Em geral, filmes de episódios dirigidos por vários
cineastas não conseguem alcançar um patamar de qualidade
elevado. O motivo pode ser o mais diverso: a idéia
funcionar como um caça-níquel para diretores consagrados
trabalharem no piloto automático; o conceito, apesar
de possivelmente interessante, não ter coesão, fazendo
com que os episódios
de qualidade acabem sendo apagados pelos menores; a
escolha equivocada dos cineastas chamados para o projeto,
entre outros. Paris, Te Amo, pelo contrário,
sugeria algo mais. Não somente pela expectativa em
relação
ao novo trabalho de alguns dos realizadores mais relevantes
atualmente – Gus Van Sant, Nobuhiro Suwa, Olivier
Assayas
–, pela participação no projeto de quem não é do ramo
– Christopher Doyle, Gérard Depardieu –, pela possibilidade
de descobrir, entre os 18 nomes, algum novo talento,
mas, principalmente, por seu conceito originário. Dividir
em 18 pequenos episódios a relação entre o amor e
a cidade de Paris poderia funcionar como um filme
absolutamente
agradável, no qual a junção de crônicas acabaria por
criar um painel carinhoso da cidade-luz. Infelizmente,
em nenhum momento essa proposta alcança seus objetivos.
Mesmo que na introdução e na conclusão o “conceituador”
do filme, Emmanuel Benbihy, tente reforçar a união
entre cada filme e a alegria e emoção de se participar
do projeto – seja colocando pedaços das obras em uma
mesma tela, seja mostrando os atores abraçando uns
aos outros entre as filmagens, ainda que os filmes
a que pertencessem
fossem diferentes –, e mesmo que ele tente reiterar
esta sensação na transição dos episódios, não explicando
qual é o último plano do anterior e o primeiro do
posterior, temos, no final das contas, obras absolutamente
distintas,
sem relação alguma – estética, ideológica ou mesmo
de narrativa – umas com as outras. Dessa forma, o
julgamento de qualidade de Paris, Te Amo se
dá em uma
chave já menor do que a compilação se propunha: faz-se
a média de cada curta e descobre-se a média que o
longa merece. Essa média – já não muito animadora
de se calcular, a princípio – revela-se bastante
abaixo do que esperávamos.
Entre os realizadores pelos quais tanto ansiávamos
os novos trabalhos, apenas Nobuhiro Suwa, em seu conto
mágico de dor, tristeza e cowboys, alcança uma
qualidade superlativa, nos fazendo caminhar por uma
Paris noturna, desconhecida e delirante. O problema
é que, se em 5 minutos o diretor já nos coloca em um
clima novo, no minuto seguinte temos de nos separar
dele, para o episódio posterior. Gus Van Sant e Olivier
Assayas, se não chegam a decepcionar, também não parecem
se esforçar para que seus episódios carreguem dentro
de si tanto a cidade quanto o nível altíssimo de
suas obras. Ainda assim, há cinema nos dois, sempre,
e isso já basta para colocá-los bastante acima
dos outros diretores. Christopher Doyle, em uma
mistura mal-ajambrada de Wong
Kar-Wai e Tsai Ming-Liang, não faz jus a seu talento
de fotógrafo e proporciona um curta constrangedor,
apenas amenizado pelo restante de Paris, Te
Amo.
Tom Tykwer faz o que se espera dele: coloca a câmera
em fast-forward para que não nos preocupemos
com o que filma. Wes Craven muda seu registro habitual
– dos filmes de terror para um romance de casal – e
prova que deveria permanecer no registro antigo, já
que seu filme é uma bobagem que junta discussão de
relacionamento, Oscar Wilde e, bem no fundo, o cemitério
de Père-Lachaise.
De resto quase absoluto, os curtas não merecem nem
frases de uma linha. Diretores inexpressivos que deveriam
permanecer
sem expressão misturam fantasias estilizadas, dramas
sociais, contos de amor, lições de moral, encenação,
realidade e mímicos sempre da forma mais precária
possível.
Desse modo, aqueles episódios que simplesmente se mostram
razoáveis (Bruno Podalydés, Irmãos Coen, Walter Salles
e Daniela Thomas, por exemplo) acabam ganhando relevância
dentro do todo. Quem perde é Paris...
Talvez uma boa síntese do filme seja a crônica que
o fecha, de Alexander Payne. O diretor tenta resumir
o
amor de sua protagonista pela cidade, mas filma de
forma a provocar apenas risos sobre a gordinha americana
de
péssimo francês. Paris, Te Amo é assim: uma
falsa fábula de amor, destruída pela incapacidade
de seus diretores de provocar qualquer diálogo mais
profundo com o local que filmam, ou simplesmente
de filmar algo
razoável. Melhor ficarmos com o episódio dirigido por
Gérard Depardieu e protagonizado por Gena Rowlands
e Ben Gazzarra. Há, na simples conversa em plano/contraplano
dentro de um café no Quartier Latin em que consiste
o curta, todo o carinho, o amor e o espírito da
cidade que deveria estar contido, também, ao longo
das outras duas horas de projeção.
Leonardo Levis
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