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Clint Eastwood e Abel
Ferrara. O primeiro, com um dístico impressionante
de filmes de guerra, abordando dois lados da mesma batalha,
abstraiu o espetacular das exibições bélicas
para nos revelar a figura humana nua, em toda sua fragilidade:
deslocada, despreparada, animalizada, infantilizada. O retrato
do homem que daí brota é complexo como sempre
em sua carreira, e a mise-en-scène serve para cavar
o olhar oficial (ou oficialesco) e descobrir uma verdade imperfeita,
esburacada, mas autêntica e cheia de brilho. Um brilho
que se esconde como clássico, límpido, anônimo
apenas num olhar muito superficial, apenas para melhor se
insinuar sobre nossas percepções e revelar sua
grandeza. Essa grandeza siderou a revista nos primeiros meses
do ano, e nos fez voltar com força ao universo de um
realizador que, apesar de fundamental para nós, não
havia ainda ganhado o espaço para um conjunto de textos
que, ao longo da obra, observasse a recorrência de traços
estilísticos, estratégias artísticas
e como elas se articulavam à sensibilidade e à
visão de mundo de Eastwood.
Abel Ferrara, voltando ao longa-metragem com Maria
depois de cinco anos na geladeira tentando alavancar seus
projetos, nos deslumbrara já em outubro de 2006, quando
visto na Mostra de São Paulo, e finalmente em abril
desse ano a novela do estréia/não estréia
resulta em final feliz e ajuda a agitar um pouco um ano até
agora muito pouco entusiasmante em estréias (além
desses, só Maria Antonieta de Sofia Coppola
e A Rainha de Stephen Frears ganham uma adesão
mais sólida por parte da revista). Aproveitamos a ocasião
para rever a fantástica filmografia que Abel Ferrara
vem construindo desde o final da década de 70 e declarar
sua definitiva importância no cenário do cinema
contemporâneo.
Ferrara e Eastwood, dois cineastas americanos de perfis diferenciados,
partilham no entanto algumas características. Em primeiro
lugar, ambos carregam o estigma de mavericks, de figuras
que, rodeados ou não de dinheiro e privilégios
isso é verdade para um, não para o outro
, mantêm sempre o percurso e o pensamento em total
independência em relação ao meio e aos
modismos reinantes. Em segundo lugar, ambos são ou
menosprezados ou considerados com indiferença por uma
crítica mainstream que, míope ou guiada
por princípios menos estéticos que temáticos
(os soldadinhos da "relevância"), só
dá atenção a eles quando o assunto do
filme é "nobre". Não à toa,
perdem totalmente o fio da meada. Mais significativo, no entanto,
é que esses dois cineastas, à distância
que os sete anos já nos dão, aparecem hoje como
talvez os dois diretores americanos de contribuição
mais sólida e poderosa durante a década de 90
(OK, existe Lynch, existe Tarantino, mas...). Obscurecidas
pelo caráter em aparência simplesmente comercial
(no caso de Eastwood) ou pela invisibilidade parcial pela
falta de lançamento no cinema, até mesmo em
vídeo (caso de Ferrara), são cinematografias
às quais ainda não foi dado pensamento suficiente.
Comecemos, então.
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