Juliette Binoche em Maria, de Abel Ferrara

Filmes de Chris Marker (foto), Moretti, Wong Kar-wai, Person, Ana Carolina, Anthony Mann e J. B. Tanko, entre outros, na seção de DVD.

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Clint Eastwood e Abel Ferrara. O primeiro, com um dístico impressionante de filmes de guerra, abordando dois lados da mesma batalha, abstraiu o espetacular das exibições bélicas para nos revelar a figura humana nua, em toda sua fragilidade: deslocada, despreparada, animalizada, infantilizada. O retrato do homem que daí brota é complexo como sempre em sua carreira, e a mise-en-scène serve para cavar o olhar oficial (ou oficialesco) e descobrir uma verdade imperfeita, esburacada, mas autêntica e cheia de brilho. Um brilho que se esconde como clássico, límpido, anônimo apenas num olhar muito superficial, apenas para melhor se insinuar sobre nossas percepções e revelar sua grandeza. Essa grandeza siderou a revista nos primeiros meses do ano, e nos fez voltar com força ao universo de um realizador que, apesar de fundamental para nós, não havia ainda ganhado o espaço para um conjunto de textos que, ao longo da obra, observasse a recorrência de traços estilísticos, estratégias artísticas e como elas se articulavam à sensibilidade e à visão de mundo de Eastwood.

Abel Ferrara, voltando ao longa-metragem com Maria depois de cinco anos na geladeira tentando alavancar seus projetos, nos deslumbrara já em outubro de 2006, quando visto na Mostra de São Paulo, e finalmente em abril desse ano a novela do estréia/não estréia resulta em final feliz e ajuda a agitar um pouco um ano até agora muito pouco entusiasmante em estréias (além desses, só Maria Antonieta de Sofia Coppola e A Rainha de Stephen Frears ganham uma adesão mais sólida por parte da revista). Aproveitamos a ocasião para rever a fantástica filmografia que Abel Ferrara vem construindo desde o final da década de 70 e declarar sua definitiva importância no cenário do cinema contemporâneo.

Ferrara e Eastwood, dois cineastas americanos de perfis diferenciados, partilham no entanto algumas características. Em primeiro lugar, ambos carregam o estigma de mavericks, de figuras que, rodeados ou não de dinheiro e privilégios – isso é verdade para um, não para o outro –, mantêm sempre o percurso e o pensamento em total independência em relação ao meio e aos modismos reinantes. Em segundo lugar, ambos são ou menosprezados ou considerados com indiferença por uma crítica mainstream que, míope ou guiada por princípios menos estéticos que temáticos (os soldadinhos da "relevância"), só dá atenção a eles quando o assunto do filme é "nobre". Não à toa, perdem totalmente o fio da meada. Mais significativo, no entanto, é que esses dois cineastas, à distância que os sete anos já nos dão, aparecem hoje como talvez os dois diretores americanos de contribuição mais sólida e poderosa durante a década de 90 (OK, existe Lynch, existe Tarantino, mas...). Obscurecidas pelo caráter em aparência simplesmente comercial (no caso de Eastwood) ou pela invisibilidade parcial pela falta de lançamento no cinema, até mesmo em vídeo (caso de Ferrara), são cinematografias às quais ainda não foi dado pensamento suficiente. Comecemos, então.

 
     
  Ruy Gardnier