Dois personagens: um escritor
de comédias teatrais e um censor. Um palco simples:
a grande sala na qual o censor escolhe as peças aprovadas
e reprovadas para exibição. Um roteiro de inspiração
claramente teatral: centrado nos diálogos, dividido
em sete longas seqüências que ocorrem em um mesmo espaço-tempo. Escola
do Riso é um filme marcado, do início ao fim, por
uma questão: o que se ganha adaptando para as telas
uma peça que parece encaixar-se de forma tão orgânica
e até restritiva naquele que é seu palco natural, o
teatro? Por que levar ao cinema, inclusive, uma peça
que existe conforme os moldes de um teatro clássico,
que não busca novas formas de tratar a dramaturgia
ou o espaço cênico?
A resposta pode ser simples. Um filme, naturalmente, alcança uma faixa de público
maior e diferenciada, até por ser mais facilmente distribuído para fora do país.
Como se trata de uma peça fundada em uma mensagem moral bastante clara - “a arte é o
bem maior do homem, e a existência da guerra acaba por destruí-la” -, essa justificativa
faz bastante sentido. Mais pessoas irão se emocionar e refletir sobre a presença
destrutiva da guerra em nossas vidas, difundindo entre si uma mensagem importante
e necessária. Dessa forma, a peça – ou pelo menos aquilo que realmente importa
nela – será totalmente bem-sucedida. Sim, pode ser isso. Ao mesmo tempo, os méritos
cinematográficos de adaptá-la com apenas esta justificativa são absolutamente
nulos. Possivelmente, até prejudicam uma proposição tão bem-intencionada: é necessário
um mínimo de mudança para manter o interesse de uma obra teatral fechada assim
em seus limites para o campo da arte cinematográfica.
Infelizmente, tão simplista quanto esta moral “humanista”, que no ato final do
filme (ou seria da peça?) reveste-se de dramalhão simplesmente para amplificar
seus objetivos, o diretor de Escola do Riso, Mamoru Hoshi, prefere quase
sempre fazer da transposição do teatro para o cinema o caminho mais óbvio, fácil
e, no final das contas, desinteressante. O cinema, dessa forma, acaba servindo
apenas como um meio que, não tendo mais os “limites do teatro” para se prender
(limites estes já muito questionados dentro do próprio teatro), procura evidenciar
a mensagem através do que ele, o cinema, poderia oferecer, no sentido mais lugar-comum
que possa ser pensado. Portanto, se o censor diz que chorou assistindo uma peça
popular, por que não mostrar esta cena? Ou, se o comediante revela que as pessoas
riem durante a comédia que escreveu, é preciso fazer um travelling que
mostre, em close-up, o riso histérico dessas pessoas. Afinal, a vantagem do cinema,
para Mamoru Hosi, é a capacidade de mostrar mais, mostrar tudo, não deixar caminhos
abertos para interpretação alguma. Uma mensagem deve ser passada, naturalmente.
Então Escola do Riso é muito ruim? Na maior parte do tempo, sim. Um diretor que
utiliza o be-a-bá da decupagem cinematográfica para passar uma mensagem cujo
grande valor, no fim das contas, é ser bonita (talvez, em uma visão um pouco
mais radical, o fato desta moral pregada ser difundida no Japão, país marcado
pelo senso forte de disciplina e entrega à nação, dê a Escola do Riso algumas
qualidades novas, que de qualquer forma já existiriam na peça), não pode querer
que seu filme tenha grande interesse. Em outra parte do tempo, entretanto, especialmente
durante o meio do filme, Escola do Riso possui um charme inegável, que, a princípio,
não deveria estar presente em uma obra de proposições tão claras e simples.
Felizmente, existe em Escola do Riso também um filme que, volta e meia, sobressai-se àquele
que salta aos olhos e existe apenas para provar seu valor de conteúdo. Um filme
que, menos do que dizer “para que a arte serve”, é arte, apenas, e assim se basta.
Ancorado na presença dos dois ótimos protagonistas – em especial na de Koji Yakusho
como o censor, que consegue variar rapidamente de um acesso de cólera para um
riso quase infantilizado, despertando ao mesmo tempo o ódio e a simpatia do espectador
- e na música circense que permeia a narrativa, quando o filme assume que a magia
que aquela peça deveria provocar é a mesma magia que, em alguns momentos, o cinema
consegue transmitir, Escola do Riso deixa de ser um libelo humanista para transformar-se
na obra de arte que desejava.
A mise-en-scène torna-se mais solta, livre e desregrada, os atores parecem
divertir-se como crianças, as amarras de roteiro não marcam tanto a tela. Certamente,
não é nos momentos sérios que Escola do Riso consegue provocar uma reação verdadeira,
mas naqueles em que o espetáculo cômico é assumido, e nos quais a graça de sentir-se
em um palco de circo, ou assistindo uma peça de teatro, ou, nesse caso, sentado
em uma sala de cinema (pois Escola do Rio, nesses momentos, e só nesses, é um
filme para cinema) é tudo o que filme oferece. Infelizmente, na maior parte do
tempo, preocupado em passar uma grande mensagem, Mamoru Hosi se esquece do que
sua grande mensagem, no fim das contas, é feita: a capacidade do teatro (ou do
cinema) de, durante duas horas, permitir a si mesmo ser engraçado, e mais nada,
que às vezes apenas fazer rir é a verdadeira forma de combate.
Leonardo Levis
|