Um grupo de homens de meia-idade
com a vida em crise (ou, simplesmente, com a vida parada)
resolve tirar uma semana na estrada distante de família,
celular ou mesmo de qualquer direção, para curtir como
aqueles que fingem ser uma vez a cada sete dias pelas
ruas do subúrbio onde vivem: motoqueiros selvagens.
A sinopse do filme de Walt Becker, se seguida ao pé da
letra, poderia dar a entender que Motoqueiros Selvagens trata-se
de um grito de liberdade contra o marasmo e a rotina
da vida cotidiana, tal qual o filme no qual se referencia, Easy
Rider, em uma atualização cômica da era hippie
do fim dos anos 60 para o mundo informatizado e careta
do início dos anos 2000. A presença de John Travolta,
Tim Allen, William H. Macy, Martin Lawrence (e, como
vilão, Ray Liotta) poderia reforçar essa visão. Cinco
atores que já tiveram dias de maior sucesso em um filme
que talvez desse nova notoriedade a suas carreiras,
com papéis de risco, a favor de uma moral questionadora.
A presença de Peter Fonda como “padrinho” dessa empreitada,
quase ao final da projeção, deveria funcionar, em tese,
como a confirmação dessas proposições.
O problema é que, de selvagem, a comédia não tem absolutamente nada. Os atores,
todos eles, parecem satisfeitos em repetir os tiques de atuação que os deixaram
famosos, como se o sucesso não viesse a partir de uma vontade de renovação, mas
simplesmente pela repetição de certos cacoetes durante o maior número de segundos
em cena, numa tentativa um tanto desesperada e auto-referencial de chamar a atenção
do público para aquilo que ele andou se esquecendo. Para isso, não ajuda o fato
de John Travolta, William H. Macy e Ray Liotta não serem exatamente comediantes
e de Tim Allen e Martin Lawrence não serem exatamente bons. Nem tampouco a idéia
de que dar a cada protagonista um papel que se adeque perfeitamente a seu tipo
seja apenas pedir a eles para repetirem tipos antigos. O risco e a liberdade
que deveriam estar contidos em Motoqueiros Selvagens já vão desaparecendo
antes do filme começar, na criação dos personagens e escalação de seus protagonistas.
E é esta operação que Walt Becker parece querer estabelecer com o sentido de
liberdade contido nos finais dos anos 60 e referenciado por seu filme: transformar
o arriscado em genérico; o questionamento moral em simples piada velha; a inteligência
em idiotice. Como no “reality show” que aparece quase durante os créditos, símbolo
de como os “heróis” ajeitaram a vida daqueles que, a princípio, seriam os verdadeiros
motoqueiros, a moral deste filme vem construída a partir de uma moldura pronta,
na qual todos os elementos precisam estar perfeitamente configurados. Peça por
peça, Motoqueiros Selvagens vai se construindo dentro da perfeita lógica
dos grandes estúdios: pode, sim, se falar de liberdade, desde que o filme passe
longe dela.
Os bons diretores sabem tirar destas imposições um manancial enorme de piadas
auto-críticas, de ironias veladas, de camadas de humor. No caso deste filme, é complicado,
considerando que a única camada existente é aquela que se faz óbvia diante do
espectador, que pede a piada necessariamente identificável e naturalmente esquecível.
E assim Motoqueiros Selvagens segue seu caminho durante quase duas horas,
com seus planos de estrada repletos de belas paisagens, com suas cidades rurais
pacatas e hospitaleiras, com suas piadas tolas e repetitivas. Talvez, no fundo,
o tempo passe, e o filme não seja assim tão ofensivo. O grande problema é que,
realmente, o tempo passa, e saímos da sala de cinema com a certeza de que Motoqueiros
Selvagens, na verdade, não é nada, e pronto.
Leonardo Levis
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