Um Lugar na Platéia até
pode ter cara de filme-painel, mas essa impressão passa
rápido. Não que ali não se esteja lidando com múltiplos
núcleos dramáticos que se cruzam eventualmente por conta
de algum grande evento de intersecção, e que cada um
queira contribuir com sua parcela para um certo “panorama
humano” ao qual fazem referência, mas é que há em Danièle
Thompson uma consciência quase consternada de que qualquer
totalidade é impossível. Se o grande retrato de Nova
York que deveria ser Manhattan não passa, como disse certa vez um crítico
americano a respeito de Woody
Allen, de um filme sobre três ou quatro quarteirões
de apenas um dos bairros da cidade, Um Lugar na Platéia
é ainda mais modesto. Sua Paris luminosa ameaça ser,
nos planos gerais que abrem e fecham o filme, todo o
skyline iluminado e fulgurante da cidade, mas rapidamente se
restringe a uma única rua, a Avenue
Montaigne, e menos ainda, em três ou quatro locações
no interior dela. Logo o clima de making of de Paris É Uma Festa também
se desfará, porque os artistas e intelectuais que passam
pela frente da câmera estão longe de qualquer genialidade.
São recorrentes no filme as referências a grandes nomes
do cinema francês, Resnais,
Truffaut, Blier, Binoche, Adjani, Depardieu, tudo isso dito com uma encantadora distância, certeza
de que estas figuras fazem parte de um outro universo
que não é este pelo qual os personagens de Thompson
passeiam agora. Ali, entre o palco de um teatro, uma
sala de concertos, um stand de leilão e um café apertado,
só circulam os pequenos nomes, as pequenas histórias.
Assim, ainda que queira se meter nas crises pessoais
de seus personagens, e queira acompanhar suas decepções
para poder, depois, aproveitar junto deles a alegria
do momento em que tudo se acerta, não há muito mais
o que fazer a não ser embalá-los no mesmo registro plácido
e eficiente das comédias de costume francesas, dedicar
a máxima atenção possível a cada um sabendo que, pelo
acúmulo de focos narrativos, este tempo será imensamente
mais curto do que o necessário para que cada personagem
realmente aconteça em cena como tal, e não apenas como
parte de uma cadeia bem específica de tipos tragicômicos.
Posto que o grande assunto de Um Lugar na Platéia
acaba não sendo este universo dos bastidores da arte
que monta, mas sim sua própria relação com ele, e o
título em português é muito claro nesse sentido. Jessica,
a garçonete que Cécile de
France interpreta e que serve
como atravessadora entre o mundo “real”, o do espectador
e o seu próprio, e o mundo “dos sonhos” desse burburinho
cultural, termina o filme dizendo que a melhor lição
que aprendeu com toda sua aventura por esse espaço novo
foi justamente como escolher seu lugar na platéia de
um concerto ou de uma peça de teatro: nem muito perto
do palco, nem muito longe. É o mesmo mandamento válido
para a relação de Danièle
Thompson com o cinema, e com o filme que aqui realiza.
Sabe-se que mergulhar verdadeiramente nas vidas de quem
produz e pensa a arte exige muito mais que travellings carinhosamente
inúteis e algumas crises existenciais de porta-de-cinemateca,
mas ao mesmo tempo a atração por este ambiente é irresistível,
e a devoção que se tem por ele, genuína. Um Lugar
na Platéia é, no fundo, como a concierge
do teatro que Dani faz com
tanta graça: sem nenhum talento particular, a não ser
um incrível jogo de cintura para estar sempre perto
de quem tenha algum.
Rodrigo de Oliveira
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