servir, faço uma triagem. Se me engano e digo: “isso está bom, isso não, está ruim”, será um erro de julgamento e não um erro de concepção.

Poderíamos dizer, então, que você considera os atores indistintamente, como um material bruto, anônimo...

Não, de forma alguma. Eu sei perfeitamente que existem atores inteligentes e outros não. Mas, paradoxalmente, eu desconfio mais dos inteligentes, porque eles rapidamente se tornam diretores de si mesmos.

Em suma o ator deve confiar em seu instinto e o diretor em seu cérebro?

Não, não exatamente. Eu também confio freqüentemente no instinto. Senão, eu não teria trabalhado nas condições absurdas em que trabalhei. O importante, entretanto, não é rodar exatamente o que está escrito no roteiro, nem muito menos mudar sem parar, conforme o humor, o tempo ou a paisagem. O importante é partir, desde o primeiro plano, tendo o filme todo bem amadurecido no interior de si. Dizem que sou muito purista e muito lento durante as filmagens. Na verdade, sou ainda mais purista e mais lento na preparação do filme, e este é o momento mais difícil. No dia em que se vê de forma realmente clara o que se quer fazer ou dizer, então pode-se começar com tranqüilidade e confiar totalmente no instinto. Mas tudo isso, claro, faz parte do domínio maravilhoso das boas intenções.

Tínhamos começado a falar de pesquisa técnica. Em que direção você conduz essa pesquisa?

Antes de mais nada, eu diria que parte-se de um dado negativo: o esgotamento das técnicas e métodos atuais. Minha forma de narrar já mudou muito. Eu gostaria que ela mudasse ainda mais. Minha idéia para este filme  [A Aventura, N.T.] seria construir cada seqüência de uma forma pessoal, particular, e que o filme nascesse sob o impulso de uma imaginação renovada incessantemente, mesmo que esta imaginação deva, por vezes, modificar a substância.

Por exemplo?

Por exemplo, veja o problema da paisagem. Neste filme [A Aventura, N.T.], a paisagem é um elemento não apenas indispensável, mas preponderante. Senti a necessidade de quebrar bastante a ação, inserindo planos que podem parecer formais, gratuitos, enquadramentos quase do tipo documental (uma mangueira, o mar, a passagem dos golfinhos, coisas desse tipo), que, na realidade, pra mim são indispensáveis, porque “servem” à idéia do filme.

E qual é essa idéia?

Minha idéia parte da observação de um fato: vivemos hoje num período de extrema instabilidade, instabilidade política, moral, social, e mesmo física. O mundo é instável ao nosso redor e no nosso interior. Eu fiz um filme sobre a instabilidade dos sentimentos, sobre o mistério dos sentimentos. As pessoas se encontram numa ilha, numa situação um pouco dramática: uma moça de seu grupo desapareceu. As buscas começam. O homem que ama essa mulher deveria estar transtornado, preocupado, inquieto. E, de fato, ele está, no início. Mas logo seus sentimentos desaparecem, porque eles não têm nenhuma força, nenhuma profundidade. A partir desse momento, ele não quer mais procurar a moça, tanto faz pra ele que ela seja ou não encontrada, ele está em outro lugar, ocupado com outras “aventuras”, outras experiências, outros sentimentos, tão frágeis e instáveis quanto.

É uma observação apenas de uma situação moral ou você tem um julgamento?

É claro que tenho idéias sobre o mundo. Mas se alguém achar que meu filme tem um significado mais explícito, isso quer dizer que as coisas terão caminhado nessa direção.


(Publicado originalmente em Cinéma 60, nº 50.
Tradução de Tatiana Monassa)

 

 





A Aventura (1960)