VINYL
Andy Warhol, EUA, 1965

THE VELVET UNDERGROUND AND NICO
Andy Warhol, EUA, 1966

MY HUSTLER
Andy Warhol e Chuck Wein, EUA, 1965

I, A MAN
Andy Warhol e Paul Morrissey, EUA, 1967

A fertilidade da obra de Andy Warhol estendeu-se a todas as áreas pelas quais o artista se aventurou. No que diz respeito ao cinema, embora não pudesse contar com uma técnica como o silk-screen, que o ajudou a produzir um número incontável de pinturas, chegou à impressionante marca de 65 filmes dirigidos em 6 anos, entre curtas e longas que chegavam a mais de 190 minutos. Por isso, é bastante curioso o critério, se é que houve algum, responsável por agrupar esses lançamentos em grupos de dois. Vinyl e The Velvet Underground and Nico: A Simphony of Sound estão separados por apenas um ano, porém 17 filmes. My Hustler e I, a Man têm entre si dois anos, 24 filmes e uma mudança bastante significativa: entre um e outro, Paul Morrissey passou a co-dirigir os filmes da Factory até eventualmente assumir sua liderança, imprimindo estilo e estética pessoais. Warhol passou a figurar mais como patrono que agente direto.

O ritmo de produção na Factory era urgente, acelerado. Filmes eram rodados na mesma velocidade com que se faziam novas pinturas. Era a arte na linha de produção, em todas as suas expressões. Sobre Vinyl, por exemplo, Warhol gostava de dizer que havia sido filmado de uma vez, sem ensaio, nada. De fato, há apenas um quadro e um plano-seqüência que vai até o fim do rolo, quando este é trocado e dá continuidade ao mesmo quadro. Há alguns zooms no começo, mas esta é toda a interferência na ação. My Hustler apresenta algumas mudanças formais, a mais óbvia sendo a existência de alguma movimentação de câmera, mas ainda encontramos nele dois grandes planos-seqüência - para os filmes desse período, Warhol costumava usar dois rolos de 30 minutos. Mais dissonante no grupo é I, a Man: é o único em cores, com uma metragem que ultrapassa os 60/70 minutos habituais.

Vinyl é uma adaptação aloprada de Laranja Mecânica, de Anthony Burgess, trama bem conhecida do público devido ao filme de Stanley Kubrick, realizado 5 anos mais tarde. Na versão warholiana, Alex é Victor, interpretado por seu protegé Gerard Malanga. O filme começa com um close no rosto do belo rapaz; o plano abre e somos apresentados ao quadro que acompanharemos até o fim. No centro encontra-se Victor, que se apresenta como um JD (juvenile delinquent). À sua esquerda, um homem sentado em uma cadeira; à direita, uma mulher, a única em Vinyl, Edie Sedgwick, que entra muda e sai calada. Malanga passa os primeiros minutos levantando pesos e posando com um ar desafiador. Uma voz anuncia: Andy Warhol's Vinyl. A partir daí, um solilóquio do personagem principal explicando que sua natureza é violenta e ele a cumpre. O quadro estático transforma o espectador em voyeur, alguém que observa os movimentos daquela juventude por uma fresta, um buraco de onde só consegue o mesmo quadro. A carga homoerótica é tremenda e simples. Warhol não tem intenção de colocar a questão gay em pauta ou em, dentro dela, discutir problemas. Ele usa os corpos em cena em seu sentido mais material: o corpo de Victor, enquanto dança, bate, apanha e depois é humilhado, é um corpo desejável. Mais que isso, é um corpo desejável que só existe dentro do universo da masculinidade. Todas as suas relações se dão com homens, do amigo ao inimigo, médico e policial. A única mulher presente na ação, Edie, não age. É possível dizer: não existe. Está presente apenas para reforçar que o jogo sensual que acontece ali pertence apenas aos homens. A experiência feita em Victor, em vez de transformá-lo em cidadão de bem, cria uma vítima. Depois de purgado de sua maldade, ele é humilhado pelo médico, que arma uma cena de clara insinuação sadomasoquista. O homem que "escolhe não ter escolha", maneira como o policial descreve o experimento, vê-se submetido à vontade de um senhor tão cruel como ele era. Comentário político sim, mas no sentido das relações possíveis e existentes entre homens.

Co-dirigido por Chuck Wein, que mais tarde largaria o cinema para estudar ocultismo, My Hustler também é um estudo sobre masculinidade e homossexualidade. A câmera move-se como move o olho de um observador desejante: passa boa parte do tempo observando o michê contratado por Bald John. O rapaz, que John diz ter conseguido através do serviço dial-a-hustler, tem dois momentos no filme. No primeiro toma sol em uma praia e é observado por três outros personagens: aquele que o contratou, uma mulher e um michê mais velho. Os três o desejam. A câmera também. Por sobre sua imagem, ouve-se a conversa que travam os pretendentes. Cada um, um tipo bem definido: um gay endinheirado que gosta de ter belos rapazes a seu lado, um michê que envelhece e uma mulher que sempre se interessa por homossexuais. A novidade do filme de Warhol reside no aparecimento de tais personagens, totalmente marginais, e no tratamento que dá a eles. Ele desenha figuras até ali desconhecidas do cinema, e os trata com total naturalidade. Aliás, essa é a impressão mais forte que a segunda parte suscita. Nela, os dois michês tomam banho e se barbeiam, habitando um quadro que volta a ser estático. Discutem temas relacionados à sua profissão e, assim, colocam em xeque certas idéias a respeito do amor entre homens. Por exemplo, até onde é aceitável ser afeminado ou, inversamente, gostar de fazer sexo com mulheres; se podem deixar transparecer o desejo por mulheres para aqueles que os contratam ou se um comportamento muito feminino afastaria clientes. Nenhuma dessas questões havia sido levantada pelos grupos homossexuais que, mesmo com a revolução sexual acontecendo, traziam em sua agenda apenas a vontade política da aceitação. Em Warhol não há vontade de integração. Há, sim, a vontade de trazer para a luz pessoas e situações que freqüentavam guetos e eram invisíveis. Exibir esses indivíduos não como aberrações, mas como simples sujeitos, ainda que de vidas não ortodoxas. A abordagem que seu cinema faz desses desviantes certamente inspirou a cultura gay a partir dali.

The Velvet Underground and Nico: A Simphony of Sound é bem distante do projeto de cinema dos outros filmes. Registro de um concerto da banda que Warhol produzia, apela para um experimentalismo maior no tratamento da imagem, como se se quisesse fundir o caos da música crua e marginal do grupo com imagens da mesma estirpe. Talvez seja preciso encará-lo como uma pintura a qual foi adicionado som. Um tipo de escultura/instalação cuja única intenção é a de excitar os sentidos. O uso do zoom e o espectador são levados ao limite. Durante o show, em que a banda permanece estática, a imagem se move freneticamente, restando a quem assiste apenas a possibilidade de entregar-se à experiência. Fruir torna-se um desafio que não permite hesitações. Música após música, o filme joga com a capacidade de o espectador permanecer com ele. Parece que só há uma saída possível, e é a ela que se é convidado: o transe. Mas então, sem nenhuma espécie de aviso, a polícia interrompe o show, portanto, também o filme.

Esses são todos filmes pré-Paul Morrissey, a não ser I, a Man. O primeiro traço de distinção normalmente apontado pelos estudiosos é que esse seria o primeiro filme heterossexual de Warhol. De fato, trata-se de um homem e de suas relações com mulheres. Mas, se a homossexualidade não aparece, a questão em torno de ser homem, de possuir um corpo masculino e lidar com sua materialidade e desejo está presente. Tom Baker é o macho, envolvido com mulheres com quem divide a cena, uma de cada vez, oito vezes. Entre as oito moças visitadas por Tom estão Nico e Valerie Solanas, que tentou matar Warhol um ano mais tarde. Sua seqüência é, aliás, uma das mais interessantes do filme. Ela é a única que Tom não consegue seduzir e permanece o tempo todo desafiando-o em sua condição de homem. Não há indício de temporalidade seqüencial; os encontros podem ter acontecido na mesma semana, ao longo de muitos anos ou mesmo vários em um mesmo dia. A edição de cada cena era feita enquanto se filmava, usando-se o strobe cut, técnica em que a câmera é desligada e ligada e o resultado é mantido, criando o efeito de um flash de luz, além de um corte artificial no som. Esse efeito tem como resultado um esvaziamento de importância da relação e do tempo dedicado por Tom a cada uma de suas companheiras, como se cada duração fosse um amontoado de buracos em branco. O final do filme, abrupto, sem nada que o indique, reforça essa idéia: a vida sexual do homem é sem sentido, ele busca e continua buscando, sem conseguir satisfazer-se. Passa seu tempo entre momentos agradáveis e desagradáveis; mas o que é pior: passa muito do seu tempo em momentos esquecíveis.

Comum a todos os filmes, perpassa a vontade de Warhol de trazer para a tela aqueles para quem o sol não costumava brilhar. Michês, travestis, histéricas. Seu cinema fez emergir personagens novos e brilhantes. O lançamento desses DVDs é a possibilidade de entrar em um mundo paralelo ao do sonho americano. Mundo de homens, sobretudo, de pequenas vidas infames que Warhol foi capaz de pintar com cores, vibrantes; criando um universo particular onde transviados, famélicos e loucos eram superstars. A Factory como a Hollywood dos drogados e carentes.


Juliana Fausto

(DVD Magnus Opus)

 

 







Cena de Vinyl, a adaptação aloprada de Warhol para
Laranja Mecânica