PARALELAS E TRANSVERSAIS
ÓDIQUÊ, de Felipe Joffily, Brasil, 2004
PROIBIDO PROIBIR , de Jorge Durán, Brasil, 2006


Retratos da Juventude Brasileira

Ódiquê conta a aventura de um grupo de jovens playboys moradores da zona sul carioca. Proibido Proibir conta a aventura de três jovens universitários moradores da zona norte carioca. Se a simples geografia urbana já é motivo suficiente para que se tracem diferenças relevantes entre os dois grupos, os dois filmes propiciam mais do que isso: pensados em conjunto, nos oferecem a possibilidade de um retrato da juventude carioca, situado nos anos 2000.

Os olhares dos cineastas, no entanto, são distintos não só pelo objeto a que se dirigem, mas por suas origens. Felipe Joffily é jovem e tem a avidez do registro de uma situação que lhe salta aos olhos no cotidiano. Jorge Durán vêm de uma outra geração, e, a partir do retrato que faz, traz consigo um olhar nostálgico e um tanto saudosista, sem eliminar, no entanto, a vivacidade de um momento.

Por falarmos em retrato, seria mais que natural que os jovens se sintam ali identificados. Isso vale para ambos os filmes, pegando fatos ou características daqui ou dali, do mais pobre ou do mais rico, do esperto ou do bonzinho, do “drogado” de Proibido Proibir ou do de Ódiquê (até no uso da mesma droga residem as diferenças).

Mas há nos dois filmes uma diferença fundamental que transcende a identificação do espectador ou o retrato dos diferentes meios sociais: a funcionalidade dos personagens, que de certo modo irá se refletir na projeção do espectador à tela. Os personagens de Durán são carregados de vida, parecem sempre estar à procura de algo, vivem a inquietude da juventude, a angústia do tempo que corre e árdua missão de fazer o “mundo acontecer”, a seu modo, deixando sua marca. Já os personagens de Ódiquê parecem também querer deixar suas marcas, especialmente na memória dos que cruzam os seus caminhos. E a expressão é literal, valendo-se para o mendigo retardado e criança, para os freqüentadores das festinhas “hype”, para os comerciantes dos lugares por eles freqüentados. Os personagens de Joffily são apenas adolescentes tardios, que vivem uma juventude louca e sobretudo inconseqüente. Mas ao contrário da vivacidade dos três protagonistas de Proibido Proibir – cada qual com suas peculiaridades –, os personagens do filme de Joffily são letárgicos. Se atribulam a vida cotidiana, é mais um momento fugidio e passageiro. São apenas pessoas que vão e simplesmente passam, deixando suas marcas negativas, mas contribuindo para o emperramento da vida.

Os personagens de ambos os filmes nos são familiares. Ainda que não nos identifiquemos, sabemos reconhecê-los e distingui-los. Então se traça uma problemática complicada. Criar identificação com sujeitos “escrotos”, machistas, cheios de preconceitos, violentos e inconseqüentes se faz positiva até que ponto? Se os jovens da zona sul carioca freqüentadores das academias e bares do Leblon e das festinhas da Barra se refletem nestes personagens então fictícios, a situação torna-se ainda mais crítica. É possível que a identificação se dê, no entanto, apenas em um primeiro momento, em que reina a farra e a curtição e a inconseqüência se faz quase inocente. Parece ter graça no jeito daqueles garotos, cheios de gírias e malandragem, mas dentro dos “limites”. No entanto, Ódiquê vai a fundo no estereótipo do pitboy carioca e cria situações narrativas complicadoras, levando ao extremo a violência gratuita, que é mostrada sem pudor.

Mas, então, o que poderia/deveria funcionar como crítica a tipos sociais identificados e conhecidos, se torna lugar-comum no universo do filme de Joffily. A naturalização da situação opera mais como complacência de uma situação calamitosa, porém sintomática. As origens do problema se distanciam então desta juventude que se torna irresponsável por motivos outros, que não estão ao seu alcance. Há uma espécie de justificativa para o problema que se instaura, livrando-se da “culpa” e jogando a batata quente para outro. O velho problema da infra-estrutura, que, por se tornar uma rede complexa, escapa de nosso alcance, fazendo com que aceitemos naturalmente que nada é possível fazer. O filme pende entre a graça no aproveitamento da vida por parte daqueles jovens (que poderão dizer que curtiram a vida) e entre as conseqüências negativas de suas posturas. Uma vez que não há desdobramento do segundo, se faz valer o chavão de que na adolescência se pode tudo. E os personagens de Ódiquê ainda são adolescentes, pois se ainda passam pelos momentos da descoberta, da curiosidade, da inconseqüência, não podemos afirmar que “superaram” esta fase (que para os que a vivem intensamente, realmente se torna tarefa difícil – pena o filme não ser sensível a isso).

E o que se pretende não são medidas edificantes. Muito pelo contrário. Mas fica a pergunta do quão válido se faz o registro levado a este extremo. Em outra via, Jorge Durán opta por fazer de seus três personagens principais figuras emblemáticas de uma geração que vive em meio ao conflito da desigualdade social, da inoperância política, da falta de perspectiva e da constante pergunta: o que nós podemos fazer? Mostra a inquietude de uma juventude que, ainda que se mostre apática, é também atormentada pelas relações sociais e pelo outro. O próprio resquício de um roteiro escrito para ser ambientado nos anos do regime militar revela essa preocupação do diretor.

Mais vale a poesia e a magia de Proibido Proibir. Com seus defeitos, seus momentos de distanciamento, de exagero nas situações dramáticas e com seus tiques publicitários, mas com a sabedoria da magia, que invade a vida de qualquer jovem, despertando a vivacidade latente. Que seja para o bem.


Raphael Mesquita