UM LUGAR NA PLATÉIA
Danièle Thompson, Fauteuils d’orchestre, França, 2006

Um Lugar na Platéia até pode ter cara de filme-painel, mas essa impressão passa rápido. Não que ali não se esteja lidando com múltiplos núcleos dramáticos que se cruzam eventualmente por conta de algum grande evento de intersecção, e que cada um queira contribuir com sua parcela para um certo “panorama humano” ao qual fazem referência,  mas é que há em Danièle Thompson uma consciência quase consternada de que qualquer totalidade é impossível. Se o grande retrato de Nova York que deveria ser Manhattan não passa, como disse certa vez um crítico americano a respeito de Woody Allen, de um filme sobre três ou quatro quarteirões de apenas um dos bairros da cidade, Um Lugar na Platéia é ainda mais modesto. Sua Paris luminosa ameaça ser, nos planos gerais que abrem e fecham o filme, todo o skyline iluminado e fulgurante da cidade, mas rapidamente se restringe a uma única rua, a Avenue Montaigne, e menos ainda, em três ou quatro locações no interior dela. Logo o clima de making of de Paris É Uma Festa também se desfará, porque os artistas e intelectuais que passam pela frente da câmera estão longe de qualquer genialidade. São recorrentes no filme as referências a grandes nomes do cinema francês, Resnais, Truffaut, Blier, Binoche, Adjani, Depardieu, tudo isso dito com uma encantadora distância, certeza de que estas figuras fazem parte de um outro universo que não é este pelo qual os personagens de Thompson passeiam agora. Ali, entre o palco de um teatro, uma sala de concertos, um stand de leilão e um café apertado, só circulam os pequenos nomes, as pequenas histórias.

Assim, ainda que queira se meter nas crises pessoais de seus personagens, e queira acompanhar suas decepções para poder, depois, aproveitar junto deles a alegria do momento em que tudo se acerta, não há muito mais o que fazer a não ser embalá-los no mesmo registro plácido e eficiente das comédias de costume francesas, dedicar a máxima atenção possível a cada um sabendo que, pelo acúmulo de focos narrativos, este tempo será imensamente mais curto do que o necessário para que cada personagem realmente aconteça em cena como tal, e não apenas como parte de uma cadeia bem específica de tipos tragicômicos. Posto que o grande assunto de Um Lugar na Platéia acaba não sendo este universo dos bastidores da arte que monta, mas sim sua própria relação com ele, e o título em português é muito claro nesse sentido. Jessica, a garçonete que Cécile de France interpreta e que serve como atravessadora entre o mundo “real”, o do espectador e o seu próprio, e o mundo “dos sonhos” desse burburinho cultural, termina o filme dizendo que a melhor lição que aprendeu com toda sua aventura por esse espaço novo foi justamente como escolher seu lugar na platéia de um concerto ou de uma peça de teatro: nem muito perto do palco, nem muito longe. É o mesmo mandamento válido para a relação de Danièle Thompson com o cinema, e com o filme que aqui realiza. Sabe-se que mergulhar verdadeiramente nas vidas de quem produz e pensa a arte exige muito mais que travellings carinhosamente inúteis e algumas crises existenciais de porta-de-cinemateca, mas ao mesmo tempo a atração por este ambiente é irresistível, e a devoção que se tem por ele, genuína. Um Lugar na Platéia é, no fundo, como a concierge do teatro que Dani faz com tanta graça: sem nenhum talento particular, a não ser um incrível jogo de cintura para estar sempre perto de quem tenha algum.

Rodrigo de Oliveira