O
ASSASSINO DA FURADEIRA
The Driller Killer, EUA, 1979
Dentro da lógica da cartilha que rege os filmes
de terror clássicos, é comum que diversas pessoas sofram
as conseqüências de uma ferida no passado de outra pessoa,
sejam as vítimas culpadas ou não. Ferida tão profunda
que de alguma forma desfigura o assassino e que, ajudada
pelo nosso distanciamento de seu personagem e a aproximação
com as pessoas mortas por ele, faz com que esse perca
a qualidade de humano. Em O Assassino da Furadeira
não existe o outro desumano, somos nós que sofremos
as feridas ao sermos submetidos ao ponto de vista de
Reno, um jovem pintor interpretado pelo próprio diretor
Abel Ferrara, que sucumbe as pressões cotidianas do
mundo e começa a matar as pessoas com uma furadeira
portátil para aplacar sua ira. É realmente perturbador
o processo de identificação que Ferrara submete os seus
espectadores, pois em um determinado momento nós temos
a idéia de usar a furadeira como arma para se livrar
dessas "feridas" antes mesmo do personagem indicar isso.
Para chegar a esse efeito, o diretor abusa de filtros
coloridos, cortes rápidos e de um jogo de sons densos
em cada momento de alucinação de Reno, transmitindo
a sensação de que não existe uma saída para aquela opressão
do mundo. Iconoclasta, Ferrara coloca entre as pressões
sofridas pelo pintor a própria necessidade de vender
a sua arte, e conseqüentemente ter que fazê-la para
agradar aos outros, para conseguir sobreviver, atacando
o próprio meio com o qual ele trabalha. Seja pelo choque
estético ou por nos colocar no corpo de um assassino,
é impossível não se impactar com O Assassino da Furadeira.
Nele, o inferno somos todos nós. (Bernardo Barcellos)
ANJO DA VINGANÇA
Ms. 45/Angel of Vengeance, EUA, 1981
Como no posterior Cidade do Medo, Ms.
45 traz uma Nova York lado B, guetizada, um espaço
à mercê de crimes sem explicações
sócio-psicológicas convincentes. O mal
está feito já de antemão, o filme
não precisa elaborar um diagrama de causa-conseqüência
nuançado. As motivações são
rústicas e diretas. A história lembra
a de outros filmes de assassinato em série do
mesmo período, porém certos aspectos estão
mais marcados, mais fermentados até. Após
sofrer dois abusos sexuais no mesmo dia, a protagonista,
moça tímida e reclusa, inicia uma série
de crimes, matando diversos homens com uma pistola 45.
Os homens se espalham pela cidade de modo a formar uma
rede de vilania automática, uma geração
espontânea de violência (física ou
não, verdadeira ou não) contra a protagonista,
que, fechada em seu mutismo, a princípio não
tinha nenhum potencial de assassina – acontece que o
mal não só já está feito,
como busca também seu modo de permanência
onde quer que seja. È por isso mesmo que não
se deve enganar com os finais de Ms. 45 ou Cidade
do Medo: nada se reconciliou, nenhum sacrifício
humano foi capaz de devolver a paz ao mundo. A senhorita
45 incrementa seu figurino e seu modus operandi
ao suceder dos crimes, tornando-se quase uma personagem
de quadrinho. Ferrara consegue partir de uma narrativa
absurdamente superficial, pautada sobre o mais convencional
enredo de vingança, para fazer as interrogações
morais e teológicas a que seu cinema iria sempre
retornar. Se há um toque trash, é
muito menos questão de estilo do que o resultado
de uma verdadeira imersão no lixo da cidade e
de seus habitantes. A personagem vai sendo dominada
por seu delírio de vingança, enquanto
a cidade parece cada vez mais reduzida a guetos, becos
sujos, calçadas caóticas. Mais ainda do
que nos filmes recentes de Michael Mann, Ferrara já
praticava nos anos 80 uma distorção esquizofrênica
da paisagem urbana. Na seqüência clímax,
a vingadora está vestida de freira e promove
uma matança antológica na festa de Halloween.
Ferrara estira a duração desse clímax
macabro através de uma câmera lenta irredutível
a efeitos de perversão, sadismo ou mesmo requinte
visual. Tampouco há uma idéia clara de
salvação ou redenção para
a personagem. É antes a violência em sua
força pura. (Luiz Carlos Oliveira Jr.)
CIDADE DO MEDO
Fear City, EUA, 1984
Fear City continua, em moldes mais comerciais,
ali onde Ms. 45 tinha terminado. A paranóia
sexual transformada em instinto assassino, no entanto,
sai da mulher e vai para o homem, que não é
mais o protagonista, mas um fantasma que espreita por
becos escuros e escreve sua filosofia de vida num livro,
bem instalado num galpão sombrio, onde também
treina artes marciais. O trauma da costureira do filme
anterior se transforma em pseudo-disciplina de purificação
social, porque trata-se de um assassino de mulheres
que vivem da indústria do sexo. Do outro lado,
Tom Berenger trabalha no submundo novaiorquino, agenciando
modelos de strip-tease e tentando reviver seu
relacionamento com Melanie Griffith, uma de suas strippers.
A intriga é típica da lavra de Nicholas
St. John, porque o que era para ser um thriller
rotineiro se transforma numa questão moral (Berenger
não para de reviver o momento em que, quando
boxeador profissional, matou um oponente no ringue)
e um mergulho realmente sujo no submundo – tão
sujo que a Fox, produtora original do filme, vendeu-o
a uma independente para não ter sua imagem associada.
Há naturalmente muita mulher pelada, algumas
cenas de luta, o suspense se instala, mas Fear City
está longe de ser um perfeito exemplar do cinema
de exploitation, e isso se deve ao fato de que
Abel Ferrara faz com que tudo tenha um peso moral que
evita o desprendimento do olhar do espectador, assim
reduzindo o efeito de recompensa típico desse
tipo de cinema. Ainda assim, é um filme algo
desajeitado, em dúvida entre continuar na linha
explosiva do longa anterior ou tentar uma conciliação
com a indústria (depois disso, Ferrara manteria
o esquema dirigindo o telefilme The Gladiator e
filmando episódios para as séries Miami
Vice e Crime Story). Dessa forma, ele acaba
não sendo tão intenso quanto poderia,
nem deslanchando comercialmente a carreira do diretor.
Restam algumas boas cenas e sobretudo a atmosfera indiscriminada
de pecado, que é Ferrara puro. (Ruy Gardnier)
UM AMOR FATAL
China Girl, EUA, 1987
China Girl é o máximo que o
cinema de Abel Ferrara pode chegar do conto de fadas.
Conto de fadas noturno, sinistro, sem happy end possível,
mas ainda assim um conto de fadas. E é assim
que, dentro de um mundo que distila ódio ao outro
e prega que a harmonia só é possível
entre iguais, brota a centelha de um amor interracial
que se destaca inteiramente do clima de violência
que o rodeia. Surgem ecos de West Side Story
nos conflitos entre as gangues e nas situações
de angústia dos jovens contemporâneos que
atualizam o drama shakespeariano de Romeu e Julieta,
mas Ferrara sabe atribuir a seu filme uma atmosfera
toda própria pelos ângulos insólitos
dos planos e acima de tudo pelo cromatismo pra lá
de carregado. É o filme de Ferrara que mais atribui
significação à cor, em que a colocação
da câmera assume mais claramente sua função
conotativa. A mise-en-scène de China Girl
aposta num tom de fantasia, quase expressionista, como
que esquecendo que o approach para filmar um
mundo brutal é o do realismo cru, dos cortes
secos e da agilidade da ação. O tom dela
é o da inocência do amor que nasce entre
Tony e Tye, que instala situações em que
o tempo se dilata e quebra a passagem objetiva do tempo.
É como se a mise-en-scène fosse a única
companheira do casal de namorados, e que só a
eles ela devesse ser fiel. Mas há o outro lado
do amor, que são as gangues de chineses e italianos
em luta entre si, explodindo lojas da redondeza, atirando
uns nos outros, arrumando brigas por nada ou muito pouco.
O tema antecipa em dois anos Faça a Coisa
Certa, e mesmo a sensação de uma panela
de pressão interracial pronta para explodir já
está lá. Mas no cinema de Ferrara, por
mais que as questões "do mundo" (sociedade, política,
religião, etnia) importem, elas serão
tratadas fundamentalmente nas reações
subjetivas de seus personagens consigo mesmo (primeiramente)
e com os outros (em seguida), e em China Girl não
é diferente. O filme se acaba como começa:
estilização total, o tempo pára,
os movimentos parecem mecanizados pela previsibilidade,
a sensação de destino é terrível.
Num clima de ódio como esses, um amor autêntico
não pode ser possível, parece dizer o
diretor ao fim do filme. Na maioria dos cineastas, a
intriga amorosa oculta ou relega a questão social
para segundo plano. No caso de Ferrara, ela amplia e
o destino da união sela uma veemência de
discurso. Trata-se, então, de um filme político.
Um conto de fadas político, e nessa quase incongruência
de proposta Ferrara realiza um de seus mais belos filmes.
(RG)
CAT CHASER
EUA, 1989
É sempre trabalhoso convencer alguém
do valor de Cat Chaser, e não sem motivos.
Os produtores cortaram mais de uma hora do corte final
de Ferrara (que tem 157 minutos e é ocasionalmente
exibido, e muito bem recebido, em retrospectivas). O
produto final é por vezes incompreensível,
com boa parte da ação acontecendo fora
de cena e os motivos dos personagens permanecendo obscuros.
Neste sentido o filme lembra uma versão mais
naturalista de New Rose Hotel, com a diferença
que nada na estratégia do filme sugere as razões
para ele ser tão impenetrável. Trata-se
de uma adaptação de Elmore Leonard, um
dos autores favoritos do cineasta, sobre um dono de
hotel em Miami (Peter Weller, filmado para valorizar
sua semelhança com Ferrara) assombrado por suas
memórias de guerra que se envolve num esquema
para roubar um ex-general dominicano (Tomas Milian).
O próprio Leonard sempre aponta Cat Chaser
como o melhor filme retirado de um dos seus livros,
e é fácil perceber o porquê: ao
contrário de todas as outras adaptações
do autor, Cat Chaser é um filme sobre
cinismo e não um filme cínico. O crítico
inglês Brad Stevens apontou muito no seu livro
sobre Ferrara que Cat Chaser é o negativo
de China Girl, ambos filmes sobre romances secretos
num cenário de ganância, o filme anterior
focado num casal inocente, enquanto este num tão
ou mais culpado quanto os "vilões". Cat Chaser
se constrói como um estudo sobre um personagem
que se convence de que, não importa o que faça,
ele é um dos mocinhos. O filme é cheio
de boas idéias e a habilidade de Ferrara de tirar
o máximo das suas locações e situações
não deixa a desejar aos seus melhores trabalhos
(as cenas na piscina do hotel são brilhantes).
A trama de Cat Chaser pode se tornar progressivamente
obscura, mas seu espírito e idéias são
claros e o filme é um dos melhores do Ferrara,
uma peça importante na sua obra. (Filipe Furtado)
O REI DE NOVA YORK
King of New York, EUA, 1990
No início da projeção de O
Rei de Nova York vemos Frank White (Christopher
Walken) ser liberado da prisão e, após
algumas seqüências, instalar seu quartel
general no Hotel Plaza, um dos mais luxuosos da cidade
onde se passa o filme. Temos o crime e a sordidez invadindo
o templo do luxo e da sofisticação. Isso
é mais ou menos um retrato simbólico daquilo
que Abel Ferrara viria a fazer ao longo de sua carreira.
Penetrar com seu cinema que faz pouca ou nenhuma concessão
às normas do bom gosto ou da narrativa cinematográfica
moldada em princípios canônicos, seja dentro
dos moldes clássicos, seja dentro dos padrões
consagrados como cinema de arte, e ir se impondo como
um nome a ser conhecido, respeitado e louvado no âmbito
da crítica e no circuito dos festivais cinematográficos.
O Rei de Nova York é um dos mais interessantes
e expressivos exemplares da obra de Ferrara. Momento
de transição, juntamente com seu trabalho
seguinte – Vício Frenético (1992)
– em que deixa de ser visto como um mero condutor de
exploitations de baixo orçamento e já
deixa encontrar delineadas e amadurecidas as características
de seu estilo pessoal. Um cinema que pode ser definido
como em constante pulsação. Cada seqüência,
ou mesmo cada plano isolado guarda em si uma força
de intensidade explosiva, que reside muito mais no momento
em si que na coerência global do conjunto. Não
que este ao final não se imponha coeso, muito
pelo contrário. Só que essa coesão
não brota a partir de uma sujeição
a padrões narrativos pré-estabelecidos,
mas sim da veracidade que o autor sempre impõe
a todos seus trabalhos, que nunca deixam de espelhar
a sua própria vivência. Ferrara é
homem de exceção e de excessos, e assim
também pode ser classificada sua obra. No caso
específico de O Rei de Nova York, temos
a imposição da figura de Frank White.
Cada seqüência expõe uma de suas diferentes
facetas, mas a totalidade de seus pensamentos e atitudes
é um enigma que vai ao longo do filme sendo ao
mesmo tempo decifrado e tornado mais complexo, até
o final que transfere a ele as marcas do herói
(ou seria anti-herói?) trágico, como um
rei de muitas das peças escritas por Shakespeare.
Frank é figura que se define e se contradiz a
cada instante. Assassino impiedoso de seus adversários,
mas preocupado na manutenção de um hospital
que atenda às necessidades de sua comunidade.
E essas são algumas das pequenas minúcias
de um personagem que encontra em Christopher Walken,
ator de talento inigualável e aqui em estado
de graça, a mais perfeita tradução
para sua complexidade. O universo de Abel Ferrara encontra-se
também perfeitamente exemplificado ao longo de
O Rei de Nova York. Vemos aqui que os mesmos
personagens que imergem num mundo de crimes, drogas
e sexo promíscuo, mas também consumem
arte, vendo peças de teatro e filmes clássicos
– chama atenção a seqüência
na qual traficantes tratam de negócios envolvendo
um carregamento de drogas enquanto assistem ao Nosferatu
de Murnau. E não deixam de carregar a inefável
culpa católica, tão recorrente ao longo
da obra de Ferrara. Sua capacidade como encenador também
se impõe com evidente clareza em O Rei de
Nova York. Cada seqüência de seu filme
é carregada com uma secura que vai de encontro
a uma dramaticidade operística presente em diversos
filmes de gângster como na trilogia O Poderoso
Chefão ou no Scarface de Brian DePalma.
Não há em O Rei de Nova York espaço
para idealização ou heroísmo. Bandidos
e policiais se confundem em suas atitudes e objetivos,
como no momento em que o grupo de Frank é traído
e sofre uma emboscada orquestrada pelos tiras vingativos
vividos por David Caruso e Wesley Snipes. A partir daí,
as cenas se sucedem de forma conduzida pela mise-en-scène
de Ferrara com um raro brilho, associado a uma acachapante
simplicidade. A perseguição nos carros,
o embate entre Caruso, Snipes e Larry Fishburne tendo
a ponte como fundo, o assassinato no enterro, o duelo
no metrô entre Walken e Victor Argo, tudo culminando
em seqüência climática inesquecível
no interior de um táxi preso num engarrafamento
nas ruas de Manhatthan. Ferrara se apresenta nesse filme
como um cineasta tão consciente do domínio
de seu talento que se dá ao luxo da auto-referência,
reeditando aqui um momento de seu China Girl (1987).
Tudo isso torna assistir a O Rei de Nova York uma
missão obrigatória para todos que desejam
conhecer o que é Abel Ferrara. (Gilberto Silva
Jr.)
VÍCIO FRENÉTICO
Bad Lieutenant, EUA, 1992
Vício Frenético tem um eixo
cronológico muito preciso, o tempo de quatro
jogos de uma miraculosa virada na final do campeonato
de beisebol. Ainda assim, não há filme
que trabalhe de modo tão desorientador nas perspectivas
de tempo, espaço, alucinação, realidade,
êxtase e normalidade. A montagem abusa de elipses
e falsos raccords para nos retirar de uma percepção
objetiva dos fatos e adentrar no universo de culpas
& excessos do personagem principal, sem nome, referido
apenas como "LT" nos créditos. Sem maiores amparos
de psicologismo na construção do personagem,
apenas vemos o "mau chefe de polícia" levando
seus filhos à escola, chegando em cenas de crime,
apostando com os colegas em jogos de beisebol, fumando
crack, cheirando cocaína, etc. Vício
Frenético é o último romance
maldito, herdeiro de William Blake, de Rimbaud, dos
Cantos de Maldoror, um mergulho de cabeça
nos domínios do destempero e do mal, na intolerável
sensação de descontentamento e na busca
de transgredir para compensar uma enorme necessidade
(a fala de Zoe Lund, atriz-junkie e roteirista do filme,
é uma espécie de declaração
de princípios do cinema de Ferrara). O resultado
é uma autêntica obra-prima e um dos grandes
filmes da década de 90, um filme que ultrapassa
mesmo o choque de imaginário dos filmes "extremos"
e ainda assim vislumbra um escopo muito mais amplo que
a seara juvenil do exploitation. A temporada
de Harvey Keitel no inferno não é de glorificação
ostentatória, mas um aterrorizante conflito entre
falta e perdão, entre uma inocência inalcançável
e um mundo de corrupção que mostra suas
portas escancaradas. A câmera acompanha, distanciada
sempre que possível, o processo de seu personagem
entre perdição e purificação,
cabendo aos momentos conotativos (o angélico
ambiente familiar, a música "Pledging My Love",
a plataforma rodoviária vazia e mal iluminada,
a aparição do Cristo amparada por luzes
laterais estouradas) criar uma atmosfera de sonho, agora
impossível, da reversibilidade de todas as coisas.
O choro agudo, interiorizado e quase mudo de Harvey
Keitel resume o desespero incontido do personagem e
é um dos momentos mais forte de toda história
do cinema. (RG)
INVASORES DE CORPOS
Body Snatchers, EUA, 1993
Invasores de Corpos é o único
filme produzido por um grande estúdio de Abel
Ferrara, e também seu único filmado em
cinemascope. Apesar disso, o filme é dos mais
invisíveis da carreira do diretor e infelizmente
pouquíssimo visto no seu formato correto (até
o DVD nacional é pan & scan). Apesar de ser
uma encomenda, Invasores de Corpos se encaixa
perfeitamente dentro das preocupações
do cineasta, que desde o Tony Coca-Cola de O Assassino
da Furadeira sempre apresentou tipos próximos
dos alienígenas vistos aqui, já que desumanização
sempre existiu como um dos seus temas centrais. Ferrara
adiciona duas grandes sacadas nesta terceira adaptação
do livro de Jack Finney: primeiro, localizar a ação
numa base militar, um espaço que facilita a disseminação
dos alienígenas sem que esta chame a atenção.
A outra é posicionar a trama no seio de uma família
cuja mãe morta acabara de ser substituída,
permitindo a uma adolescente ao longo do filme assassinar
simbolicamente a própria família. Isto
garante ao filme um espaço específico
diferente das versões anteriores. E o foco numa
família, além de garantir o pêndulo
poder/autoridade/família que é central
para o que Ferrara tem a dizer, lhe garante uma especificidade
no campo da dramaturgia que os filmes de Don Siegel
e Philip Kaufman não tinham. Para além
disso, o filme é um espetáculo de sombras
e formas com uma utilização excepcional
do quadro do cinemascope. É um filme construído
a partir de silhuetas e de formas vazias. O medo localizado
em carcaças desprovidas de estofo; corpos vazios,
enfim. Invasores de Corpos é um filme
apocalíptico. Junto a The Addiction, os
dois filmes mais frankfurtianos de Abel Ferrara. Ele
termina em genocídio, apenas dessa vez não
é a humanidade que está sendo destruída,
só que este final feliz é mais desconcertante
e negativo que qualquer coisa encontrada nas versões
anteriores. (FF)
OLHOS DE SERPENTE
Dangerous Game/Snake Eyes, EUA, 1994
Eddie (Harvey Keitel) é um diretor de cinema
que está filmando um casal em violenta
crise. A atriz que faz a mulher do casal no filme dentro
do filme é Madonna, que está nada menos
que sensacional (a cena em que ela chora às raias
da alucinação na frente de um espelho,
sendo dirigida por Keitel fora de quadro, é de
uma intensidade absurda). Na primeira cena de Olhos
de Serpente, Eddie janta com sua esposa e o filhinho.
Toca uma música clássica ao fundo. Na
cena seguinte, ele já se encontra no set de filmagem
e tenta extrair de Sarah (Madonna) e Francis (James
Russo) uma atuação visceral, on the
edge. Há um momento em que ele diz para Francis:
"Ou você está bebendo e cheirando demais
ou de menos. Pare com isso ou faça mais, um dos
dois!". Isso define bastante coisa sobre os rumos do
cinema de Ferrara: a criação nasce de
um processo extremo, desgastante – degradante. Quando
Eddie recebe a visita da família, uma falsa calmaria
paira no ar. Mas é só uma questão
de tempo até que a violência deixe de ser
latente e aflore, ou seja, até que o inferno
conjugal da ficção invada o próprio
casamento de Eddie (sobretudo após ele começar
a ter um caso com Sarah). A ficção que
ele filma e a ficção que ele vive se contaminam
num determinado ponto – em Ferrara, o inferno é
um vírus hiper-contagioso. Quando isso acontece,
ocorre a melhor cena do filme, a explosão da
esposa (o ápice de Os Chefões será
também uma cena de briga entre marido e mulher,
com Chris Penn e Isabella Rossellini). Assim como o
lar tranqüilo e o set caótico se contrastam
num primeiro momento, os diálogos desenfreados
se revezam aos silêncios introspectivos de Eddie.
No filme dentro do filme, os planos possuem uma potência
de saturação e despojamento incrível,
um ruído enorme se instala na mise en scène,
os cenários montam precipícios onde os
atores despencam em queda livre. Um teatro perigoso
e trágico, um processo de autocombustão.
Insinua-se a forma desgovernada e delirante dos filmes-abismos
que Ferrara faria posteriormente. (LCOJr.)
THE ADDICTION
EUA, 1995
The Addiction é um filme de vampiros,
e o é de uma forma inteiramente singular, pois
mais do que retrabalhar códigos e convenções
de gênero, ele faz as próprias imagens
parecerem verdadeiras sugadoras de luz, que exaurem
a energia do mundo para tornar visível sua face
escondida. Depois tudo volta a ser escuro. Para sair
da sombra e ser visto, o corpo precisa também
vampirizar a luz, eclipsá-la como faz o personagem
de Christopher Walken em sua primeira aparição,
quando anda pela rua e é abordado por Kathleen
(Lily Taylor). "Você quer ir a um lugar escuro?",
ele pergunta e a arrasta para fora de quadro. No momento
em que eles saem de quadro, uma luz estourada vaza para
dentro da imagem pelo lado esquerdo, antes ocupado justamente
pelo personagem de Walken, como se ele a estivesse represando
e somente agora essa luz pudesse atingir o plano. É
óbvio que em se tratando de Ferrara, o vampirismo
é uma forma de representar a força incontrolável
e destrutiva da droga, e de mostrar sua propagação
violenta na sociedade. Assim como as drogas, as imagens
– advenham da cultura pop ou do horror das guerras –
detêm um enorme poder de contágio dentro
do ambiente urbano. Kathleen a princípio não
consegue entender as imagens das pilhas de corpos dos
civis vietnamitas mortos no massacre de My Lai – imagens
que nos fazem perceber que é da ambigüidade
moral de toda a América que o filme trata, evocando
um passado histórico irredimível e mostrando
que sua tão frisada distinção entre
bem e mal é mero discurso. Quando o corpo de
Kathleen é dominado pela força maligna,
ela compreende que essa força precede toda explicação.
Lily Taylor está incrível, encarnando
uma personagem cuja vida entra em convulsão e
se afunda ao longo da narrativa, entre crises de abstinência
e de overdose. Kathleen estava desde o início
do filme se tornando doutora em filosofia, mas o que
ela ainda precisava aprender é que o conhecimento
verdadeiro só chega uma vez atravessado o sofrimento
físico. Ao menos para Ferrara é assim.
Uma operação interessante em The Addiction
é que, sendo este o filme de Ferrara que
mais se liga a uma iconografia muito específica,
que pede uma dramaturgia um tanto fechada, ele exibe
ao mesmo tempo as imagens mais frontais e documentais
que o cineasta já fez em ruas nova-iorquinas.
O preto-e-branco reitera uma atmosfera sufocante, auxiliada
por potências obscuras, mensageiras de um mal
eterno. Somente abandonando o corpo é possível
se livrar da dependência nefasta. Por mostrar
esse mundo ensombrado, em estado de putrefação
ética, The Addiction é uma das
bad trips mais inescapáveis e pesadas
de Ferrara – ainda que no final o filme vislumbre retornar
à luz do dia. (LCOJr.)
OS CHEFÕES
The Funeral, EUA, 1996
É comum reprovarem em Os Chefões
seu comportamento menos devorador e mais solene em relação
aos outros filmes de Abel Ferrara. O parentesco com
os filmes de máfia de Scorsese e de Coppola meio
que domesticaria a narrativa, adequando-a a códigos
mal ou bem já aceitos pelo grande público.
Embora esse diagnóstico tenha lá sua parcela
de verdade, Os Chefões de maneira alguma
deixa de ser um grande filme. Onde Scorsese e Coppola
optaram por uma forma épica e sinfônica,
Ferrara fez um filme seco, curto e grosso, com uma preferência
por planos escuros e fechados, transformando a matéria
ficcional do filme de máfia em pretexto para
um huis clos familiar. Em termos narrativos,
não acontece muita coisa. O jovem Johnny (Vincent
Gallo) foi assassinado e seus irmãos querem achar
o culpado. A madrugada então se estica entrecortada
por flash-backs e afrontamentos. Os elementos
discursivos são amortecidos para deixar circular
apenas os fluxos de violência e de apego emocional
dos personagens. Eles passam o filme ora se abraçando,
ora brigando – um cinema do cara a cara, da fisicalidade
que transborda os significados religiosos e metafísicos.
Na briga de Chris Penn com Vincent Gallo, Ferrara dá
mais espaço aos atores e afrouxa a decupagem,
deixando a cena correr em plano-seqüência,
enquadramento aberto, a mise en scéne crescendo
do interior do próprio plano, no qual circula
uma energia solta, não-ligada. A mitologia da
máfia está em segundo plano, pois antes
dela vem o aspecto concreto da mise en scène,
a tendência de Ferrara a filmar tudo de maneira
viva, demasiado viva. O falecido Chris Penn tem nesse
filme a melhor cena de sua breve carreira: ele chega
bêbado em casa e briga com a esposa (Isabella
Rossellini), tomado de uma força primitiva, animal,
quase exterior a ele mesmo. Nenhum discurso, símbolo
ou ritual é suficiente para conjurar essa energia
bruta. Como em Olhos de Serpente, Ferrara mostra
novamente que a família é um núcleo
atravessado por forças centrífugas. Em
algum momento essas forças se tornam irrefreáveis.
O filme marca o término da parceria do diretor
com o roteirista Nicholas St. John. A despeito do receio
que alguns devem ter sentido na época, a obra
de Ferrara não se tornou mais palatável
a partir de Os Chefões. Pelo contrário:
o filme seguinte, The Blackout, afirmaria um
mergulho vertiginoso, uma total perda de controle sobre
o mundo e sobre o cinema. (LCOJr.)
BLACKOUT
The Blackout, EUA, 1997
Muitos cineastas, especialmente aqueles mais preocupados
com a natureza da imagem, parecem compelidos cedo ou
tarde a nos dar a sua releitura de Vertigo. Blackout
é a de Ferrara, mas a opção
aqui é significativa por outra razão:
trata-se do primeiro filme do cineasta após seu
rompimento com seu roteirista regular Nicholas St. John,
com quem trabalhava desde os primeiros curtas no começo
dos anos 70. Blackout é logo um genuíno
novo começo, sua estrutura em duas partes reproduzindo
o próprio estado de espírito do cineasta.
Uma purgação, mas também um salto
numa nova e excitante direção para sua
obra. O material aqui é típico de Ferrara
– um bom tanto de álcool, droga, culpa, a impressão
de um mundo fugindo do controle, mais algumas reflexões
sobre atores e cinema que retrabalham elementos de Olhos
de Serpente – mas Blackout nunca se assemelha
a um filme que existe só para regurgitar glórias
passadas do cineasta. Como o subseqüente New
Rose Hotel, Blackout é um mergulho
subjetivo de um homem que tenta recuperar uma imagem
de uma mulher. Ele tem como facilitador/parceiro/duplo
um amigo cineasta experimental que tenta realizar um
remake quase caseiro de Nana (e reforçando
a idéia de imagens recuperadas Ferrara originalmente
pretendia usar Matt Dillon e Mickey Rourke, que trabalharam
juntos antes no Selvagem da Motocicleta de Coppola,
antes de ter que se contentar com Matthew Modine e Dennis
Hopper). Blackout cobre muito do mesmo terreno
do Godard tardio, mas de maneira mais direta, focada
e menos enamorada com sua própria retórica.
Um filme sobre todas as nossas imagens e sobre como
elas são organizadas e freqüentemente programadas
para nos fazer esquecê-las. Um filme que existe
para o ato de encorpar, celebrar e se despedir da imagem
cinematográfica. (FF)
O ENIGMA DO PODER
New Rose Hotel, EUA, 1998
Como é possível haver tamanha consonância
entre a adaptação de um escritor cultuado,
a perfeita assimilação de um relato estranho
ao universo do próprio artista e uma resposta
em imagens às questões que uma arte –
a audiovisual, a família "cinema" – enfrenta
num determinado momento de sua história? New
Rose Hotel é a realização desse
triplo empenho, uma homenagem a William Gibson (depois
que pegou o projeto, o trabalho de Ferrara foi "desadaptar"
o roteiro), um dos filmes mais bem-sucedidos artisticamente
de Ferrara e ao mesmo tempo um tratamento sensacional
de um novo regime de curto-circuito de informações
e imagens naquele momento apenas esboçado. Vídeo,
câmera de vigilância, pagers, celulares,
fluxos invisíveis de dinheiro, conspirações
e contra-conspirações, encurtamento de
distâncias geográficas, África,
América do Norte, Europa, Ásia. Abel Ferrara
acena para um mundo maquinizado, corporativo, para dentro
dele melhor entender o humano, a diferença que
é estar vivo, em qualquer circunstância,
em qualquer panorama. Um trio de personagens, três
jogadores, estabelecem entre si um jogo de sedução
(sedução pelo poder, pelo sexo, pela sensação
de estar na crista da onda) e encetam a intriga de um
thriller futurista que quase imperceptivelmente se transforma
num filme experimental, em que o peso de cada imagem
assume a dimensão de um parágrafo proustiano,
em que cada lembrança amalgama uma série
de construções e desejos, ao ponto que
nós espectadores ficamos sem saber se X, o personagem-enigma
de Willem Dafoe, busca em sua mente os signos que revelam
o momento em que ele poderia ter descoberto o nascimento
de sua penúria, ou se simplesmente ele busca
através delas um último conforto antes
de ser encontrado por seus perseguidores. É o
momento da cinematografia de Ferrara em que toda desorientação
moral ou espaço-temporal da trama se transforma
em desorientação estrutural, ontológica,
que faz nascer algo inefável, e que não
sentíamos desde O Espelho, de Tarkovski.
Puras imagens-afeto. (RG)
GANGUES DO GUETO
‘R Xmas, EUA, 2001
O filme começa com um letreiro dizendo que
dezembro de 1993 é o último mês
de mandato do prefeito de Nova York David Dinkins. E
termina com um letreiro dizendo que Rudolph Giuliani
assumiria no mês seguinte, acrescido de "to be
cont...", assim mesmo, com reticências completando
a palavra. Sabemos que Giuliani, com seu programa "Tolerância
Zero", dificultou um bocado o trabalho dos pequenos
traficantes. Assim, o que vemos em todo o miolo do filme
é o cotidiano de um desses traficantes (Lillo
Brancato), de sua esposa (Drea de Matteo) e familiares.
Um cotidiano agitado, claro, pois além do crescimento
da venda de drogas na época natalina há
o desespero das compras do período, com lojas
abarrotadas e consumidores estressados. Mas também
um cotidiano que está prestes a acabar, pois
o próximo prefeito não daria trégua
a eles. Há uma seqüência brilhante
no carro, com o casal de traficantes mudo durante todo
o trajeto, passando por pontes que refletem no parabrisa.
Não se trata de uma quebra na interação
do casal – saberemos logo, mas de um cansaço
típico da época, quando cada um quer se
silenciar, mas não pode, pois tem que correr
atrás dos presentes. Um outro plano essencial,
curiosamente simbólico de toda essa correria
de fim de ano, é o que mostra De Matteo tentando
arranjar dinheiro para libertar o marido seqüestrado,
acompanhada da boneca que a filha quer de presente no
banco de trás. Imagens da boneca refletida no
retrovisor se mesclam ao desespero dela ao saber do
seqüestro do marido. É um belo exemplo da
maneira como Ferrara trata o material com leveza, extraindo
texturas belíssimas com as fusões que
se acumulam. Fusões de papelotes de droga para
notas de dinheiro, daí para os olhares concentrados
do casal, daí para os amigos do casal. Temos
também o policial corrupto interpretado por Ice
T, responsável pelo seqüestro do traficante
– sua indecisão, sua hesitação.
Seus constantes avisos, quase implorando para eles pararem
de vender drogas. Como um anjo da guarda tortuoso, ele
parecia anunciar tempos mais difíceis para a
profissão. Um belo filme sobre um cotidiano efêmero,
uma felicidade periclitante. (Sérgio Alpendre)
MARIA
Mary, EUA/França/Itália, 2005
A trip de Marie, personagem de Juliette
Binoche neste filme de Abel Ferrara, seu mais recente
até agora, não é as drogas, nem
a dificuldade de criação. Após
interpretar Maria Madalena num filme dirigido por Tony
(Matthew Modine), que relê a vida do Cristo a
partir dos evangelhos apócrifos, ela entra numa
jornada de fé tão dedicada que passa a
viver em Jerusalém e visitar locações
sagradas diariamente. O combustível da redenção
é outro, mas a obsessão da busca, o embate
de forças interiores e exteriores, o espanto
diante da magnitude da empreitada de autodescoberta
e autodigestão é o mesmo de Kathleen (The
Addiction), de X (New Rose Hotel), de Matty
(The Blackout), do policial "mau" (Vício
Frenético). Ou dos outros personagens de
Maria: Tony e a busca de um diálogo impossível
através de seu filme, Ted (Forest Whitaker) e
a busca da salvação para sua esposa e
seu filho recém nascido. Onde procurar a fé
em um mundo sem Deus? Ted vaga de táxi pela noite
nova-iorquina, vai à casa de uma amante, atriz
amiga de Marie, passa a noite com ela e "suga" de sua
agenda telefônica o número de Marie. Ele
se comporta, nessa seqüência de eventos,
como um Nosferatu na mesma medida de Chistopher Walken
em O Rei de Nova York ou Harvey Keitel na obra-prima
Vício Frenético. A princípio
interessado nela como elemento de exploitation para
seu programa televisivo, Ted encontra nas conversas
por celular com Marie uma forma de religião.
Ele tenta religar-se ao divino através de uma
presença-ausência no mundo, um mediador
espiritual que traz a boa notícia, a da salvação.
Marie é também Cristo. Na cena em que
participa por telefone do programa de TV que Ted apresenta,
ela diz algo como ter descoberto "que estava conectada
ao passado". Nesse já recorrente universo do
filme dentro do filme na obra de Ferrara, encarnar um
personagem não é vestir uma segunda pele,
mas descobrir uma pele anterior, que estava calada sob
a epiderme. Uma vez que o ator descobre esse personagem
sob sua própria pele e, pior ainda, uma vez que
descobre que esse personagem existia antes mesmo dele,
não há mais como fugir. Isso se expande
ao filme como um todo: Maria, de certa forma,
é na sua própria estrutura um filme que
não consegue fugir de si mesmo. Maria e
possivelmente a maior parte dos filmes de Abel Ferrara:
eles ficam correndo atrás da imagem que veio
antes, a imagem ausente que lhes deu origem, como se
fossem remakes de obras escondidas (não é
à toa que Tony adapta para o cinema os evangelhos
que foram escondidos e renegados). O último plano
de Maria não é tão diferente
do último plano de New Rose Hotel: a imagem
fugidia, no limite do virtual, de uma mulher que deu
um passo à frente de todos os homens, que pegou
uma tangente enigmática na história, ou
que simplesmente se furtou à história.
Como Asia Argento em New Rose Hotel, Marie é
no fundo um vetor sem rumo. O filme em si também
funciona como uma pura descarga de energia do presente,
uma imbricação de personagens-vetores
em suas jornadas turbulentas, por vezes extremas. A
melhor tradução visual desse amálgama
confuso são as lentíssimas fusões
que abundam como recurso de estilo e escritura em Maria.
Ferrara confirma, simultaneamente, uma propensão
a volta e meia filmar de pontos de vista ingratos, compondo
planos soltos, "mal" enquadrados, jogando muitas vezes
com a abstração passageira, suspensões
momentâneas do filme, mesmo se a cena instiga
o espectador a querer entendê-la, decifrá-la.
Essa sabotagem da cognição pode ser a
prova de uma verdadeira profissão de fé.
(LCOJr.)
|