A VOLTA DO TODO-PODEROSO
Tom Shadyac, Evan Almighty, EUA, 2007

Pensando de uma forma simples, não haveria muito o que dizer sobre A Volta do Todo-Poderoso. Projeto típico de uma Hollywood caça-níqueis, concebido a partir de um oportunismo picareta, aproveitando o pretexto de uma continuação de um título de sucesso, só que ignorando o astro original (Jim Carrey) e promovendo a protagonista um personagem secundário do primeiro filme, cujo intérprete (Steve Carrell) conquistou posteriormente o status de estrela, tanto no cinema como na TV. O resultado é, como não poderia deixar de se esperar, mais uma caretice de apelo familiar, uma edificante e previsível exaltação de valores tradicionais, tão cara e recorrente ao trabalho do diretor Tom Shadyac, responsável pelo nefasto Patch Adams (1998).

Entretanto, partindo de um ponto de vista mais atento, esse filme torna-se um caso curioso para refletir um pouco sobre a forma como o cinema americano ao mesmo tempo re-aproveita e recodifica seus próprios modelos clássicos. O ponto de partida do filme – Evan Baxter, um homem honesto do interior, é eleito deputado federal e tem que se confrontar com o oportunismo e a corrupção das velhas raposas que dominam o congresso – é um tema recorrente no cinema que Frank Capra desenvolveu durante as décadas de 1930 e 40, em especial o argumento da obra-prima A Mulher Faz o Homem (1939). Porém, no filme de Capra, o protagonista, Mr. Smith, vivido por James Stewart, se calcaria em seus próprios méritos pessoais para combater as manipulações politiqueiras. O que vemos em A Volta do Todo Poderoso é que o filme transmite uma crença de que, nos dias de hoje, somente a determinação dos homens não seria mais suficiente para uma imposição dos padrões considerados éticos. Far-se-ia premente uma intervenção de instâncias divinas, como a do Deus bonachão (Morgan Freeman) que impõe a Evan sua transformação em um Noé reencarnado.

Uma outra contraposição do filme de Shadyac à matriz traçada por Frank Capra vem do fato que, nos filmes deste último, o que se pretendia era uma exaltação de valores supostamente progressistas e igualitários, encarnados nos ideais do Partido Democrata, por mais que consideremos discutível essa associação. Bem, no caso de A Volta do Todo Poderoso, sua aparente exaltação de valores religiosos tradicionais vem se encaixar na pauta de um fundamentalismo cristão-protestante que ascendeu em consonância com a atual administração Republicana de George W. Bush. É certo que o filme não faz isso de forma agressiva; sua suposta pregação seria um tanto sutil, de forma a não desagradar ou afastar audiências não religiosas, vestindo-se com uma capa bem-humorada. O que não podemos ignorar, e esse filme em especial é um belo exemplo disso, é como por vezes a mais aparentemente inofensiva peça de entretenimento pode refletir a forma como o pensamento coletivo reinante em determinado momento histórico – ou ao menos uma parcela deste – parece se manifestar e se reproduzir.

Gilberto Silva Jr.