Qual
o verdadeiro embate em O Mestre das Armas? Aquele
entre uma China submetida às humilhações
e todos os outros países misturados, ora
ingleses, ora japoneses, ora espanhóis, ora alemães,
criando uma fábula sobre autodeterminação
que combina muito com o clima de patriotada de alguns
filmes recentes (cf. Herói)? Aquele do
personagem de Jet Li consigo mesmo, entre a soberba
e a humildade, criando uma fábula sobre como
adquirir sabedoria e não vontade de dominação
a partir dos ensinamentos das artes marciais? Ou seria
o embate entre uma tradição de entretenimento
longeva no cinema chinês (Hong Kong e Taiwan incluídos)
e a necessidade de exportação para o ocidente
que vem conferir ao projeto mudanças significativas?
Na verdade, há todos esses embates em andamento
em O Mestre das Armas, alguns mais bem resolvidos
do que outros, mas o verdadeiro duelo aqui traçado
é entre uma mise-en-scène de ação,
assinada magistralmente por Yuen Woo-Ping, e a pesadíssima
e lacrimejante narrativa das cenas sem ação,
realizadas por um Ronny Yu destituído de maior
brilho.
Entre elas, Jet Li saculeja com seu carisma e sua grande
aptidão de ator físico, realmente versado
nos movimentos que faz, e que a câmera acompanha
com eficiência e monta no mesmo movimento. Como
se ainda precisasse dizer, ele é o centro do
filme, sua razão de ser trata-se claramente
do que chamamos de "veículo" ,
e o filme funciona muito bem quando se propõe
a isso: embasbacante seqüência inicial, charmosíssimas
seqüências de luta ao longo do filme, emocionante
(apesar de previsível) cena final. Só
que, entremeando tudo isso, existe um espaço
inteiramente aberto ao populismo sentimental de um drama
canhestramente orquestrado, que, passando da humilhação
ao poder supremo, revê seus passos em busca de
uma humildade bem aprendida.
O corpo de um personagem de artes marciais é
viscoso, não permite que se colem muitas significações
em cima dele sem que se perca algo de sua mobilidade.
Indiferente a isso, Ronny Yu vai pesando, pesando, pesando,
com seus planos chamativos, com a música melosa
(assinada pelo mesmo Shigeru Umebayashi que assina o
belo tema de Yumeji, de Suzuki, usado à
exaustão por Wong Kar-wai), com seu cromatismo
de cartão postal nacionalista. Há ao menos
uma boa intriga, capitaneada pelo fiel companheiro de
Jet Li, que representa desde criança sua serenidade
e a eterna amizade. Mas há algo em Ronny Yu que
recusa a sutileza, que chama as soluções
fáceis e o tom grandiloqüente. Assim, toda
a seqüência de vendeta entre famílias
é filmada a patadas de elefante, o idílio
nos campos de arroz tem uma poesia por demais primária,
e assim por diante. Seria covardia dizer aqui que Jet
Li antes havia sido Wong Fei-Hung na mão de um
verdadeiro cineasta de movimentos, Tsui Hark, e que
infelizmente o último e genial
filme de Tsui Hark, Sete Espadas, foi direto
para dvd. Vamos, então, dar uma chance a Ronny
Yu e dizer que a versão exibida no Brasil (que
é, aparentemente, a mesma exibida em todo o ocidente)
não é a original, que a versão
de Hong Kong tem quase 40 minutos a mais. Não
melhora a cafonice de certas imagens que vemos, mas
pelo menos ajuda a colocar alguma coisa em relevo. Tomara
que não tenham cortado muita coisa da ação.
Ruy Gardnier
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