AS FÉRIAS DE MR. BEAN
Steve Bendelack, Mr. Bean's Holiday, Reino Unido, 2007

Mr. Bean é um personagem atípico no universo humorístico do cinema atual. Com sua economia quase total de palavras (Bean só emite grunhidos, nunca falas claras) e sua vocação para qüiproquós, ele resgata por um lado a tradição das piadas inglesas “sem graça”, sobre “desajustes operacionais”, e, por outro, evoca o legado do gestual mudo e atrapalhado de Jacques Tati. Reconhecidamente anacrônico dentro do mundo ficcional que habita – vide o seu carrinho antigo e toda sua indisposição com aparatos tecnológicos –, Bean oscila entre a consciência e não-consciência de si e dos seus atos, como um adulto que apenas age como tal quando a situação lhe for absolutamente imperativa.

Neste segundo longa dedicado ao personagem, a presença de uma trama para organizar e “conter” os esquetes cômicos, como ocorria no primeiro, cede lugar ao espírito mais livre que guia um filme de viagem. O mote “Mr. Bean sai de férias” – que traz imediatamente à mente As Férias do Sr. Hulot – serve então para pôr em evidência as principais características do personagem, através do traçado de um trajeto aberto a incidentes e casualidades as mais variadas. As Férias de Mr. Bean é, portanto, não sobre o tempo de lazer em um local aprazível, como seria de se esperar, mas, precisamente, sobre a própria realização deste trajeto de viagem.

Identificar sua senha em um sorteio como a vencedora de um pacote de viagem para a Côte d’Azur. Pegar o trem até lá, descer e desfrutar das praias e da beleza local. Esta série de ações constituiria a princípio o ponto de partida para uma determinada situação, o argumento para a cena. Mas, para Mr. Bean, ela configura propriamente uma jornada, repleta de obstáculos. Trata-se de um personagem disfuncional, para o qual o cumprimento de tarefas banais revela-se um verdadeiro desafio. Embora saiba como operar em sociedade (o que fazer em que momento), ele sempre encontra dificuldades de seguir adiante, por um desacordo com o funcionamento vigente – seja como rebeldia ao instituído (a peça pregada na mulher da mesa ao lado no restaurante chique), seja como um individualismo infantil que apenas contempla a própria vontade (a solicitação do retrato ao russo na plataforma, na iminência da partida do trem).

Ligado a esta valorização do percurso como foco principal, está o prêmio concedido a Bean junto com o pacote de viagem: uma câmera de vídeo – para registrar os cartões postais nos momentos paradisíacos. Mas Bean não está interessado na sobriedade de imagens de uma paisagem estática, e, sim, no encanto com a tecnologia e em todas as novidades que a aventura de viajar proporciona. Assim sendo, seu travelogue desconjuntado registra tudo o que há de “menos importante”, obedecendo a uma lógica puramente pessoal. A não-funcionalidade de seu uso do vídeo revela sua relação com o mundo, pautada em um afeto primário: tatear para se situar no espaço. Desta forma, seu efeito de zoom nunca poderia ser o de uma variação ótica, mas apenas o resultado de um vai-e-vem manual com a câmera.

Do outro lado desta relação “primária” com o vídeo, está Carson Clay, o diretor cujo filme irá abrir o festival de Cannes. Espécie de paródia bem-humorada do culto ao ego e às desconstruções narrativas, ele é dono de um extremado controle intelectual sobre as imagens. Quando invade a sala de exibição em meio à sessão de abertura e encontra sua mais nova amiga, Sabine, profundamente desapontada por ter tido sua participação no filme sumariamente reduzida, movido por sua relação afetiva imediata, Bean se dirige à cabine de projeção para substituir as imagens na tela pelas imagens de sua câmera de vídeo (nas quais a moça é festiva protagonista). Ao inserir suas imagens no fluxo de imagens de Carson, ele iguala a importância do registro familiar em vídeo ao do cinema tal como instituído. E torna o que se delineava como um grande fracasso, um filme amável e expressivo: Carson, inicialmente possesso, passa a ser ironicamente ovacionado pela justaposição de formatos e registros distintos e pela liberdade na sua utilização.

A imagem de vídeo ganha, portanto, em As Férias de Mr. Bean, um valor de produção específica. Seja neste caso do registro familiar afetivo, seja no caso das câmeras de vigilância que registram “a figura do demônio”, o “seqüestrador” cruel, nas caretas do inocente Bean que acompanha o garoto que ele fez perder-se do pai. Mr. Bean interage com a câmera de vigilância – que ele reconhece possuir um olhar humano por trás – por pura diversão, mas a imagem planificada em PB que ela produz grava tudo silenciosamente e, dos signos que capta, só pode interpretar que ele é um infrator.

A publicidade, por sua vez, é o domínio das imagens artificiais, superproduzidas, repletas de efeitos especiais. No entanto, Carson, autor orgulhoso de um cinema repleto de características pessoais, realiza sua propaganda maneirista, em que desfilam tanques e soldados numa aldeia francesa, com o mesmo meticuloso controle do seu filme de ficção “de vanguarda”, descartando qualquer sinal cômico.

As Férias de Mr. Bean, comédia despretensiosa, leve, boba, articula de forma surpreendente, em todas as situações citadas, uma preocupação com a imagem. Conduzindo admiravelmente  uma narrativa equilibrada entra o respeito a um ator-personagem e sua própria elaboração (ritmo, andamento, sentido das gags), o filme destaca-se em coerência e empatia com o público.

Tatiana Monassa